Opinião

Imprensa goiana: meu depoimento

Diário da Manhã

Publicado em 13 de julho de 2016 às 01:58 | Atualizado há 9 anos

Em 1980, a Associação Goiana de Imprensa, num importante trabalho preocupado com jornais e jornalistas do Centro-Oeste, publicou o oportuno livro “Imprensa Goiana: depoimentos para sua história”, no qual deixei cá o meu, ligado à predileta Mineiros. Ouso republicá-lo, 36 anos depois, imaginando resgatar um pouco da memória de uma época em que a urbe mineirense dava os primeiros passos em sua narrativa historiográfica, educacional e social, tendo como pano de fundo a história da Imprensa de Goiás. Por certo, o meu texto não é um legado imorredouro. Estou tentando revivê-lo.

Mineiros já teve os seus jornais. Por um prisma cronológico, o primeiro seria o “Positivista”, que teria circulado um único número. Não consegui a prova dessa existência, mas contam que ele existiu. E que foi feito numa tipografia de Jataí, tendo por diretor Conrad Spadoni, um paulista, engenheiro, bastante influenciado pela filosofia positivista espalhada no Brasil por Tobias Barreto e outros arautos da chamada “Escola do Recife”. Estávamos nos finais da década de vinte, e Conrad Spadoni ajudava o general Rondon, dentro do município de Mineiros, a esticar fios telegráficos na direção de Rondonópolis no Mato Grosso, ora também chamado do Norte.

Em seguida, em 1969, tivemos “O Mineirense”, dirigido e com redação de Antônio Carlos Paniago e Corival Rezende Irineu, com uma página que se dizia literária, na responsabilidade do autor destas linhas. Aliás, foi em outubro de 1968 que esse jornal nasceu. Não me lembro se fui convidado. Mas sei que me meti a escrever nele uma coluna literária. Os donos, ora advogados lustrosos, o primeiro mais político do que autor, me meteram num embaraço dos diabos na direção da tal pagina literária. Eles diziam que o assunto era da minha inteira responsabilidade. E eu fiquei entusiasmado. Vivia por Goiânia, metido a escritor! Desejava, com a minha página, além de mostrar, evidentemente, os meus “dotes intelectuais”, provocar no povo o gosto pela leitura. Eu queria sensibilizá-lo às letras, às artes, posso assim dizer. E me meti a dizer coisas da terra, mexendo nos seus costumes e nas suas intocáveis tradições, sem nem imaginar na “famosa” Tradicional Família Mineira, não obstante estivesse em Goiás, exibindo um estilo mais ou menos fora do jeito, esquisitão. Creio mesmo que estava meio desanimado, principalmente diante de uma comunidade que engatinhava em preocupações literárias, desacostumada, portanto, de ler do jeito que esperava que lesse. Foi nessa que eu entrei. De cara escrevi um troço com o nome “Apologia de Mineiros”, “Jovens sensuais”, como se isso fosse assunto para me meter. Mas nada me disseram desse atrevimento. Prossegui dizendo coisas. Só vendo os títulos de tais peças! Numa delas cai na bobagem de escrever a expressão “povo desconfiado”, quando, certamente, devo ter atingido algum figurão, por que não dizer, algum graúdo empertigado, mas especialmente a umas normalistas do Ginásio Santo Agostinho, distintíssimas meninas que de donzelas nada tinham.

Replicaram, contundentes, exigindo explicações, indo para o jornal já citado, edição de março de 1969, na última página, com uma manchete cruel: “Artigos de ‘O Mineirense’, revoltam alunas do Normal”, dizendo que os meus estimados escritos não passavam de uma “salada”, exigindo o diabo de mim. Em Goiânia, tomei conhecimento do assunto, de princípio me levando a chateações. Mas concluí, finalmente, que havia algo de positivo na querela. O Antônio Carlos me contava as novidades. Ele, que pretendia e já almoçava e jantava política, não poderia desagradar as moças, todas mais ou menos da elite rural local, suas eleitoras além de tudo. O danado era solteiro, por vias das dúvidas. Pensei comigo que ele nem iria, com o dr. Cori, me permitir na minha página. Permitiram. Escrevi, então, respondendo às meninas, mais dois esquisitos artigos,num único desejo de provocar  uma polêmica. Andei a justificar que o famoso livro “Ermos e Gerais”, de Bernardo Élis, foi queimado em Corumbá de Goiás, terra onde nascera o seu destacado autor. E que Jorge Amado já tinha sido processado.  E que Regina Lacerda havia sido considerada “persona non grata” em Goiás, ex-capital, tentando defender o patrimônio histórico local. Disse ainda, finalmente,que não estava fazendo nenhum paralelo de mim com esses exponenciais da literatura baiano-goiana. Deus me livre! Mas de tudo isso que escrevi, já não escapo de perceber que as moças tinham lá suas razões. É que acho que poderia ter usado outra forma para dizer a verdade. E que gostaria que fosse literária, histórica, sei lá!

