Louvação à memória de Basileu Toledo França – Final
Diário da Manhã
Publicado em 25 de setembro de 2018 às 21:53 | Atualizado há 7 anos
Basileu Toledo França, constante trabalhador e incentivador da cultura por onde esteve, realçando Goiás onde dedicou quase 60 anos a esse dignificante oficio, sendo por isso que escreveu mais de 20 livros, sobressaindo-se como mais expressivos:
Rio Preto de Ontem, onde aborda a história local. Edição da “Casa de Cultura” de São José do Rio Preto, 1947, ilustrado com um álbum de fotografias da grande cidade paulista.
Pioneiros, romance baseado na história de Jataí, terra querida do autor, retratando episódio do povoamento do Sudoeste de Goiás, em 1954, 2ª edição em 1972 e 3ª em 1979. Como diz Basileu em meticulosa entrevista nos anais deste Casa, para escrevê-lo foram dez meses estudando “os registros de cartório, os arquivos de família, os baús e guardados de velhas fazendas, depoimentos de dezenas de pessoas antigas, cantadores, benzedores e raizeiros, tudo o que pudesse representar a tradição escrita e oral de Jataí”. Apesar da edição de livros anteriores, Basileu considerava Pioneiros seu livro de estreia, tendo por ele especial carinho.
O Sudoeste, tentativa de interpretação, 1959. Ensaio socioeconômico, propondo a entrada da estrada de ferro Araraquara em Goiás, através do Canal de São Simão. Trata-se de trabalho feito a pedido do então governador José Feliciano Ferreira, também filho de Jataí, que desejava prolongar os trilhos daquela importante ferrovia até o Sudoeste de Goiás, anseio antigo daquela gente.
Estudos de Educação, 1960. Ensaio dedicado à memória de Olímpio Guimarães de Toledo, professor primário e músico popular de Goiás.
Música e Maestros, 1962. Ensaio de sociologia da arte musical, tendo como pano de fundo especialmente Jataí. Foi lançado em Goiânia em fevereiro de 1963, nos salões do Conservatório Goiano de Música, com a presença de vários seresteiros e instrumentistas retratados ali, além de grande público, lá estando, como figura das mais elevadas, imaginem quem – o fundador desta Casa, abnegado Colemar Natal e Silva, que fez apresentação da obra com o brilho e entusiasmo de sempre.
Cadeira nº 15, 1971. Interessante contribuição ao estudo da literatura de Goiás. Edição do Departamento Estadual de Cultura – livro no qual Basileu, na sábia avaliação de Ático Vilas Boas da Mota, salvou do esquecimento o passado da Academia Goiana de Letras, fato que só teve similar em Retrato da Academia Goiana de Letras, lançado em 1977 pela Editora Oriente, no qual retrata e sumaria esta Casa em outras várias dimensões, igualmente dignas de apreço e reconhecimento.
Cavalo de Rodas, 1979. Trata-se de obra que tem como foco a entrada do automóvel em Goiás, pelo Sudoeste, em fato ocorrido em 1918.
Vale do Rio Claro, 1979, onde delineia, em atrativos e deliciosos contos, o corpo e a alma de uma região, exatamente de sua inesquecível Jataí. Segundo o consagrado Bariani Ortêncio, festejado membro desta Casa, Vale do Rio Claro “é um dos melhores livros que já saiu em Goiás”. Acrescentando:
É um livro, como Veranico de Janeiro, de Bernardo Élis, onde os contos poderiam ser capítulos de um romance desmontável. Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é um romance desmontável, onde cada capitulo poderia ser um conto. Tanto em Vale do Rio Claro como em Veranico de Janeiro, os personagens se encontram, se repetem e os lugares onde se desenrolam as cenas são comuns.
Eis um rico nível de Basileu contista.
Cancioneiro de Trovas do Brasil Central, 1973. Edição crítica de esparsos de Antônio Americano do Brasil, tirando do esquecimento dez importantes facetas da personalidade e operosa vida do médico, político e polemista Americano do Brasil.
Contos, Fábulas e Folclore, 1975, no qual retrata a extraordinária vida literária de Crispiano Tavares, notável baiano que se enamorou de Goiás desde 1883, especialmente do Sudoeste. Sem Basileu, convém ressaltar, dificilmente saberíamos ser Crispiano Tavares o primeiro contista de Goiás. O Geólogo de Minas, formado em Ouro Preto, Minas Gerais, com a ajuda e Dom Pedro II, que aqui esteve nos finais do século XIX, para estudar as minas de ouro em Abade, em Meia Ponte, atual Pirenópolis. Foi nessa ocasião que registrou a linguagem, dados e personagens para o seu mais antigo conto goiano: Os Bolos do Namorado, que se passa em uma fazenda de Bonfim, ora a cativante cidade de Silvânia.
