Merda
Redação DM
Publicado em 22 de agosto de 2018 às 03:25 | Atualizado há 7 anos
Pode ser lengalenga, lereia, conversa fiada, embuste, lorota, tapeação, charlatanice, invenção. Não importa o termo preferido. O fato é que uma das coisas mais impressionantes das campanhas eleitorais é que se fale tanta merda.
Tem candidato que para falar merda se emposta. É das grossas. Já outros, para não cair no terreno do folclore e do esculacho popular, se esmeram e fazem do falar merda uma ciência.
Não é mais como antigamente. Hoje fala-se merda com requintes sofisticados e o auxílio luxuoso de perfumarias avançadas, encomendadas a peso de ouro a institutos gabaritados no toalete. Nada é feito, nem a mais simples delas, sem pesquisa de mercado, sem o devido levantamento da opinião pública, sem a realização dos testes de empatia. São estes parâmetros que vão determinar o poder de alívio das palavras escolhidas, ou melhor dizendo, o seu poder laxante.
São de fato muito ardilosos. Os faladores de merda sabem também que ela pode ser despejada de forma indireta, pelas bordas, quando uma pessoa deturpa o que outra pessoa falou. Basta ao falador desviar do reto o próprio estado de espírito da conversa, borrifando ao vento traseiro o que saiu da boca de outrem. Neste caso, ele geralmente acompanha seu ato dizendo-se chocado com o que foi expresso, exteriorizando um sentimento que na verdade não tem, apenas expele. São as merdas faladas em debates.
Se possível, diga-se a favor de alguns candidatos que a maioria sequer sabe que merda falam. Mas é que, principalmente em tempo de eleições, vem muitas coisas às suas mentes -ou aos seus vasos, melhor dizendo. Sendo uma delas a necessidade de fazer como os outros. Falam aos cotovelos, como dizemos, embora certos de estar com o pensamento de cócoras e mirando bem no alvo.
O falador de merda bem treinado fica livre de ser um mentiroso e o simples fato de não necessariamente falar mentira ao falar merda é, por si, um bom ardil que lhe outorga uma aureola que o mentiroso corriqueiro almeja, mas não tem. Falar merda distingue.
Mas afinal, por que se fala tanta merda em tempo de eleições? Ela é realmente necessária? Seria possível saber se hoje se fala relativamente mais merda do que nas eleições passadas? Poderíamos medir o falar merda per capita de acordo com a coligação partidária do protagonista? Há diferença em merda de esquerda, do centro e de direita? Independente das respostas, em época de campanhas eleitorais ficamos submersos até a estratosfera do bom senso.
Tais excrementos da mente se originam de uma convicção generalizada de que o político não pode ficar calado, pois ele tem que aparecer. Ele não pode ser como os comuns mortais que bem sabem aonde despejar os pensamentos constipados. Não. Ao político cabe a praça pública. Ele simplesmente tem que ter opiniões sobre tudo. E dá-lhe massa às massas.
Parte do problema se deve ao fato de que é inevitável falar merda toda vez que as circunstâncias exijam de alguém falar sem saber o que está dizendo. É o caso da grande maioria dos políticos de pensamentos intestinos. Qual é, sinceramente, a impressão que temos quando ouvimos certos candidatos falar de saúde, cultura, trabalho, educação, economia e tudo o mais que compõe os meandros das nossas vidas? A produção de merda seria, nestas ocasiões, estimulada pelos jornalistas, que perguntam sem parar, numa verborragia com efeito de lubrificar o canal dos faladores?
Claro que não, poupemos os mui dignos jornalistas em suas funções profissionais. Não importam as perguntas. A produção de merda só se dá quando a resposta do candidato visivelmente ultrapassa seu conhecimento dos fatos atinentes. Aí, meu caro, é como rifar a razão e lançar a resposta no ventilador, vai para todo lado.
A falta de nexo não incomoda. O político, pensam eles próprios, deve ser aos olhos de todos aquele agente moral consciencioso e sempre sabedor. Ser aquele que avalia ponderadamente cada acontecimento, intui e despeja seus longos e tortuosos palpites sobre tudo. Pensando exercer seu dever, ele se acha, se inclina quietamente fingindo-se reflexivo. É bem quando começa evacuar os pensamentos.
Portanto, não admira que a proliferação deste tipo de excremento filosofal cresça durante o período eleitoral, no qual insistem em nos fazer de suas descargas. E alguns faladores de merda ainda conseguem se safar porque o eleitorado só descobre depois, quando eles já se limparam com seu voto.
(Px Silveira, Instituto ArteCidadania, presidente)