Opinião

História do Teatro Popular Grupo Pau A Pique

Redação DM

Publicado em 24 de março de 2016 às 00:22 | Atualizado há 9 anos

Certa vez, li no blog da competente jornalista Walbenia Bezerra que o movimento “pau-a-pique” se perdeu no caminho, fiquei com aquilo na cabeça e comecei a escrever sobre isso.
Mas o que era ou é “Pau-A-Pique”? Na década de 80, um jornal de Goiás em sua retrospectiva, divulgou o Pau a Pique como um dos movimentos mais ativos em Goiás, que realizava um processo de pesquisa e prática que envolvia o teatro e outras artes. Já nessa década, o grupo era constituído juridicamente, e em 1992 a Lei N 7123 da Câmara de Goiânia declara de utilidade pública o Movimento de Artes Criação Pau a Pique.
Tudo começou no Instituto de Matemática e Física (IMAF), situado na rua 20, no Centro da cidade de Goiânia, em que um grupo de professores e alunos criaram o grupo de arte Criação, que era composto pelas áreas de teatro, literatura, música, circo e artes visuais. Esse desenvolvia calorosas semanas culturais com a comunidade, em que aconteciam várias discussões e debates sobre a vida política e cultural de Goiás e do Brasil. Nessa época, ainda, vivíamos sob o regime de ditadura militar, dessa forma, o grupo sentiu necessidade de realizar um teatro de rua, propiciando reflexões sobre o momento pelo qual passava o país, surge então a peça: Todo dia é dia de espetáculo.
A partir desse processo, surgiu o movimento Pau a Pique, fundado por: Marlos Pedrosa, Ery Ferreira e Célia Rocha. Esse nome foi atribuído ao movimento fazendo referência a um projeto criado por Neizes Andrade, cujo objetivo era propagar os escritores goianos por meio do teatro. E pau a pique continua com mesma estrutura do Criação, trabalhando as áreas artística para montagem dos espetáculos.
Em seguida, o grupo passou a se apresentar em regiões periféricas da cidade de Goiânia. A peça Todo dia é dia de espetáculo ficou sete anos em cartaz nos bairros, teatros de Goiânia, no interior de Goiás, em Brasília, áreas de assentamento e posse, congressos, festivais de teatro, etc. Eram apenas dois atores em cena, Marlos Pedrosa (autor e diretor da peça) e Ery Ferreira, que se revezavam na interpretação de vários personagens. Ery Ferreira (pseudônimo de Sebastião Ferreira Batista) em sua monografia de artes cênicas escreveu:
“O grupo pau a pique com as montagens de quadros e peças de protesto. Uma destas montagens, Todo dia é dia de espetáculo, da qual eu fiz parte como ator, satirizava e ridicularizava a classe política, a cultura de massas e instigava o senso crítico do público. Não encontramos registros textuais deste trabalho, mas se tratava basicamente de um roteiro de cenas e situações, aberto aos improvisos dos atores com a participação da plateia. Eram apenas dois atores em cena, Marlos Pedrosa (autor e diretor da peça) e Ery Ferreira, que se revezavam na interpretação de vários personagens como no Sistema Coringa do Teatro de Arena. O espetáculo fazia uma caricatura ideológica do sistema político e econômico vigente e talvez, por isso, através do riso seduzia o expectador a refletir a realidade à sua volta” ( BATISTA, 2007, p. 57).
O músico Jairo Rabelo foi o responsável pela parte musical da peça, que contava ainda com um coral cênico. Esse trabalho foi um grande divisor de águas, nos anos oitenta e noventa, nas periferias da cidade de Goiânia e no interior. Produzimos feiras cultuais pela cidade, hoje toda história está registrada em foto e jornais.
Outra experiência do grupo foi o teatro legislativo, esse foi realizado na gestão do prefeito Darci Acorssi, no orçamento participativo que acontecia nos bairros, em que o grupo fazia ali, teatro, fóruns e as reivindicações surgiam por meio do espetáculo.
O Pau a Pique participou ativamente dos movimentos políticos e culturais de Goiás e desenvolveu vários projetos. O primeiro deles foi o Movimento de Educação Livre (MEL), em Aparecida de Goiânia, no bairro Hilda, coordenado por Divina Correia, Vila Viana e Seluta Rodrigues em parceria com Movimento Cem Nome. Esse projeto foi um marco na luta dos direitos da criança e adolescentes. O Pau a Pique, enquanto movimento, participou de vários manifestos culturais, organizados Pelo Movimento de Resgate da Identidade Cultural (Mric). As atividades culturais aconteciam nas periferias, com o intuito de encontrarmos soluções para melhoria da qualidade de nossa existência. O Pau a Pique contribui, ainda, com algumas poesias para a publicação de um livro chamando Poemas populares: Porque o povo escreve (1989), organizado pelo Mric.
