Opinião

Lembranças de 1969

Diário da Manhã

Publicado em 16 de agosto de 2018 às 23:26 | Atualizado há 7 anos

Lem­bro-me, não com mui­tas sa­u­da­des, do ano de 1969. No dia 26 de agos­to, Cos­ta e Sil­va, sen­tiu-se mal. Não era uma sim­ples es­ta­fa. So­fre­ra trom­bo­se ce­re­bral. Os mi­li­ta­res “li­nha du­ra”, ini­ci­a­ram en­ten­di­men­tos pa­ra sub­sti­tuí-lo. O su­ces­sor le­gal se­ria o vi­ce Pe­dro Alei­xo, que não era bem-vis­to por eles. Es­co­lhe­ram uma Jun­ta Mi­li­tar, com­pos­ta de três ofi­ci­ais-ge­ne­ra­is das For­ças Ar­ma­das. O al­mi­ran­te Ra­de­maker (ape­li­da­do de “Ti­nho”), o ge­ne­ral Lyra Ta­va­res (que usa­va o pseu­dô­ni­mo de “Ade­li­ta” nos seus po­e­mas) e do bri­ga­dei­ro Sou­za Mel­lo (na ca­ser­na, “Mel­lo Ma­lu­co”). Eles go­ver­na­ram o Pa­ís de agos­to até ou­tu­bro da­que­le ano. Mui­tas pes­so­as que vi­ve­ram na­que­la épo­ca não gos­tam de se lem­brar des­se ano. Eu já fre­qüen­ta­va o “Ca­fé Cen­tral”, na es­qui­na da 7 com a Anhan­gue­ra, co­mo fa­ço até ho­je. Ali era o fo­co de tu­do. Co­mo o cou­ro era ca­ro, tam­bém usa­va, nas ho­ras in­for­mais, cal­ça de na­pa com ja­que­ta de cour­vin, pois me con­si­de­ra­va com­ple­ta­men­te pra­fen­tex. Só não o era no ves­tu­á­rio ín­ti­mo: gos­ta­va de cu­e­ca sam­ba-can­ção. Meus sa­pa­tos so­ci­ais eram “Sa­mel­lo”, a mar­ca “que co­la­bo­ra pa­ra o su­ces­so do ho­mem”, con­for­me a pro­pa­gan­da os­ten­si­va nas lo­jas da­que­les tem­pos. Mi­nhas ca­mi­sas eram de “Ter­gal”, fá­ceis de pas­sar. Não exis­ti­am os shop­pings, e ape­nas lo­jas de de­par­ta­men­tos, mas o fi­gu­ri­no já era des­bun­de. Che­guei até a ves­tir cal­ças je­ans ul­tra­des­bo­ta­das, mol­da­das no meu cor­po, com bo­ca-de-si­no bem lar­ga. No dia 20 de ju­lho do so­bre­di­to ano, acon­te­ceu o ina­cre­di­tá­vel. A na­ve es­pa­cial Apo­lo II pou­sou na Lua. Mais de 600 mi­lhões de pes­so­as, em to­do o mun­do, as­sis­ti­ram ao dan­tes­co es­pe­tá­cu­lo. Aqui, ele foi exi­bi­do pe­la TV Glo­bo. O as­tro­nau­ta Neil Am­strong, co­man­dan­te da mis­são, pro­nun­ciou es­ta fra­se his­tó­ri­ca: “É um pe­que­no pas­so pa­ra o ho­mem, um sal­to gi­gan­tes­co pa­ra a hu­ma­ni­da­de”. O re­pór­ter Hil­ton Go­mes, que fa­zia du­pla com Cid Mo­rei­ra, ao to­mar um ca­fé no bar da es­qui­na, ou­viu da jo­vem que sem­pre o aten­dia: “Vo­cê é um men­ti­ro­so! O ho­mem não foi à Lua coi­sa ne­nhu­ma”. Mi­nha tia Dul­ce, evan­gé­li­ca e in­cré­du­la, me dis­se na­que­la noi­te ao ou­vir o re­pór­ter: “Is­to é coi­sa do Di­a­bo!” Em tem­po: foi no dia 1º de se­tem­bro do ci­ta­do ano que en­trou no ar a pri­mei­ra edi­ção na­ci­o­nal do Te­le­jor­nal da Glo­bo (Jor­nal Na­ci­o­nal) que era trans­mi­ti­do de 2ª a sá­ba­do, às 19h 40, em al­guns Es­ta­dos, anun­ci­an­do que a Re­de es­ta­va dan­do uma ar­ran­ca­da pa­ra unir o Pa­ís pe­la TV. Até ho­je, ape­sar dos pe­sa­res (pois os atu­ais jor­na­lis­tas se acham me­ti­dos na po­lí­ti­ca ide­o­ló­gi­ca) é lí­der ab­so­lu­ta de au­diên­cia. No dia 30 de ou­tu­bro de 69, Emi­lio G. Mé­di­ci as­su­miu a Pre­si­dên­cia da Re­pú­bli­ca, inau­gu­ran­do o pe­rí­o­do mais ne­gro do re­gi­me de ex­ce­ção. E no ano an­te­ri­or, 1968, Mar­ta Vas­con­ce­los, da Ba­hia, sa­grou-se Miss Uni­ver­so, e Ve­ra Fis­her, em 1969, foi fi­na­lis­ta no mes­mo con­cur­so. Tem­pos bons, mas ao mes­mo tem­po, tris­tes.

 

(Lu­iz Au­gus­to Pa­ra­nhos Sam­paio, mem­bro da Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras e do Ins­ti­tu­to His­tó­ri­co e Ge­o­grá­fi­co de Go­i­ás da Aca­de­mia Ca­ta­la­na de Le­tras e da Uni­ão Bra­si­lei­ra de Es­cri­to­res. E-mail: lui­zau­gus­to­sam­[email protected])


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