Limpeza étnica dos rohingyas e a terra de ninguém
Diário da Manhã
Publicado em 28 de dezembro de 2017 às 23:25 | Atualizado há 7 anos
O grupo étnico muçulmano rohingy tem sofrido com as recentes ondas de violência por parte do governo da Birmânia (também chamada de Myanmar) na região administrativa de Rajine, localizada na costa oeste do país. Desde agosto de 2017, quando os ataques tornaram-se mais frequentes e violentos, cerca de 600 mil rohingyas fugiram de Myanmar para o vizinho Bangladesh, onde vivem em estado de calamidade humanitária. Situados no limo entre Myanmar e Bangladesh, os sobreviventes da terra de ninguém precisam de ajuda, mas ninguém os ouve.
Os referidos ataques são proferidos por militares de Myanmar, que alegam estar protegendo os civis do chamado Exército de Salvação Rohingya, classificando-o como grupo terrorista e afirmando que ele estabelece relações com o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Contudo os ataques são direcionados a toda e qualquer pessoa da etnia rohingy, grupo minoritário que nem ao menos possui cidadania e direitos básicos em Myanmar.
Para os rohingyas, que ainda não fugiram, resta o medo: a ofensiva militar birmanesa já deixou centenas de mortos. A intenção do Estado é expulsar o grupo por não aceitar a religião muçulmana. Sendo assim, fica evidente que a intenção é, sim, realizar uma “limpeza étnica e religiosa” dos rohingyas na região, prática inaceitável dentro do direito internacional e humanitário.
Historicamente, episódios de limpeza étnica infelizmente não são isolados, dentre os mais recentes e estarrecedores pode-se citar o ocorrido em Ruanda, em 1994, quando hutus mataram quase 1 milhão de tutsis, e, também, o genocídio de muçulmanos bósnios perpetrado por sérvios, no ano de 1995. Tais episódios demonstram uma faceta dos conflitos pós Guerra Fria.
De modo objetivo, no período pós-1989, desenvolveram e desenvolvem-se conflitos que desafiam as grandes teorias do mainstream ao mostrarem-se dissociadas de conflitos entre unidades unitárias estatais. Os novos conflitos desafiam fronteiras e, mormente, a suposta racionalidade humana proposta por uma parcela grande dos neoliberais.
As debilidades e, por que não, a incipiência do processo de construção de uma governança global que possa limitar ou mesmo pôr fim às guerras e à fome dão margem ainda para que problemas como o de Myanmar ocorram. Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, exigiu do governo de Myanmar o fim das ações militares contra o povo rohingya e o acesso para ações humanitárias no país. A despeito disso, vale salientar o descaso das Nações Unidas com a crise anunciada: a violência sofrida pelos rohingyas subsiste desde 2014 e já havia sido denunciada à ONU diversas vezes, sendo, no entanto, negligenciada pelos mais altos funcionários da organização.
Em contrapartida, a Anistia Internacional posicionou-se a favor do povo rohingya, sugerindo ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que seja imposto um embargo às armas para Myanmar. A Anistia Internacional também pressiona o conselho a emitir uma declaração pública de repúdio às atrocidades no estado de Rajine, exigindo o fim da violência.
No fim de agosto de 2017, o governo de Bangladesh, país vizinho, afirmou que as autoridades birmanesas tinham aceitado um trato que visava acabar com o fluxo de cidadãos da Birmânia. Porém os números mostram que o fluxo não parou, tampouco diminuiu.
Conclusivamente, é importante deixar claro que os conflitos naquela região do sudeste asiático não estão próximos do fim. A crise humanitária e as constantes violações dos direitos humanos em Myanmar continuam sem sinal de decréscimo. Não é a primeira vez na história, como já afirmamos, que “limpezas étnicas” são feitas e, infelizmente, não será a última. Todavia cremos que os organismos internacionais devem agir de maneira mais eficaz a fim de solucionarem o problema dos rohingyas que vivem sob políticas de discriminação racial e segregacionista há décadas e, assim, darem um passo adiante rumo a uma governança global em que problemas como guerra, extermínio étnico e fome serão apenas assuntos de historiadores.
(Giovana S. Carneiro, estudante de Relações Internacionais na Universidade Católica de Brasília. / Maria Estela M. Kieling, estudante de Relações Internacionais na Universidade Católica de Brasília)