Opinião

Malefícios de decisões monocráticas facciosas

Redação DM

Publicado em 31 de março de 2017 às 01:43 | Atualizado há 8 anos

Quando o governador Mauro Borges, em novembro de 1964, chegou à conclusão de que o militares da chamada Linha Dura estavam a impor ao presidente Castelo Branco o seu afastamento do governo de Goiás graças a IPMs em que provas eram criminosamente forjadas, ingressou com um pedido de habeas corpus, formulado pelo grande advogado Sobral Pinto, junto ao Supremo Tribunal Federal. A mais alta corte de justiça do país, reunida por todo o seu colegiado, concedeu o habeas corpus por oito votos a zero, ou seja, por unanimidade.

Naqueles tempos era assim: não havia decisão monocrática para essa forma de se assegurar o direito constitucional a quem recorresse aos tribunais.

Mas de certo tempo a esta parte, não sei bem a partir de quando, a decisão por um só ministro ou por um só desembargador se foi tornando prática, não apenas para a concessão máxima da proteção da justiça a direitos individuais em sua maior expressão. Até mesmo ações penais com julgamento final se viram e se veem objeto de anulação total por um só membro de uma Corte de Justiça. Dos mais emblemáticos e famosos é o do ministro Gilmar Mendes ao anular todo o processo em que resultou condenado o famoso banqueiro Daniel Dantas pelo juiz paulista Fausto De Sanctis. Gilmar Mendes não apenas anulou a sentença condenatória como também reduziu a cacos o processo inteiro. Nunca mais se voltou a falar A respeito desse processo. Caiu no olvido completo e Daniel Dantas aí está, apesar de todas as suas falcatruas inteiramente impune e até o momento livre das acusações que o levaram a uma pena de dez anos de prisão em sentença proferida por um dos mais brilhantes e íntegros juízes de direito de São Paulo. Tudo feito monocraticamente por alguém que chegou ao Supremo Tribunal Federal pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e que por isso mesmo é hoje o mais afamado defensor de todos os políticos do PSDB que se tornam acusados ou investigados. Agora mesmo, isto é, na atualidade, está se assistindo a escancarado esforço do ministro que absolveu Daniel Dantas (maior beneficiário das privatizações feitas por Fernando Henrique Cardoso), no sentido de salvar Aécio Neves e outros tucanos das acusações que contra eles pesam em delações da Odebrecht e outras empresas. É impressionante o esforço do ministro Gilmar Mendes no afã sumamente deplorável de proteger figuras do PSDB que a chamada Operação Lava Jato evidenciou terem sido beneficiadas por propinas e doações enquadradas em operações ilegais.

O leitor certamente se lembra de outra decisão tomada por um só ministro que veio assegurar mais uma vez a impunidade do Sr. Paulo Salim Maluf. Estava ele preso, juntamente com o seu filho Flávio, há cerca de 45 dias, barbudo e silencioso, quando o ministro Carlos Veloso, que estava apenas há 30 dias de se aposentar, concedeu a pai e filho o habeas corpus que lhes valeu não apenas total liberdade, mas o esquecimento total dos processos a que eles respondiam.

Muitos outros fatos aconteceram e estão a acontecer no Supremo Tribunal Federal a demonstrar que a mais alta Corte de Justiça não mais é aquela dos tempos de Nelson Hungria e dos oito ministros que, mostrando altivez diante da ditadura militar, chefiada na época pelo marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, concederam habeas corpus por oito votos a zero, que o marechal teve de respeitar, mas como era uma ditadura, transformou a violência que esteve iminente em decreto de intervenção federal no Estado de Goiás.

 

(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às quartas & sextas-feiras. E-mail: [email protected])

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