Opinião

Limites da confidencialidade na audiência de mediação e litigância de má-fé

Diário da Manhã

Publicado em 31 de março de 2017 às 01:59 | Atualizado há 8 anos

Na tentativa de racionalizar a entrega da prestação jurisdicional, o CPC/15 estimula os meios autocompositivos de resolução de conflitos, especialmente a conciliação e a mediação (art. 3º, §§ 2º e 3º), valorizando a autonomia da vontade e o maior “empoderamento”  das partes.

Dentro da sistemática delineada pelo legislador, preenchidos os requisitos do art. 334, caput, do CPC/15 c/c art. 27 da Lei de Mediação, a designação da audiência de mediação/conciliação será a regra, observadas apenas as exceções previstas na Lei de Ritos (art. 334, § 4º, I e II) , que devem ser interpretadas em harmonia com o art. 3º da lei especial.

Caso seja designada a audiência de conciliação/mediação, o prazo da contestação só começará a fluir a partir do dia seguinte da última audiência frustrada (art. 335, I, CPC/15). Lamentavelmente, tal previsão normativa – interessante para evitar atos processuais desnecessários – vem sendo utilizada como subterfúgio para abusos e deslealdades processuais.

Explica-se: como a audiência de mediação só não será realizada se ambas as partes manifestarem desinteresse, alguns réus vêm adotando a prática de informar, por petição, o interesse no ato processual, ou simplesmente se omitir, mesmo já sabendo de antemão que não têm qualquer interesse na composição consensual. Fazem isso, de forma velada, para postergar o início do prazo da contestação.

Não raro, notamos, nas audiências de mediação, que a parte ré comparece e permanece calada, não demonstrando o menor interesse em cooperar e evoluir na busca da construção do consenso. Certa feita, o advogado de um dos réus disse que estava ali somente para “ouvir” a parte autora, que, pasmem, já havia declinado expressamente nos autos seu desinteresse pela audiência de mediação, em razão das tentativas extrajudiciais frustradas.

Surgem então as seguintes indagações: nessas hipóteses de total leniência do réu e de falta de compromisso com a prestação jurisdicional, é possível a sua condenação por litigância de má-fé? Quais são os limites da confidencialidade da mediação? Como comprovar, perante o juiz, a postura desidiosa e anticooperativa do demandado?

Pois bem, como se sabe, o microssistema  da mediação é formado por inúmeros princípios.  Um dos mais importantes é o da confidencialidade. Com efeito, o sigilo e a confidencialidade são cânones fundamentais e compõem a medula do procedimento.

Isso porque, sem a confidencialidade, a mediação provavelmente não alcançaria todo o seu potencial e impediria a maximização dos resultados.  De fato, os mediandos não se sentiriam tão à vontade para um diálogo aberto  e para revelarem preocupações, incertezas, desconfortos e, principalmente, seus interesses. A confidencialidade é uma espécie de antídoto contra o medo – justificável – de que algo revelado na mediação possa ser usado desfavoravelmente em eventual ação judicial.

Não é à toa que a Resolução nº 125/10 do CNJ (art. 1º), o CPC/15 (art. 166) e a Lei de Mediação (arts. 2º, VII, 14 e 30), além de outros importantes diplomas internacionais , consagram a importância da confidencialidade. Justamente em razão do dever de confidencialidade, o mediador não poderá depor como testemunha em processos judiciais envolvendo o conflito em que tenha atuado (art. 7º da Lei nº 13.140/15 c/c 448, II, do CPC/15).

Vale lembrar também que todos aqueles que participam da mediação – membros da equipe do mediador, partes, prepostos, advogados (arts. 166, § 2º do CPC/15 c/c 30, § 1º, da Lei de Mediação) – devem observar o dever de confidencialidade.

Quanto ao conteúdo protegido pela confidencialidade, estão abrangidas as declarações, opiniões, promessas, manifestações sobre as propostas de acordo, bem como os documentos preparados unicamente para o procedimento em questão e os fatos reconhecidos por uma ou ambas as partes (art. 30, § 1º, I a IV, da Lei de Mediação), além de todas as informações apresentadas no curso da mediação (art. 166, § 1º, do CPC/15).

