Meia Ponte, vinte anos depois
Diário da Manhã
Publicado em 20 de março de 2018 às 22:47 | Atualizado há 7 anos
Quem não se lembra do Nerso da Capitinga, humorista que a vinte anos atrás encabeçou uma campanha de “dispiluição”do Rio Meia Ponte. Quase vinte anos se passaram, o Rio não foi despoluído e ainda o levaram a exaustão.
O que ocorreu com o Meia Ponte é visto como falta de planejamento, de investimento em estrutura e de vontade política. Passou a campanha, tudo caiu no esquecimento. Praticaram contra o Rio, o que se chama de sangramento, captando toda a vazão do manancial na altura da Fazenda São Domingos, e logo a jusante, lançam milhares de metros cúbicos de esgoto sem o tratamento adequado. Tiraram toda a vazão do Rio, seu poder de assimilação e diluição, tornando-o sem força para a autodepuração. A ETE do Goiânia II hoje tem uma eficiência de apenas 52%, na redução da carga orgânica recebida.
Em 18 de maio de 1933, saiu o decreto aprovando o local e fixando o prazo de dois anos para a transferência da Capital. A Comissão escolhida para proceder aos estudos para a escolha do local da Nova Capital foi nomeada pelo decreto 2.737 de 20 de dezembro de 1932. Era composta por D. Emanoel Gomes de Oliveira, Arcebispo de Goiás; João Argenta, urbanista; Colemar Natal e Silva, Advogado; Antônio Pirineus de Souza, Militar; Antônio Augusto Santana e Gumercindo Alves Ferreira, comerciantes. O Arcebispo D. Emanoel Gomes de Oliveira, foi o presidente da Comissão.
A comissão, após avaliar algumas regiões, foi de parecer que nenhuma de suas cidades reunia condições mínimas para ser a Capital do Estado, e concluíram pela construção de uma nova cidade em terras compreendidas nas fazendas denominadas Criméia, Vaca Brava e Botafogo, no município de Campinas.
Ao receber o relatório, o Dr. Pedro Ludovico, interventor de Goiás, convidou o Dr. Armando de Godoi, urbanista, Benedito neto de Velasco, construtor e Américo Carvalho Ramos, Engenheiro, para que elaborassem um parecer técnico sobre a escolha da Comissão, que confirmou plenamente o local para a construção da nova capital.
Embora tivesse sido previsto no projeto urbanístico original a preservação dos cursos d’água na área de instalação da nova capital, a comissão que escolheu o local não o fez de forma aleatória. Ela se inspirou nos inúmeros recursos hídricos existentes, mais precisamente num Rio que drenava todas as vertentes da área, o Meia Ponte. Na época a comissão já entendera que o local da implantação da nova Capital merecia cuidados especiais, pois era uma zona de recarga do lençol subterrâneo e do Rio Meia Ponte. A morte do Rio não foi prevista na escolha da área e no parecer técnico conclusivo que redundou favoravelmente à escolha do local. Hoje, quase a metade da população economicamente ativa de Goiás, (46%) se encontra instalada na bacia de drenagem do Rio Meia Ponte.
Em razão de nossa profissão, temos os recursos naturais como matéria prima de processamento, isto nos permite fazer uma oportuna lembrança de que a água embora seja um recurso natural reciclável, tem volume limitado, isto quer dizer, oferta praticamente constante. Por outro lado, a procura é crescente em função exponencial, comandada por dois fatores principais: o incremento demográfico e o desenvolvimento econômico social.
Concluímos então que, se não for adotado critérios de aproveitamento dos recursos hídricos, tendo como unidade básica o planejamento, as bacias hidrográficas poderão muito em breve, estabelecer-se entre as gerações futuras, os mais sérios conflitos em disputa pelo uso da água, com sérios e intermináveis prejuízos para a sociedade, a economia do país e para a vida em geral. Cabe ao homem prosseguir o seu progresso tecnológico e o desenvolvimento econômico, sem que isto interfira no equilíbrio ecológico.
Precisa-se frear essa degradação afim de que tanto a geração atual como a vindoura obtenham melhor qualidade de vida. Não devemos esquecer que os Rios são ricos, mas, pune e punirá sempre as tolices humanas, com a mesma severidade que a terra, não permitindo que depois de alimentá-lo, o homem venha envenená-lo. A poluição exige atitudes firmes e bem pensadas. O governo deve dar proteção de fato e não se limitar a criar leis contra os infratores do meio ambiente, porque muitas vezes esses infratores são os próprios órgãos oficiais do Estado.
O Rio Meia Ponte nasce na Serra dos Brandões, região do mato dentro, no município de Ituaçu, seu curso tem direção predominante Norte Sul na maioria de sua extensão, drena cerca de 37 municípios e percorre um trecho de 430 km, desaguando no rio Paranaíba, entre Nilópolis e Pontezinha no município de Cachoeira Dourada.
Como todo recém-nascido, até a cidade de Ituaçu, o Rio é puro, limpo e bem preservado. Dentro da cidade ele começa a receber suas primeiras cargas poluidoras, através de indústrias e da própria comunidade.
Praticamente o Rio se encontra desprotegido da vegetação ciliar ou de galerias, suas margens estão bastante antropisadas, formadas em pastagens, lavouras e hortaliças. Existem também vários pontos de extração de areia, cascalho e argila entre Ituaçu e Goianira.
Devido à intensa utilização das áreas nas margens do Rio para extração de bens minerais, o Meia Ponte também sofre o assoreamento provocado pelas erosões e o carreamento laminar do solo devido a movimentação de terra para formação de pastagens e lavouras, além de outras atividades. A bacia hidrográfica do Meia Ponte possui uma área de drenagem de 11.500 km² e ocupa 3,56% do território do Estado. Está claro que o processo de despoluição do Rio, passa necessariamente pelo serviço de educação ambiental limpeza urbana das cidades entre Goiânia e Ituaçu.
A conclusão do sistema de intercepção de esgotos de Goiânia e da ETE é fundamental para aliviar a carga de lançamentos para o Rio, uma vez que pouco mais de 50% da ETE foi concluída. A extensão do Rio é de 430 km, desaguando no Rio Paranaíba e não apenas o trecho entre Ituaçu e Goiânia.
A estação de tratamento de esgoto de Goiânia fundamenta-se no processo de lodo ativado, um processo físico-biológico que reproduz artificialmente um sistema de tratamento natural da água, através da aeração, decantação e proliferação de microorganismos, que removem 90% da DBO da água. Esse tipo de tecnologia é empregado em todas as grandes cidades do mundo. Existem tecnologias mais eficientes, mas são tão caras que, por enquanto, são inviáveis.
Em função de tudo que já vimos, temos uma preocupação e tememos pelo futuro do Rio. Ele, que já foi tema de tantas campanhas políticas, nesta ultima nem se quer foi lembrado. Deitar em berço esplêndido, considerando que a o volume de chuva que normalizou a vazão do Rio e a interligação com o sistema Mauro Borges tenha resolvido todos os problemas de abastecimento de Goiânia e da região metropolitana, é uma medida temerosa pois o volume de chuva do biênio 2017/2018 foi menor que os outros.
O Meia Ponte é grande, bonito, piscoso embora receba milhões de metros cúbicos de esgotos sem tratamento durante as 24 horas do dia e dezenas de toneladas de resíduos sólidos (lixo), ele continua pedindo uma chance para continuar impressionando pela sua beleza.
(Neri Caetano Barbosa, gestor e perito ambiental e sanitário)