Capangueiros e Jagunços, 1985, os caçadores de diamante do rio das Garças, mais um romance difícil de ser imitado em seu rico conteúdo literário e surpreendente concepção histórica, narrados em estilo simples, solto, convincente e dos mais atraentes.
Velhas Escolas, 1998. Volumosos livro onde evoca, em paciente pesquisa e a mais viva emoção, a memória de antigas escolas da terra em que nasceu.
Algumas Histórias, 2001, promoção Agepel, edição do Centro Editorial Gráfico da UFG, coleção José J. Veiga, onde Basileu, ainda mais consistente e sem os vícios da pompa, retoma com incrível segurança e lucidez a área do conto.
Pelos títulos e conteúdo da vasta obra reverenciada, vê-se a lúcida e invejável caminhada literária de Basileu Toledo França, mostrando também que a pesquisa em Goiás, consoante, aliás, assinala Ático Vilas Boas da Mota, na “orelha” da Cadeira 15, ainda se faz, “graças ao talento, à coragem, à persistência e ao amor do oficio”, qualidades reunidas pelo nobre autor, indispensáveis ao bom pesquisador e capazes de superar qualquer dificuldades. Era assim o louvado Basileu, para o qual não havia obstáculo ao buscar nortes para realização de seus sonhos, notando-se que, com o livro acima citado, além da notável contribuição ao estudo da literatura e tirar está academia do anonimato, a bem dizer, tirou de nosso meio a velha dificuldade em se saber sobre a vida e trajetória sociocultural, política e literária dos nossos confrades, assunto sempre desafiante.
Essa pertinácia de Basileu Toledo França, embora presente em tudo o que escreveu, revela-se mais acentuada em Pioneiros, história romanceada de Jataí; O Sudoeste; Tentativa de Interpretação, obra digna de ser imitada; Cancioneiro de Tropas do Brasil Central, destacando a rica personalidade intelectual do folclorista e hábil historiador Americano do Brasil; Contos, Fábulas e Folclore, resgatando a importância histórica e literária do primeiro contista de Goiás, Crispiano Tavares; e Capangueiros e Jagunços, outro interessante romance histórico do devotado escritor, sem o qual, a História dos Coronéis estaria órfã no Sudoeste goiano e Leste de Mato Grosso, domínio historiográfico, aliás, inaugurado pelo Nordeste, onde, além do imprescindível Os sertões, de Euclides da Cunha, obra da cabeceira de Basileu, distinguem-se Coronelismo, Enxada e Voto, de Vitor Nunes Leal, e Cangaceiros e Fanáticos, de Rui Facó.
Ao ser homenageado em sua terra natal em 8 de junho de 2002, presenciando seu nome no frontispício de um Centro de Cultura, escreveu palavras comovedoras, lidas pelo filho José Manoel Toledo França:
Hoje, ao retornar a este lugar mágico da meninice, nossa querida Matinha do olho d’água, onde jorrava dia e noite em bica rústica a água pura para o banho público, eu me encanto ainda com as lembranças e tenho a inefável alegria de ver meu próprio nome no frontispício deste Centro de cultura. Sem dúvida alguma representa mais do que esperava da vida de garoto pobre, mas feliz: ser lembrado assim pelos conterrâneos. Jamais poderia sonhar com prêmio tão alto e significativo, embora não tenha feito outra coisa especial na vida adulta de homem de letras senão pesquisar, estudar e difundir os verdadeiros valores do povo, da terra e da cultura brasileira. De modo muito particular de Jataí e sua bela região.
Por tudo isso, a homenagem que me está sendo conferida de ser o patrono desta casa representa o maior galardão de minha vida intelectual. Uma consagração na própria terra natal, que tanto amo e procuro dignificar. (Jataí, junho/2002).
Eis aí, um pouco da intensa trajetória intelectual de Basileu Toledo França, autor de 25 livros dos quais pelo menos três integram a coleção Documento Goiano, da editora da UFG. Eis, portanto, senhor presidente, o retrospecto que pude fazer do insigne filho de Jataí, tentando mostrar por que os grandes escritores não morrem, no máximo, encantam-se, como diria Guimarães Rosa. Basileu não morreu. Suas ideias e seu indiscutível talento não têm como separar-se deste lugar onde defendeu com bravura os seus ideais, semeou com rara discussão sentimentos de amizade e apaixonou-se pela Educação na qual – como o filósofo Platão – só ensinou o amor por alguma coisa.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br)