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Iram critica Supremo e Congresso

Redação DM

Publicado em 9 de março de 2016 às 21:25 | Atualizado há 10 anos

 

“A política não pode destruir o país”. Esta frase de Luis Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal, fundamenta o voto, um voto. O ministro disse à imprensa que “o impeachment é um momento de abalo político, e é isso que nós estamos atravessando agora”. Na visão dele, “o país vai passar alguns meses sob turbulência, com o custo que isso tem para a sociedade”. O voto de Barroso, em apertada síntese, estabelece que a Câmara dos Deputados não tem, isoladamente, competência para admitir a denúncia contra, a presidente, por crime de responsabilidade. O Senado, segundo Barroso, teria que se manifestar sobre a questão.

A matéria tinha, como relator, o Ministro Fachin, que declarava ser a Câmara Federal o juízo único de admissibilidade da denúncia e, por conseguinte, foro competente para instauração da ação de impeachment. Luiz Roberto Barroso votou em oposição a Fachin, arrastando consigo a maioria do colegiado. Por esta razão, coube-lhe a redação da decisão.

O voto dissidente de Barroso foi um “voto político”? Ou será uma interpretação tecnicamente correta do que, a respeito do tema, dispõe a Constituição?

Para Iram Saraiva, o voto de Barroso foi, do ponto de vista técnico-jurídico, uma decisão errada. Claro, opinião nenhuma pode mudar a decisão do STF, que tem eficácia plena, devendo ser acatada pelos que dirigem o parlamento brasileiro. Mas não a isenta de crítica teórica. Decisões do Supremo têm sido objeto de intensos debates, sobretudo em âmbito acadêmico. Posto que a crítica não pode mudar o que está consumado, qualquer um pode sobre o tema dizer o que quiser. Muitos jornalistas da grande imprensa do Rio e de São Paulo vem dando, até hoje, os seus palpites. Na semana passada, Veja, uma revista engajadíssima na campanha pró-impeachment, criticou Barroso à luz de fatos passados. Lembrou que no caso do impeachment de Collor, o juízo de admissibilidade foi exercido soberanamente pela Câmara dos Deputados. Depois disso é que o processo foi ao Senado.

Iram Saraiva era, à época, vice-presidente do Senado e, como tal, presidiu sessões relativa à tramitação do processo de Collor. Foi, também, senador Constituinte, tendo participado de todos os debates dos quais emanou a “Constituição Cidadã”. E foi, depois, ministro do Tribunal de Contas da União. Aposentado, elegeu-se vereador à Câmara Municipal de Goiânia, da qual foi presidente por dois anos. Terminado seu mandato, retirou-se da vida pública. É autor de livros e professor de Direito. Escreve artigos e crônicas para o Diário da Manhã.

Embora não possa mudar a realidade, já cristalizada com o voto perempto de Barroso, Iram Saraiva fundamentou uma crítica ao voto do ministro. Não é um palpite qualquer, uma “doxa”, como qualificava Aristóteles as opiniões vulgares e insensatas. A crítica de Iram é uma tese jurídica, uma interpretação abalizada do texto constitucional por alguém que participou da sua elaboração e sempre foi professor de Direito Constitucional. Um homem que tem um olhar político e outro jurídico sobre o tema abordado.

Para Iram, a decisão correta do Supremo poderia resumir-se a uma frase singela: “Cumpra-se a Constituição”. O art. 51 da Constituição estabelece que “compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de estado”. Já o art. 52 estabelece que cabe privativamente ao Senado processar e julgar o presidente da República nos crimes de responsabilidade. O Artigo 86 esclarece que, admitida a acusação contra o presidente por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o STF, nos casos de crime comum, e pelo Senado nos casos de crime de responsabilidade, quando então o presidente será afastado do exercício do cargo pelo tempo que durar o processo, reassumindo-o em caso de absolvição.

Segundo afirma Iram, o texto constitucional é de “mediana clareza”. Não admite outra interpretação senão a literal. E não autoriza ninguém, assegura Iram, “a alterar a sua inteligência mandamental”. Iram enfatiza que o rito processual, ou “modus faciendi” pelo qual o feito deve tramitar, é uma questão regimental, um problema “interna corporis” da Câmara e do Senado.

