Liberalismo à brasileira
Redação DM
Publicado em 23 de fevereiro de 2018 às 23:30 | Atualizado há 8 anos“Ambiguidades do liberalismo brasileiro”, eis o subtítulo do excelente livro A UDN e o udenismo da socióloga e cientista política Maria Victoria de Mesquita Benevides. Historicamente, a União Democrática Nacional (UDN) foi um partido político fundado em 1945 após reunir os opositores do decadente Estado Novo comandado pelo presidente Getúlio Vargas. Ao longo de 20 anos de existência, a UDN bradou a bandeira do liberalismo político e econômico, apesar de suas ambiguidades amplamente retratadas no livro acima indicado. A partir da defesa enfática de eleições livres em 1945, tal agremiação migrou para a contestação ao resultado das urnas em 1950 e 1955, culminando com o apoio ao golpe civil e militar que afastou o presidente João Goulart em 1964. Linguisticamente, “ambiguidade” significa duplicidade de sentidos e termos que apresentam entendimento duvidoso. O liberalismo brasileiro, carente de cérebros coerentes que descumprem o precioso ensinamento de Paulo Freire – “a corporeificação das palavras pelo exemplo” – e desmoralizam o liberalismo clássico, será exaustivamente debatido durante o ano eleitoral e, oportunamente, desnudado pelas suas ambiguidades que marcam o cenário político atual. Luciano Huck, um liberal cortejado pelo “comunista” Roberto Freire, resolveu não entrar no caldeirão eleitoral. Mas avisou que, se não é candidato, estará em cena para defender o liberalismo à brasileira. Trata-se, obviamente, de uma deturpação oportunista por parte dos seguidores do combate ao Estado intervencionista e, ao mesmo tempo, da defesa do liberalismo às avessas: quando o Estado é chamado para assumir tarefas inerentes à sua constituição, como amenizar as desigualdades sociais por meio dos bancos públicos, merece a repulsa fervilhante típica de um caldeirão e é desqualificado como uma lata velha que não tem reforma. Porém, às favas com o liberalismo quando se trata de obter R$ 17,7 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a compra de um jato a juros companheiros durante o governo Dilma. É, como foi veiculado pela imprensa nativa, o caso de Luciano Huck que, ao conseguir tal empréstimo pela linha do Finame (financiamento a máquinas e equipamentos), mandou igualmente às calendas o “vou de táxi” que embalou tempos remotos. E tem mais: depois do jatinho do BNDES, Huck e seu Instituto Criar captaram, pela Lei Rouanet, R$ 19,5 milhões de doações convertidas em abatimento no imposto a pagar de grandes empresas. João Doria Júnior, prefeito de São Paulo, é outro exemplo clássico do liberal à brasileira: por meio do BNDES em pleno governo Lula, comprou um jatinho por R$ 44 milhões a juros camaradas. E, fazendo jus à brincadeira segundo a qual é chamado de prefake, orgulha-se ao dizer que viaja pelo país e ao exterior com seu próprio dinheiro. ACM Neto, prefeito liberal de Salvador, resolveu colocar em prática uma ação nada liberal: a exclusividade da venda de determinada cerveja durante o Carnaval, realizando patrulhas para inibir e apreender as demais marcas comercializadas nas ruas. Diante de tal cenário, torna-se instigante saber como o discurso do livre mercado e da ampla concorrência se relaciona com as ações de governantes tidos como liberais. Entre o cinismo e a conveniência, um Estado rotineiramente criticado pelos seus algozes do liberalismo à brasileira paga as contas, sendo que o intervencionismo só é bom quando praticado em bolsos abastados. Em O demolidor de presidentes, livro de Marina Gusmão de Mendonça sobre a trajetória do líder udenista Carlos Lacerda, a referida historiadora transcreve uma observação feita por Afonso Arinos, também udenista, sobre o polêmico jornalista liberal: “Nunca exprimiu, autenticamente, pelas suas ideias ou pela sua vida, as causas com que se confunde e em torno das quais mobiliza os homens para a luta. Ele é, as mais das vezes, a negação dessas causas […]. Tirânico, encarna a liberdade; hedonista, condena o gozo de poder; faltoso a todos os compromissos, levanta contra tudo e todos a pecha de traição; sem peias na escolha dos métodos administrativos, estigmatiza a corrupção alheia”. O comentário de Afonso Arinos, como se pode observar, está atual e presente entre os liberais à brasileira.
(Átila Bernardo Superbia é graduado em História e Direito pela UNESP de Franca/SP)