Galinha do pé queimado
Redação DM
Publicado em 16 de maio de 2016 às 21:50 | Atualizado há 9 anos
Saí do escritório, na hora do almoço, com aquela incontrolável e indisfarçável ansiedade por chegar em casa.
Fome é uma coisa terrível. Quando chega, marca a hora direitinho e o jeito é ir procurar a comida o mais rapidamente possível.
Fechei o escritório, já que estava sozinho e ia sair para o almoço, e me dirigi aos elevadores, no corredor.
Dos três, dois estavam parados inexplicavelmente no térreo. Só um se movimentava, e, assim mesmo, subindo lentamente.
Marquei minha pretensão: descer. A luzinha acendeu e fiquei na espreita. Parada no primeiro andar, no quinto, no sexto, no décimo, no décimo segundo e aí veio direto. Esperei alegre no décimo quinto andar, onde me encontrava. Mas para meu desagrado o elevador não parou e foi até o décimo sétimo andar, o último.
Achei um absurdo que o elevador não houvesse parado, mas depois fiquei sabendo que é assim mesmo. Como eu queria era descer o elevador só pararia na descida.
E demorou, preso lá no décimo sétimo.
Parou na descida. Quando a porta se abriu o vozerio tomou conta. O elevador vinha repleto de mulheres e uma delas, mais agitada, falava mais alto, dando continuidade ao tema que se iniciara lá em cima. Senti-me ali como um bendito é o fruto entre as mulheres, mas procurei entrar no clima.
Mas não participara do começo da conversa e o que via e ouvia era a narradora dizendo:
-É igual a galinha do pé queimado. Anda pra aqui, anda pra ali, e não dá sossego. Vai no ouvido de uma, vai no ouvido da outra e o tititi vai longe… Deus me livre!
Procurei saber:
Como é este negócio? Você está comparando alguém a uma galinha do pé queimado ?
– Você nunca viu ? Galinha que queima o pé fica doidinha. Não para em lugar nenhum, vai de um lado pro outro, incomoda todo o galinheiro e se for o terreiro ainda mais. Certamente deve ser a dor do pé queimado…
Rebusquei na memória.
Encontrei o quadro.
Galinha é bicho danado de ciscador. Nada fica arrumado no terreiro. Ela vai ciscando, ciscando, até encontrar o que deseja, ainda que a conta de espalhar todo o lixo que se acabou de juntar em pontos diversos, quando da varredura do quintal.
Acontece que, às vezes, cisca onde não podia ir: borralho, cinzas ainda quentes jogadas no terreiro. E aí queima o pé.
O resultado é que fica inquieta, não para em lugar nenhum, vai de um lado para o outro, incomoda as demais galinhas, tudo na ânsia de conseguir se livrar da dor da leve queimadura. Aquela ardência que incomoda..
Então, visualizei a cena que era contada com tanto entusiasmo pela companheira de elevador para suas outras colegas e que acabei ouvindo.
Estava criticando alguém que não dava sossego, que incomodava a todos os demais na sala, que não permitia que se trabalhasse, sempre ao pé do ouvido de uma ou de outra das colegas.
Parecia, dizia a colega, uma galinha do pé queimado… e soltava o sorriso descomprometido.
Sorri também, e saímos todos do elevador pensando naquela imagem engraçada de alguém zanzando na repartição, a contar coisas, a transmitir estórias, a dar comprimento a conversas, tantas vezes infundadas…
Quando entrei no carro e me dirigi para casa fui pensando: a roça ensina suas coisas. Nós é que somos lerdos para aprender.
Quando uma galinha do pé queimado fica do jeito que fica, sem dar sossego às outras, leva bicadas, empurrões e até, às vezes, uns esbarrões do galo do terreiro. Em suma, se torna uma chata de galocha.
A gente fica com pena e procura dar um jeito de aliviar o sofrimento dela com algum remédio caseiro passado no seu pé queimado.
Quando melhorava, era um alívio geral.
Fico pensando num certo tipo de pessoas que, no serviço, na condução, na rua, no cinema, nos parques, e o que é pior, até em solenidades onde o silêncio é norma de boa educação, não consegue ficar quieto.
É uma falação, um comentário, uma conversa muitas vezes imprópria, desnecessária e muitas vezes totalmente descabida, seja pelo assunto, seja pelo local.
São verdadeiras galinhas do pé queimado.
E o pior é que não podemos pegá-las e passar um remedinho caseiro pra ver se param de tanto tricotar. Atrapalham o serviço, prejudicam o humor dos outros e, o que é pior, mostram uma ausência de educação gritante, conforme o ambiente onde resolvem atuar.
Deus me livre!
Gente, a palavra é de prata mas o silêncio é de ouro.
Escutem bem, e deixem de ser como galinhas do pé queimado.
(Getúlio Targino Lima, advogado, professor emérito (UFG), jornalista, escritor, membro da Associação Nacional de Escritores e da Academia Goiana de Letras. Email: [email protected])