Como já disse, as meninas estavam desacostumadas de assuntos que tais. Vinham dum ambiente todo tocado de tradicionalismos. Eram batizadas e crismadas nos ensinamentos católicos, apostólicos romanos. O protestantismo era então chamado, pejorativamente, “uma nova seita”. Quer dizer: Mineiros vivia ainda um instante em que, mais das vezes, nem o carnaval podia ser brincado. Era considerado festa profana. Um troço do diabo. Em dia de carnaval, em Mineiros, a cidade ficava só, a fazendeirama católica sumia para as fazendas e os protestantes para o retiro, concluindo por dizer que o ambiente era mesmo mais ou menos pudico, todo cheio de envergonhações. Basta dizer que o doutor Aureliano, um mineirense que estudou no Rio de Janeiro, onde aprendeu os segredos do samba e as doçuras do bolero, ao retornar a Mineiros encontrou muitas dificuldades para exibir os seus dotes de dançarino. Dançar carnaval era pecado. Com estas e outras, me restou um consolo: o de ter provocado uma certa polêmica nos meios estudantis mineirenses. Por assim dizer, consegui o que mais me interessava: o início de interesse pela leitura. Ora, o assunto virou boato. Os graúdos do lugar passaram a comentá-lo. Até nas igrejas. E por isso tive de enfrentar cara-a-cara, as normalistas do Santo Agostinho, aliás, muito bonitas, tentando convencê-las das minhas pretensões. Já então eu estava convencido de que ser escritor significa manter um estreito diálogo com o povo naquilo que o operário das letras se proponha a escrever, recebendo como tema o que o povo lhe oferece. Ora, eu não me conformava com certos tipos de tradições então existentes, em Mineiros e alhures. Não raro ungidas de eternidades, acho que no meu ofício de escrever, não posso defendê-las nem assegurá-las. Talvez me faltem engenho e arte para denunciá-las.

Como viram, fiz um parêntese nestas linhas tentando relembrar um fato ocorrido comigo. Prossigo com “O Cordial”, de 1970, que circulou dois números, embora já fosse dirigido por três jovens: Durley Vasques de Souza, Clarito Pereira da Silva e José Morais. Em 1972 fiz circular o “Voz Cultural”, um jornal que nasceu todo vistoso, que seria fundamentalmente de cunho cultural. Pelo menos era o meu desejo. Mas como, se nasceu numa miséria danada? Está na lembrança do seu fundador. Circulou apenas um número.

De maio a julho de 1975, Ronildo Protestado circulou dois números de um período chamado “O Mineiros”, jornal que em verdade, como tenho certeza, não exteriorizava nenhuma preocupação cultural ou noticiosa, vindo a ser mais de interesse financeiro imediato. Basta dizer que se aproveitou de duas festa realizadas na cidade: o Terceiro Encontro do Oeste Brasileiro (de 23 a 25 de maio – 75) e a Exposição Pecuária de julho. O curioso é que ninguém mais viu nem o jornal nem o jornalista, sendo de ser ressalvado que, às vezes, o Protestado tinha lá suas boas intenções.

Finalmente, e à exceção dos boletins informativos da igreja, católica e protestante, o desta dirigido por Ademir Rodrigues dos Anjos, e de jornaizinhos colegiais, que são de muro, pois que Mural e o seu nome – tivemos em janeiro de 1975 o reaparecimento de “O Bandeirante”, há mais de quinze anos desaparecido. Esse jornal reapareceu meio furioso, vestido em nova roupagem gráfica, tendo como diretor Elias de Oliveira, ao que sei o primeiro mineirense a concluir um curso superior de jornalismo, ainda não tendo me convencido se por verdadeira vocação, o que acredito venha me comprovar em breve. Esse periódico morreu no nascedouro, embora dele participassem Ademir Rodrigues dos Anjos, o próprio Elias de Oliveira. Antônio Carlos Paniago e o autor destas linhas.

Mas o último mesmo foi o Jornal de 31 de Outubro, de 8 de novembro de 1978, na direção de Elias de Oliveira. Como os demais, efêmero. Circulou apenas um número. Escrevi nele um artigozinho de nome “Mineiros: Origem do Nome”, embora sabendo que sua maior finalidade fosse divulgar os feitos administrativos, inclusive promocionais, da política local, em homenagem a mais um aniversário da cidade. Creio que foi o município que pagou a sua tiragem.

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras Mineirense de Letras e Artes, IHGG, Ubego, professor universitário, mestre em História Social pela UFG – [email protected])


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