Porém, a confidencialidade na mediação não é absoluta. As informações ali veiculadas podem ser utilizadas a) com expressa autorização dos mediandos, não podendo o respectivo teor “ser utilizado para fim diverso daquele previsto” (art. 166, § 1º, do CPC/15); b) nos casos em que a lei exija a sua divulgação ou seja necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação (art. 30, caput, da Lei nº 13.140/15); e c) quando estiverem relacionadas com a ocorrência de crime de ação pública (art. 30, §3º, da Lei de Mediação).

Cumpre observar, ainda, que a regra de confidencialidade não afasta o dever dos envolvidos de prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos servidores públicos a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas, nos termos do art. 198 do Código Tributário Nacional.

Importante destacar que, além de não ser absoluta, a noção de confidencialidade deve ser interpretada à luz de uma lógica sistêmica. O dever de sigilo não pode, em hipótese alguma, servir de escudo para comportamentos abusivos e protelatórios, em flagrante violação aos princípios da boa-fé e da cooperação (arts. 5º e 6º do CPC/15), desestimulando e infantilizando a mediação, sobretudo nesse momento de sedimentação do CPC/15.

Nesse compasso, entendemos que o réu que sinaliza seu interesse na audiência de mediação, ou mesmo se mantém inerte diante da designação do ato – quando o autor já manifestou desinteresse  –, mas, na audiência, não apresenta qualquer proposta de acordo ou, ao menos, um direcionamento possível para a construção do consenso, litiga de má-fé e deve ser condenado às penalidades legais (art. 81 do CPC/15).

Pelo menos duas condutas previstas na Lei de Ritos podem ser invocadas: oferecimento de resistência injustificada ao andamento do processo e atuação temerária em qualquer incidente ou ato do processo (art. 80, IV e V). Sim, porque, nessas hipóteses, a realização da audiência de mediação terá, na prática, alongado desnecessariamente o processamento do feito , violando a duração razoável do processo (arts. 5º, LXXVIII, da CF e 4º, 6º e 139, II, do CPC/15).

Mas, como comprovar essa postura do réu? A questão não é simples, reconhecemos, mas alguns mecanismos podem ajudar. De plano, é importante que o mediador, no início da primeira sessão (art. 14, § 1º, da Lei nº 13.140/15), alerte as partes sobre as regras de confidencialidade e os limites do sigilo, deixando claro que, na condição de auxiliar da Justiça, pode ser instado pelo juiz a reportar eventual conduta protelatória e comportamento descompromissado com o espírito da mediação.

É óbvio que a ausência de composição amigável, por si só, não tem o condão de materializar um ato procrastinatório e tampouco significa que uma das partes não tenha colaborado. Na verdade, o que se repudia é aquela completa inação do réu, que revela uma conduta premeditada e maliciosa, com a finalidade de ganhar mais tempo para preparar a sua defesa.

Nessa hipótese, a parte contrária pode (e deve) relatar os fatos ao juiz, requerendo a condenação do “pseudomediando” por litigância de má-fé. Com base no contraditório participativo (arts. 9º e 10 do CPC/15) e à luz de seu dever de cooperação (art. 6º), o magistrado deve intimar o réu para se manifestar a respeito, podendo, inclusive, oficiar o mediador que atuou na audiência frustrada para atestar, única e exclusivamente, a leniência e a total falta de colaboração do demandado, respeitando, no mais, os limites do sigilo e da confidencialidade.

Em resumo, dentro da perspectiva de uma “jurisdição multifacetada” , em que a mediação tem status de equivalente jurisdicional, não se pode permitir que a audiência de mediação se transforme em “mecanismo de procrastinação”  e odioso álibi para comportamentos desleais, ímprobos e anticooperativos, sob pena de ferir a lógica do sistema e a própria mens legis do CPC/15.

 

(Marcelo Mazzola, mestrando em Direito Processual pela UERJ, advogado e sócio de Dannemann, Siemsen Advogados, vice-presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), coordenador da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ e do setor de propriedade intelectual do Mediare)

 


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