Opinião

Lava-jato

Diário da Manhã

Publicado em 24 de outubro de 2016 às 23:59 | Atualizado há 9 anos

“Ah, se ainda vivesse o Lamêgo!”

O leitor deve achar, pelo tom queixoso com que a gente principia o presente texto, que esse tal de Lamêgo fosse alguém importante, cuja morte estas modestas linhas lamentam sentidamente agora. Muitas teorias devem naturalmente passar pela mente de quem nos lê.

“Porventura o Lamêgo, ah o Lamêgo, não terá sido um popular Ministro da Fazenda?” Dirá uma delas.

Se é que houve um Ministro da Fazenda, ainda mais com esse nome, cuja aprovação batesse a casa dos 40 ou 50 %, no auge da atuação, ainda que adotando medidas populares, alentando o nosso já combalido dinheirinho. Muito improvável.

Uma das teorias, que devem comparecer, identifica depois o falecido como algum “médium famoso”, um médium com o arruído nacional ou internacional de um João de Deus. Conhecido em toda parte, urbi et orbe.

Mas Dona Maria objetará seguramente que, em todos esses seus anos de kardecismo, que não foram poucos, não, nunca ouvira falar em médium algum que atendia pelo nome de Lamêgo. Nem nos jornais.

A nossa espírita, Maria, por sua vez, introduz aqui outra tese no debate:

“Eu teria presenciado”, diz Maria, “nos meus dias de menina, nos meus dias de trancinhas, minha avó aludir vagamente a um certo Padre Lamêgo, um sacerdote caridoso. Ou terá sido Lamêso? Não sei bem ao certo, não. Ando tão desmemoriada! Ora já lá se vão mais de 40 anos!”

Portanto, a gente tem aqui, por obra e graça da espírita, um vago Padre chamado Lamêgo ou Lamêso.

Desta vez será o Padre Manuel da Consolação a objetar seguramente que, em todos esses anos de vida sacerdotal, que não foram poucos, não, haja Deus, nunca ele ouvira falar em Padre algum que atendia pelo nome estranho de Lamêgo, muito menos Lamêso. A não ser que fosse Bispo. Melhor, Dom Lamêgo.

Alto lá!” ouve-se Dom Marcelo protestar, bispo de uma remota diocese, a contrapor seu argumento ao do Padre Manuel, ora jamais ouvira ele falar de bispo chamado assim. Fosse lá onde fosse.

Mas, neste instante mesmo, ouve-se uma outra voz se altear ou rivalizar com a de Dom Marcelo, uma voz de causídico desta vez. Era de um Dr. André, que, indo ao Fórum, onde atua há muito, teria escutado dois advogados comentarem, assim por alto, em uma das Varas de Família, a respeito de brilhante intervenção de um amicus curiae, conhecido por Lamêgo, nem sabemos mais em que tribunal foi isso, o que contribuíra satisfatoriamente para a composição da causa em discussão.

“Ou os meus ouvidos me iludiram fatalmente e na verdade o que escutei mesmo foi os colegas pronunciarem  Lampréia?” Indaga André.

Ora se nem o André mesmo tem muita certeza daquilo que escutara ou não.

A gente deve considerar todavia, a despeito do tom marcadamente queixoso do início, que a existência do presente Lamêgo continua tão vaga e inconsistente quanto a “sombra de uma sombra”.

Cumpre salientar que o Lamêgo não passa de puro artifício enquanto a gente não arruma assunto, note só aqui que, nessa enrolação toda até neste parágrafo, já ganhamos página e meia, só embromando. E o assunto, que felizmente já aflora, que felizmente não enrola ninguém, nos puxa ansiosamente a camisa e diz isto: “Veja, aqui estou! Cheguei! Sou a Lava-Jato.”

Por conseguinte, ponhamos o Lamêgo de lado e falemos, a gente e a comentarista de política da Globo News, Eliane Cantanhêde, nem que seja para encerrar, já que o Lamêgo nos tomou espaço e tempo, do que realmente tem consistência, a Lava-Jato.

A Lava-Jato prospera, a Lava-Jato triunfa, a Lava-Jatro esplende radiosamente nas trevas, a Lava-Jato passou enfim a ser uma instituição nacional, com repercussão internacional.

“A Lava-Jato está não só lavando contratos espúrios das empreiteiras e desvios de mil e um utilidades para políticos como também alvejando presidenciáveis presentes, futuros e até pretéritos, como Eduardo Campos, morto aos 49 anos quando disputava a Presidência em 2014. É preciso, porém, distinguir quem é quem e o quê é quê, sob risco de uma terra arrasada em que não teremos ninguém para acreditar daqui para frente, nem para votar em 2018”, diz a comentarista de política da Globo News, Eliane Cantanhêde, através do jornal O Popular, a 26 de junho de 2016, em texto O Joio e o Trigo. “As investigações já pegaram tesoureiros, marqueteiros e doadores da candidatura de Dilma Roussef, atingiram a imagem pública de Aécio Neves com o tijolo Furnas, chegaram ao avião e a um suposto esquema milionário de lavagem de dinheiro na campanha de um morto e resvalam até para Marina Silva. O que foi dito e ventilado sobre a equipe dela é muito pouco para causar decepção, mas talvez o suficiente para massificar a versão de que “político é tudo igual e que a política não tem jeito.”

 

(Pedro Nolasco de Araujo, mestre, pela PUC-Goiás, em Gestão do Patrimônio Cultural, advogado, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI)


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