Mestres do Mobral se veem após 30 anos
Redação DM
Publicado em 24 de junho de 2016 às 02:47 | Atualizado há 9 anosNo próximo domingo, 26, aproximadamente 100 ex-professores do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) vão se reunir em Goiânia para celebrar os anos de docência no extinto programa federal de ensino de jovens e adultos. A partir das 10h30, no Espaço Alegria & Cia, no Setor Criméia Leste, esses pioneiros deverão trocar experiências mais uma vez.
Boa parte desses professores foi absorvida pela rede pública de ensino após o fim do programa, em 1985. O Mobral foi a primeira grande iniciativa nacional pela erradicação do analfabetismo. Embora os resultados estejam sujeitos à interpretação – ora positiva, ora duvidosa quanto à eficácia –, certo é que deixou um legado interessante e serviu de modelo para iniciativas posteriores. Esses docentes são pioneiros.
A comissão responsável pelo encontro é formada pelos professores Maria José Martins Gonçalves, Cleonice Coutinho, Maria Helena Silva, Helena Fleischman, Maria José Silva e Reni de Oliveira. Muitos vivem no interior; alguns, em outros Estados. A confraternização talvez seja a primeira em décadas a reunir ex-docentes do Mobral em Goiás. Pessoalmente, considero o evento histórico. Por isso, decidi adotá-lo como tema dessa semana.
Como era uma iniciativa nacional, o Mobral se fez presente em praticamente todos os municípios goianos. Inclusive as cidades, distritos e povoados que hoje compõem o Tocantins. O pouco que conversei com a professora Maria José Martins Gonçalves prova que não era missão fácil.
Em 1967, aproximadamente um terço da população brasileira com idade superior a 15 anos era analfabeta, de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora a economia do país fosse majoritariamente dependente da produção agropecuária, a indústria de transformação e o setor de serviços começavam a ganhar relevância no Produto Interno Bruto. Mas a altíssima quantidade de cidadãos sem instrução era um entrave pesado para materializar a propaganda ufanista de progresso e desenvolvimento do governo que se seguiu após 1964.
Em um dos primeiros esforços nacionais concentrados para amenizar o impacto do analfabetismo na população, o governo do General Costa e Silva sancionou, em 15 de dezembro de 1967, a Lei nº 5.379, que dispunha sobre a alfabetização funcional e a educação continuada de adolescentes e adultos. A iniciativa resultou na criação da Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), antepassado direto do atual Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A Fundação Mobral, presidida pelo economista Mário Henrique Simonsen, tinha por meta declarada erradicar o analfabetismo em adultos até 1980. Os resultados do programa foram tímidos dada sua ambição. Em 1940, algo como 56% dos brasileiros com mais de 15 anos era analfabeta. Em 1950, o índice recuou para 50,6%. Mas a queda tornou-se realmente significativa após 1960, quando 39,7% de pessoas não sabiam ler.
Quando o Mobral foi implantado, em 1970, a taxa oficial de analfabetismo acima de 15 anos era de 33,7%. Em 1980, 25,9%. As décadas seguintes, 1990 (19,7%) e 2000 (13,6%) experimentaram quedas significativas e relativamente constantes. O salto pós-1950 coincide com o movimento de êxodo rural às cidades. O aumento da população urbana refletiu favoravelmente na queda do percentual analfabetos.
Maria José Gonçalves contou-me que os professores viajavam em barcos, a cavalo, longas distâncias, em trajetos tortuosos, para chegar a uma sala de aula, muitas vezes improvisada, para ensinar os fundamentos do idioma e da matemática para um grupo de adultos analfabetos. Para essa população, de origem rural, o Mobral era a única maneira de recuperar o tempo perdido.
Um livro com relatos das experiências de ex-docentes do Mobral foi editado. Não tive acesso ainda ao seu conteúdo, mas parece uma obra muito interessante. O contexto em que o programa foi realizado era profundamente precário, o que ressalta ainda mais a dedicação dos profissionais que legaram anos de suas vidas para romper o ciclo vicioso na formação de milhões de brasileiros.
O Mobral durou 15 anos. Em novembro de 1985, foi extinto pelo ex-presidente José Sarney. A alta evasão de alunos do programa acabou resultado em seu cancelamento. Dos 40 milhões de alunos inscritos originalmente, apenas 37,5% receberam diplomas. Embora a iniciativa tenha sofrido críticas na época, como não alcançar a meta de erradicação do analfabetismo, não se pode ignorar que milhões de brasileiros se tornaram mais autônomos e capacitados. Essa reunião já pode ser considerada histórica.
(Victor Hugo Lopes, jornalista)