Em 1992, criamos e organizamos o festival de teatro comunitário (Festicoo), que teve cinco edições. Nessa época, esse festival foi realizado na região noroeste da cidade de Goiânia. Estes festivais foram um dos grandes acontecimentos em Goiás, muitos artistas consagrados atualmente se apresentaram neles. Paralelamente ao festival, ocorriam, ainda, oficinas, debates e o congresso Arte-Viver-Educação (AVE), que objetivava contribuir para a construção de uma educação por meio da arte, no processo de formação do indivíduo coletivo. Nesse momento participavam da direção Adenilson Pereira, Vera Lucia, Divina Correia, Seluta Rodrigues, Valdivino Neiva, e outros.
Em 1995, o Movimento Pau a Pique criou a Cia Brincar (atualmente Cia Os Brinkatores), cujos fundadores foram: Marlos Pedrosa e Maria Gomes (primeira negra a concluir o curso de Artes Cênicas na primeira turma da UFG). Esta companhia trabalhou por vários anos em projetos, em parceira com o Museu Antropológico da UFG.
A partir do ano de 2000, o Pau a pique e o grupo Os Brinkatores realizaram várias parcerias com a escola da formação da juventude Dom Fernando, PUC-GO, no bairro Dom Fernando, e desenvolveram vários projetos, como curso de teatro, o Festival de Teatro da Região Leste e a Conferência Teatro na Comunicação Comunitária.
Depois de muitas andanças, os grupos Pau a Pique e os Brinkatores criaram seu espaço cultural, esse recebeu vários nomes ao longo dos anos. A partir do ano de 2013, esses grupos se estabeleceram em um espaço de pesquisa, apresentação e ensaios, situado em Goiânia (a Rua Queiroz Barreto esquina com Moura Pacheco, quadra 35 Lote 1, Parque das Amendoeiras), que recebeu o nome de ponto de cultura Pau a pique. Nesse local, foram montados dois espetáculos (Estação dos Esquecidos e Uma flor para o Rosa), com o centro de pesquisa Teatro Ser (que é um núcleo de pesquisa de teatro dentro do grupo Pau a Pique).
Em 2013, fui homenageado, em nome do grupo Pau a pique, pela comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, em celebração ao Dia Internacional da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse grupo foi reconhecido pela sua luta em prol da arte.
Pau a Pique montou mais de 15 peças em toda essa trajetória, tais como: Carroça Brasil, Monólogos da Loucura, Eita Coisa Só, Morte Vida Severina, Coisas do Século XX, A Poesia não terá Cantado em Vão Esquetes políticas, Intervenções Urbanas, Cadê Meus companheiros e outras.
Diante de tudo que foi relatado, o grupo Pau a Pique não se perdeu no caminho, mas buscou caminhos para continuar as transformações libertárias. Em sua ação cotidiana, o grupo continua sua luta para contribuir com a qualidade de vida e o desenvolvimento cultural da sociedade.
Atualmente, o Grupo Pau a Pique está montando um novo espetáculo: Ainda não falei de flores, sob a direção de Clégis Assis, assistência de direção e dramaturgia de Marlos Pedrosa, atores e produtores: Pollyana Miranda e Iuri Vaz. O grupo é responsável, ainda, pela circulação do espetáculo Estação dos esquecidos que tem no elenco: Andreane Lima, Jordana Caetano, Laisia de Jesus, Iuri Vaz; texto e direção de Marlos Pedrosa. Começou uma pesquisa para remontar Todo dia é dia de espetáculo, peça que deu início à história do Grupo e será construída com o mesmo elenco dos anos 80. Aqui está uma história de suor e lua, suor pela luta de um teatro político e comunitário capaz de produzir liberdades e justiça, um teatro como disse Augusto Boal “descobrindo o teatro o ser se descobre humano”. Luta pela generosidade e poesia para transformar o mundo.

Referências Bibliográficas:
BATISTA, Sebastião Ferreira. Fé, Política e Arte: A Trajetória de um Movimento Popular de Cultura em Goiânia. Monografia (Conclusão licenciatura em Artes Cênicas) – Universidade Federal de Goiás – UFG, Goiânia, 2007. (orientador Prof. Dr. Robson Corrêa de Camargo).

(Marlos Pedrosa é diretor, ator, escritor, palhaço Pequi, diretor geral e fundador do Grupo Pau a Pique, professor do Itego em Artes Basileu França e da Escola da Formação da juventude PUC-GO)

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