Opinião

Gertrude Stein e Alice Toklas

Diário da Manhã

Publicado em 16 de março de 2018 às 01:00 | Atualizado há 7 anos

Avançada nas ideias, muito à frente de seu tempo, a escritora Gertrude Stein causou escândalos em Paris nos anos 20, com o seu casamento homoafetivo, que durou quase 40 anos, com Alice B. Toklas. Ligadas às revoluções artísticas e literárias, transformaram a casa onde moravam, na Rue de Fleurus (que se situava na margem esquerda do Sena e próximo ao Jardim de Luxemburgo), com o irmão de Gertrude (Leo Stein), num verdadeiro ponto de encontro dos artistas e escritores da época. Hemingway, Pablo Picasso, Matisse, que frequentaram aquela residência. As duas formavam um estranho par. Uma mignon, discreta, a outra, grandalhona e excêntrica. As paredes da vivenda foram sendo ocupadas, gradativamente, por telas de Cézanne, Gauguin e Renoir, entre outros artistas plásticos da época. Falam seus biógrafos que Gertrude sofreu o desprezo dos editores durante toda sua vida, uma vez que relutavam em editar seus livros, todos desconexos demais para a época. Entretanto, conseguia publicar em revistas literárias. Embora fosse conhecida, resolveu em 1932, escrever a Autobiografia de Alice B. Toklas. Gertrude incomodava-se com o fato de as pessoas se interessassem mais por sua personalidade do que por sua obra, mas os amigos que cercavam o “casal” achavam essa relação entre as duas absolutamente normal e até chegou a inspirar Hemingway, que assim distinguiu o homossexualismo entre homens e mulheres: “O ato cometido pelos homossexuais masculinos é feio, repugnante e causa náusea aos próprios participantes após o término da relação”. No entanto, consentia o homossexualismo feminino, de vez que acreditava que a transa entre duas mulheres não lhe causava nojo ou repulsa porque, segundo ele, experimentam uma grande felicidade e conseguem levar uma vida feliz com as parceiras. Disse em alusão às amigas, que mantiveram esse casamento de, aproximadamente, 40 anos. O salão da Rue de Fleurus em Paris dos anos 20/30 era sem dúvidas um universo literário. Além das telas já mencionadas compraram as de Tolouse-Lautrec, uma de Delacroix e, pouco depois, adquiriram dois de Gauguin, um Cézanne e dois de Renoir. Desse modo, a “casa” se transformou numa verdadeira exposição de grandes artistas, que hoje valem fortunas. Em 1907, Leo e Gertrude compraram seu primeiro Picasso, que, naquela época, tinha apenas 24 anos e passava por dificuldades financeiras. Nas reuniões, que se realizavam na casa das duas, compareciam pintores, escritores, colecionadores e até negociantes de obras de arte. Gertrude e Stein eram figuras excêntricas, pois fumavam charutos, vestiam-se de belbutinas, um tipo de tecido feito de algodão com aparência de veludo marrom. E ainda, calçavam pontudas babuches bem confortáveis. Interessante, que, à época, os irmãos chegaram a ser proibidos de frequentar o tradicional Café de la Paix, devido à sua aparência bizarra. É necessário dizer, como palavra final, que quando Alice conheceu Gertrude, em 1907, ficou maravilhada. “Era um ser iluminado (…). Era diferente de qualquer outra; profunda, encorpada, aveludada como uma voz de contralto (…). Embora ela fosse alta e pesada, suas mãos eram delicadas e o formato de seu cabelo maravilhoso, único”, exultou. No casamento, Alice era a dona-de-casa e datilógrafa. Chamavam-se de amor e de gatinha. As duas viveram juntas quase 40 anos até a morte de Gertrude, em 1946. Aquele que desejar conhecer melhor a vida dessas celebridades, poderá procurar ler o livro “Gertrude & Alice”, da inglesa Diana Souhami, que foi editado pela José Olympio, em 1995.

 

(Luiz Augusto Paranhos Sampaio, membro da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás da Academia Catalana de Letras e da União Brasileira de Escritores)


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