Opinião

Gestor público, profissão perigo

Diário da Manhã

Publicado em 20 de junho de 2017 às 02:50 | Atualizado há 8 anos

Li em O Popular, edição de 23/05/2017, matéria com chamada de capa e publicada na página 12 sob o título “MP aponta relação de empresa com Cachoeira’, denúncia versando sobre suposto superfaturamento de alimentação destinada aos que cumprem pena no Complexo Prisional. Denúncias de mazelas na administração pública não constituem novidade. Nos últimos tempos, graças ao fortalecimento do Ministério Público a partir da atual Constituição (05/10/1988), são cada vez mais presentes. Em princípio, isso é bom. O Ministério  Público deve ser prestigiado e fortalecido. Deve, também, ser  orientado a evitar o estrelismo. Mas o desejo de aparecer, estar na mídia, tem sido uma constante. Nesse ponto não só promotores e procuradores, mas também muitos magistrados,  procuram atrair para si os holofotes. Até ministros do Supremo Tribunal Federal, cuja notoriedade é inerente à alta posição ocupada, às vezes não conseguem disfarçar e até mandam o dever de cultivar a sobriedade às favas, como o fez o ministro Gilmar Mendes  durante a sessão do TSE que julgou a chapa Dilma – Temer. Dirigindo-se ao seu colega Herman Benjamin, relator, Gilmar  atribuiu-se o que para ele séria mérito: o fato de Benjamin estar ‘brilhando na televisão’.  Ressalte-se que nem todos são iguais a Mendes. O próprio Benjamin retrucou de pronto que preferiria ‘o anonimato”.

Mais anonimato e maior eficiência na produção de sentenças justas, vale dizer, na efetivação da Justiça, é algo de que o Brasil  carece.  Sobretudo nesta fase da vida nacional de tantas revelações estarrecedoras. Tudo deve ser apurado e os culpados, punidos. É preciso ir fundo, para que não fique nada impune. Mas cuidado para evitar injustiças é indispensável. Divulgar fatos sem a necessária checagem é uma forma de cometer injustiças.  Meses atrás,  no âmbito da Lava Jato, foi atribuído um delito ao ex-ministro José Dirceu. Pouco tempo depois, a própria Lava Jato viria a esclarecer que o JD da gravação seria um certo Juscelino Dourado. Pois bem, mas como a imprensa havia divulgado amplamente a primeira versão, é possível  que muitos não tenham lido a segunda e assim Zé Dirceu virou vítima. Aquele que enxergar normalidade nesse fato, é porque não é ele o próprio alvo do engano.

Conheço razoavelmente o advogado Edemundo Dias de Oliveira Filho, delegado de polícia de classe  especial aposentado, com muitos e bons serviços prestados à administração pública. Idealista, por mais de uma vez dirigiu o Sistema Prisional (antigo Cepaigo) com muito profissionalismo. Detentor de grande conhecimento, prático e teórico, na área penal, tendo inclusive  se aperfeiçoado estudando em conceituada universidade espanhola, em nível de pós-graduação,  buscou colocar em prática uma administração moderna. Biblioteca para os detentos, incentivo ao estudo ao trabalho. O objetivo, previsto em lei, foi  e de incorpora-los à sociedade. Lá estive, visitando o Complexo Prisional durante sua administração, por várias vezes. Numa delas, assisti a uma apresentação teatral protagonizada por pessoas que ali cumpriam penas. Quanto à alimentação dos presos, seu esforço era para que, cumprindo a filosofia implantada no antigo Cepaigo, os próprios apenados  a produzissem. Arroz, feijão, verduras, carne e leite, ovos e frangos, além de prudutos artesanais, tudo isso já foi produzido  naquela  penitenciária. Quando o Dr Edemundo a dirigiu na sua administração mais recente, um incêndio havia destruído todas as instalações da cozinha e administrações anteriores contrataram emergencialmente o fornecimento  de comida para toda a população carcerária. E mais: havia uma sentença judicial assegurando a continuidade do contrato. Descumprisse o contrato, seria punido. Agora, querem puni-lo porque cumpriu,  como era sua obrigação, a decisão de um magistrado. Dai o título deste texto falar do perigo a que se expõe  o gestor público honesto na atualidade.

Antônia Nogueira de Oliveira, maranhense que viveu as últimas tres décadas de sua vida em Goiânia, foi uma mulher diferenciada. Evangélica (evangélica mesmo!), quando ainda era uma jovem mãe de muitos filhos estava em determinada noite na companhia do pastor e de obreiros de sua igreja visitando prostíbulos de São Luiz  numa singular missão: convencer prostitutas a mudarem de vida. Dona Antônia propôs acolher  uma daquelas mulheres em sua própria casa, um lar humilde de mãe de 10 filhos que, depois de ter sido quebradeira de coco babaçu havia se tornado artesã (fazia redes). E uma daquelas mulheres aceitou de pronto. Isto foi há 50 anos. A então jovem prostituta aproveitou bem a oportunidade. Sob orientação de dona Antônia, estou até concluir curso superior e tornou-se professora concursada. Hoje, aposentada, mora no Rio de Janeiro. Dona Antônia, tendo escolhido Goiânia para dar estudos aos 10 filhos e filhas, também obteve  êxito nesse propósito: ao partir, há cerca de dois anos, e a cujo velório compareci no Jardim das Palmeiras, havia desfrutado de muitas pequenas/grandes vitórias, entre as quais a de presenciar a diplomação em nível superior de todos os 10 filhos. Um deles é Dr. Edmundo, que mora na mesma casa, financiada, há 40 anos.

Antônia Nogueira de Oliveira  conseguiu imprimir seu estilo guerreiro e seu caráter de ferro nos filhos e filhas que teve e nos que acolheu. Por tais razões, e conhecendo na intimidade a atuação do Dr. Edmundo, advogado, escritor, pregador do Evangelho, proclamo a minha convicção de que os supostos delitos de que é denunciado serão esclarecidos e ele absolvido. Mas isso não é tudo. Porque muitos que conheceram agora a denúncia que atinge a ele e a outras pessoas, várias delas com certeza honestas, vítimas iguais Edemundo, não ficarão sabendo, mais tarde, da absolvição. Daí porque prego um relacionamento diferente do atual entre  o Ministério Público e os meios de Comunicação. É algo que já vem sendo objeto de discussões, as quais merecem ser aprofundadas, para que se obtenha resultados. Que, basicamente, devem ser no sentido de evitar a punição de inocentes, pela Mídia, antes de julgados pelo Judiciário, o qual deve merecer prioridade como fonte do noticiário, a ser produzido com base  nas sentenças dos magistrados, aos quais cabe ouvir as partes e estabelecer o contraditório. Para, finalmente, sentenciar.

 

(Valterli Guedes, jornalista e advogado, presidente da AGI. Foi secretário de Estado em Goiás (Governo Henrique Santillo)

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