Opinião

Jesus e os dogmas humanos

Redação DM

Publicado em 28 de novembro de 2015 às 23:18 | Atualizado há 10 anos

Vieram então de Jerusalém alguns fariseus e escribas para se reunirem a Jesus,  e eles viram que alguns dos seus discípulos comiam os pães com as mãos impuras, isto é, sem lavá-las.

Os fariseus, com efeito, e todos os judeus, conforme a tradição dos antigos, não comem sem lavar as mãos até o punho. E, quando voltam da praça pública, não comem sem antes se banharem, e ainda há muitos outros costumes que observam por tradição: lavagem de copos, de jarros, de vasos de metal e de leitos. Os fariseus e os escribas então lhe perguntaram:

“Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão com mãos impuras?”

Respondendo, disse-lhes Jesus: “Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito:

Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me prestam culto; as doutrinas que ensinam são preceitos humanos.

Porque, deixando de lado o mandamento de Deus, observais a tradição dos homens”.

Por que vós transgredis o mandamento de Deus por causa da vossa tradição? Sabeis muito bem desprezar o mandamento de Deus para guardar a vossa tradição.

Com efeito, Moisés disse: ‘Honra teu pai e tua mãe’, e: ‘Quem maldisser pai ou mãe, seja punido de morte’.

Vós, porém, dizeis: ‘Se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: os bens que tu receberias de mim, eu os declaro Corban, isto é, oferta consagrada a Deus’, já não permitis fazer mais nada por seu pai ou por sua mãe, esse não está obrigado a honrar pai ou mãe. Invalidastes assim o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição que transmitistes. E fazeis muitas outras coisas semelhantes”.

E, chamando de novo o povo, disse-lhes: “Ouvi-me todos, e entendei! Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro, mas o que sai do homem, isso é o que o torna impuro. Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isto sim o torna impuro. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça!”  (Evangelhos de: Mateus, cap. 15, vv. 1 a 11 – Marcos, cap. 7, vv. 1 a 16).

Jesus censurou a inversão de valores porquanto a tradição judaica não poderia estar acima dos preceitos fundamentais de Deus. Alguns fariseus e escribas, que eram adversários do Cristo, saíram de Jerusalém “para se reunirem a Jesus” com a intenção de censurá-lo. Jesus, como sempre, aproveita a oportunidade para ensinar a respeito da importância dos valores espirituais, tão desprezados pela maioria dos religiosos do seu tempo.

Os fariseus e os escribas não encontraram razões para condenar ou censurar a conduta do Mestre, mas verificaram que alguns dos seus discípulos não cuidaram da higiene antes da alimentação, conforme os preceitos judaicos. Afinal, os judeus valorizavam a higiene: lavar mãos e pés ao se chegar da rua, nunca comer qualquer alimento com mãos sujas, lavar copos, jarros vasos e leitos, dentre outros hábitos de higiene, que faziam parte das tradições judaicas.

Ao ser censurado, devido ao proceder de seus discípulos por comerem com mãos não lavadas, Jesus combate as tradições judaicas vinculadas ao proceder e ao culto exterior sem qualquer sentimento de amor a Deus. Por isso ele cita a profecia de Isaías a respeito dos cultos, rituais e procedimentos exteriores, desprovidos de sinceridade de pensamentos e de sentimentos diante do Pai: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me prestam culto; as doutrinas que ensinam são preceitos humanos”, (Isaías 29:13 e Salmo 78:36-37).

Para completar a sua censura a respeito dessa inversão de valores, Jesus demonstra o desrespeito ao quinto mandamento que é a base da estrutura familiar: honrar o pai e a mãe (Êxodo, 20:12 e Deuteronômio 5:16). Esse mandamento não era considerado diante da tradição do sacrifício denominado Corban (Êxodo, 20:12 e Deuteronômio 5:16). Por isso, também cita Levítico (20:9): “Quem maldisser pai ou mãe, seja punido de morte”. Por intermédio do Corban, buscava-se agradecer a Deus, expiar pecados, dentre outros atos, inclusive desfazer-se das obrigações filiais por julgarem que nada mais tinham de fazer por seus pais, o que Jesus combatia.

