Opinião

Mali – O país com fronteiras feitas a régua

Redação DM

Publicado em 17 de agosto de 2015 às 21:34 | Atualizado há 10 anos

O Mali é um país localizado na parte Noroeste da África, com uma significativa porção do seu território povoada pelos povos árabes do Norte – chamados de Tuaregues – e outra, mais ao sul, povoada por diferentes etnias cristãs e onde encontramos a capital: Bamako. Essa divisão territorial foi fator catalisador de diversas guerras que começaram com a independência do país da França em 1960 e desembocaram nas recentes revoltas dos Tuaregues contra o governo central.

Em 1991, foi assinado um acordo de paz que deu certa estabilidade institucional para o país, porém, ainda assim, foram registradas mais de 8.000 mortes provenientes dos conflitos envolvendo rebeldes tuaregues e o governo. Em 1996, houve um novo e grande acordo de paz, envolvendo todas as facções atuantes, que acalmou os ânimos dos combatentes e proporcionou um período de desenvolvimento econômico e social para o Mali. Em 2006, e mais intensamente em 2007 – após a reeleição do Presidente sulista Amadou Toumani Toure, os radicais do norte, organizados em grupos armados, se revoltaram contra a capital, provocaram fortes ataques e um grande fluxo de deslocamento humano. Esses grupos, ligados à célula da al-Qaeda com a maior capacidade financeira no mundo, implantaram a lei islâmica radical da Sharia e lutam pela criação de um país independente, chamado de Azawad, que compreende o território das três grandes províncias do norte do país (Gao, Timbuktu e Kidal).

Como diria Weber: “Não existe vácuo de poder” e o Mali é uma prova concreta dessa afirmação. Depois do golpe militar de março de 2012 que provocou a renúncia do até então presidente Amadou, os rebeldes insurgentes prontamente capitalizaram esse vácuo de poder estatal. A célula terrorista da al-Qaeda se aproveitou da ação do grupo separatista Tuaregue para espalhar sua ideologia, seu modus operandi e se tornar popular em todo o Mali. O grupo aproveita a ausência do governo central e sua péssima administração para converter a população para sua causa, usando, para isso, dogmas religiosos supostamente ligados às práticas muçulmanas.

A partir dessa data, o massacre contra cristãos e os conflitos regionais se intensificaram e afetaram todas as províncias do país, impedindo a livre circulação de pessoas e mercadorias. A parceria com a al-Qaeda provocou significativo aumento do número de sequestro de estrangeiros no país e ataques contra civis, além de favorecer as relações dos terroristas com as comunidades islâmicas do norte. Esse cenário permitiu a integração de redes de traficantes, o aumento das execuções, apedrejamentos, estupros coletivos, mutilações e ataques aleatórios que já provocaram a morte de milhares de civis, inclusive em países vizinhos como a Argélia, Líbia, Tunísia e Níger.

É importante frisar, contudo, que o problema humanitário que assola o Mali não está concentrado apenas no Norte do país, onde o conflito armado acontece de forma mais evidente. Todas as regiões, incluindo a capital, foram direta ou indiretamente afetadas pelas consequências políticas, econômicas e sociais dessa guerra, reduzindo, consideravelmente, as possibilidades de sobrevivência digna no país. Uma guerra levada a cabo por anos a fio acaba por destruir todas as estruturas representativas de um país, deteriorizar as instituições capazes de garantir o respeito à primazia do direito (como o sistema judiciário e o educacional) e espalhar uma perigosa cultura de impunidade.

O Brasil, ao longo dos últimos quatro anos, vem recebendo um importante número de cidadãos Malineses que buscam refúgio para fugir da grave e generalizada situação de violação de direitos humanos que fere seu país. São homens, mulheres e crianças que buscam recomeçar a vida longe do cenário de guerra instaurado pelos grupos terroristas e separatistas e com possibilidade de gozar de liberdades, como a religiosa e de locomoção, previstas em todos os subjugados tratados internacionais.

 

(Gabriela Cunha Ferraz, advogada e mestra em Direitos Humanos. Atualmente é advogada da Caritas Arquidiocesana de São Paulo, coordenadora de Advocacy do programa Justiça sem Muros do ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e coordenadora nacional do Cladem/Brasil – Texto originalmente publicado no blog: http://justificando.com)


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