Trocando em miúdos, resume o ex-senador constituinte que a Câmara aceita a denúncia, admitindo assim o processo, pelo quorum qualificado de dois terços de seus membros ( e não dos presentes), e o Senado, sem poder revisar a decisão da Câmara, instrui e julga o processo, por maioria de votos, desde que presente a maioria absoluta dos senadores.

Ditadura do Judiciário

Para Iram Saraiva, ao decidir nos termos do voto dissidente de Barroso, o Supremo legislou sobre a matéria, usurpando prerrogativa do Congresso Nacional. Mas isto, segundo Iram, é por culpa do próprio Congresso. Sendo auto-aplicáveis os dispositivos constitucionais que tratam da matéria, não devia o Congresso ir bater às portas do Supremo em busca de uma diretriz. Mas o Supremo, uma vez provocado, tinha a obrigação constitucional de responder à provocação. Poderia, segundo Iram, decidir devolvendo ao Congresso a decisão final à base de um “cumpra-se a constituição”. Mas, de qualquer forma, acertando ou errando, ele tem que decidir. Mas o Congresso, ao abdicar da sua prerrogativa de legislar, delegando-a ao Supremo, abre caminho à ditadura do judiciário, que Ruy Barbosa reputava ser a mais intolerável de todas, pois não há a um recorrer contra suas decisões.

Para Iram, o apelo ao Supremo foi manobra protelatória dos que combatem o impeachment. Particularmente, o ex-senador é favorável a que haja impeachement, até mesmo para que Dilma possa se defender. E o país possa superar esta fase conturbada.

Sabe-se que o julgamento da presidente, pelo Senado, é “julgamento político”. Os juízes, que são os senadores, não têm que fundamentar a decisão. Não votam segundo as regras técnicas do direito positivo, mas de acordo com suas consciências ou, melhor dizendo, sias conveniências politico-partidárias. Os que votarem pela procedência da acusação não o farão por considerações sobre culpa ou inocência do réu. O mesmo vale para os que votarem pela improcedência. Em todo caso, a exigência de fórum qualificado impede que o primeiro mandatário da nação seja afastado por obra de minorias caprichosas.

Neste caso, o “julgamento político” não seria a negação do conceito de “julgamento justo”? Não seria o impeachment ontologicamente idêntico a destituição? Iram acredita que não. Embora ele esteja convicto de que a presidente Dilma, com suas pedaladas fiscais e seu descumprimento de preceitos legais tenha cometido crime de responsabilidade, ele acredita que a absolvição é uma possibilidade, o que afasta a hipótese de julgamento injusto.

A outra hipótese, esta mais plausível, é a não condenação. Isto porque a oposição não tem quorum qualificado na Câmara para aprovar a admissão da acusação, nem tem número suficiente para, no Senado, condenar a presidente. De resto, tem-se hoje uma conjuntura política diferente daquela em que Fernando Collor foi julgado.

Iram lembra que “o Congresso em peso estava contra o presidente Collor, e o povo, nas ruas, clamava pelo afastamento dele”. A situação era tal que, de certo modo, o Congresso nada mais fez do que homologar uma decisão que a população tomara de forma inequívoca.

A situação era tal, lembra Iram, que Collor desistiu de lutar e renunciou. Renunciou para evitar o julgamento político, remetendo o litígio para o Supremo, que afinal o absolveu quando ele não era mais presidente. Nunca, observa Iram, um processo contra presidente chegou ao fim. Basta relembrar que todos os que antes estiveram na contingência de serem depostos acabaram renunciando de uma forma ou de outra.

Com efeito, Getúlio se matou com um tiro no peito; Jânio Quadros renunciou por meio de um bilhete escrito a mão; João Goulart fugiu do Brasil, deixando vaga a Presidência da República; Collor, tendo a Câmara admitido o impeachment, renunciou à la Jânio, por meio de um bilhete lacônico: “Por este instrumento, renuncio ao cargo de Presidente da República”.

Dilma, até agora, não deu sinais de que pretende renunciar caso seja afastada, isto é, impedida. Ela dá a entender que não deixará voluntariamente o cargo. O Senado terá que condená-la e declarar a vacância do cargo. Será então, observa Iram, uma situação politicamente inédita. Quem poderá prever as consequências disso?

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