O Corban, ou seja, essa “oferta consagrada a Deus” ocorria por meio de oferendas de animais abatidos e queimados e somente poderia ser realizada no Templo de Jerusalém. São exemplos de oferendas utilizadas para o Corban: Pombos, ovelhas, carneiros, bois, vacas, farinha de trigo assada ou frita e vinho também poderiam ser usados segundo as razões do sacrifício. Havia trinta e seis tipos de sacrifícios segundo Levítico. Cada sacrifício tinha a sua destinação para um caso específico (Levítico, 27:1-34).

Jesus censurou todo tipo de sacrifício exterior, tão cultuado por religiosos de seu tempo, especialmente os sacrifícios fundamentados no desrespeito às leis morais de Deus. Por isso, o Mestre admoestou: “Sabeis muito bem desprezar o mandamento de Deus para guardar a vossa tradição”. O que reafirma as suas palavras:  “Ide e aprendei o que significa: misericórdia quero, e não sacrifícios” (Mateus, 9:13), recomendando a compreensão da Escritura que diz: “Misericórdia quero, e não sacrifícios, e conhecimento de Deus em vez de holocaustos”, (Oseias, 6:6).

Depois de ouvir as censuras dos escribas e dos fariseus e de combatê-las com base nas Escrituras, o Mestre decidiu tornar público o seu ensinamento e disse ao povo sempre ávido de suas curas e de seus ensinamentos: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isto sim o torna impuro”. Trata-se de uma lição de profunda moral porquanto não é um alimento ingerido com mãos não lavadas que torna o homem moralmente impuro, mas o que sai de si porquanto procede do coração, ou seja, dos seus pensamentos e sentimentos egoístas.

Jesus não pregava a falta de higiene, recomendava e praticava a higiene pessoal, mas não podia coadunar com a inversão de valores decorrente dessa prática ou de qualquer outra que submetesse os valores espirituais. O fato de alguns de seus discípulos comerem com mãos não lavadas não comprometia a sua doutrina de amor, de disciplina e de perdão como queriam os críticos de Jerusalém.

O sacrifício mais agradável a Deus consiste em estar no fluxo de Suas leis sábias e justas, especialmente na senda do respeito do amor ao próximo. Esse sacrifício consiste no reto proceder com sinceridade de pensamentos e de sentimentos, evitando a hipocrisia, fazendo todo o bem possível de ser realizado e evitando qualquer dano moral ou material à outrem.

É evidente que num nível primário de evolução espiritual, os dogmas humanos têm o seu valor para o processo educativo. No entanto, a mensagem do Cristo transcende aos dogmas humanos porquanto Deus quer ser adorado em espírito e verdade, conforme revelou Jesus à mulher samaritana:

“Mas a hora vem e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e é necessário que os que o adoram, o adorem em espírito e em verdade” (João, 4:23-24)

Jesus renova o convite de Deus para passarmos pelas experiências venturosas de uma vivência interior plena de paz. Saiamos dos dogmatismos e da superficialidade das aparências e desfrutaremos da felicidade do Reino do Amor de Deus dentro de nós. Levemos a mensagem desse Reino de Paz aos que ainda transitam nas sombras da ignorância e do desamor. Comecemos, ainda hoje, por meio da oração sincera a Deus, do arrependimento eficaz, do trabalho da reconstrução intelecto-moral perseverante e da compaixão incondicional por todos. Pensemos constantemente em Deus porque Ele pensa em nós e nos observa com a esperança do Seu infinito Amor.

 

(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, conferencista, professor universitário, advogado, pesquisador, mestre em Ciências da Educação, doutor em Direito, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia Goianiense de Letras e da Academia Aparecidense de Letras – Site: www.cultura.trd.br)

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