Opinião

Meu doce lar

Diário da Manhã

Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 01:16 | Atualizado há 8 anos

A casa ideal é aquela que abriga um lar e lar é o abrigo do maior dos ideais: o amor. Sem amor, não existe o lar. Admite-se o lar como sinônimo de família, mas  essa definição se me mostra pobre porque família pode ser apenas grupo de pessoas unidas pelo parentesco e só pelo parentesco. Lar se estriba no amor que dá sentido à vida.

Tem-se exaltado a família como se esta fosse coluna da virtude,  olvidando-se ou querendo olvidar-se que família, não raras vezes, é centro de tabus e atritos produtores de violências  de variadas formas.

A casa onde moro com minha amada é um lar porque nos amamos e criamos, no amor, nossos filhos e nossa filha; casaram-se e estendemos amor às nossas noras e ao nosso genro e depois às netas e nosso neto e mutuamente nos amamos. Como se não bastasse, raro é o dia em que Ilsa e eu nos sentamos à mesa sem a presença dos nossos frutos, com exceção da filha e genro que moram em Brasília, e sobram lugares no coração e na casa para os sobrinhos e namorado da neta que aqui residem e outros parentes e amigos que por aqui aparecem.

Nosso lar se iniciou, em Mineiros, no mês de outubro de 1970. Quase meio século, pois, percorrido. Por minha culpa, houve turbulências. Vencemo-las, contudo. Não somos, obviamente,  homogêneos no campo das ideias, mas a vida se fundamenta na heterogeneidade. Daí ser imprescindível a tolerância e a possuímos.

Um lar muito se alegra com presença de crianças, flores e livros. Os filhos formam seus lares e nos trazem seus filhos que nos renovam, que nos animam, que pintam do verde da esperança as nossas almas. Neto é filho da velhice. É uma graça especial ser avô. Alarido de criança é canção. Uma das mais belas canções é ouvir o netinho ou a netinha perguntar assim: “Vovô, você tem moeda pra me dá?”. E o sorriso de criança!? Seja neto, sobrinho, filho, sorriso de criança é algo encantador.

No meu lar paterno-maternal, em Jataí, durante minha infância, havia um lindo jardim bem plantado e bem cuidado pela minha mãe. Transeuntes paravam para contemplá-lo. Flor é ternura, candura, carinho, consolo, bondade, amor. Como disse um poeta, a flor ornamenta o berço e ornamenta o túmulo. A flor recebe o bebê que chega e acompanha o ancião que se despede. Na minha casa, ou seja, no meu lar, há um belo jardim plantado e cuidado pela minha rosa a quem tanto devo, tanto devo, impagável dívida.

Lar sem livro me dá a sensação de que falta alguma coisa. Dizem que livro impresso desaparecerá. Bom é senti-lo fisicamente, trocar carinho com ele. No meu lar há boa biblioteca e seu nome é “Onze Corações”, em alusão seus formadores: duas netas, um neto, dois filhos, uma filha, um genro, duas noras, senhora Ilsa e eu. Além de biblioteca é hemeroteca, é relicário. É minha oficina e no seu interior passo a maior parte do dia a ler, a escrever livros sem leitor, crônicas, diários, navegar na internet.

Sinto-me tão feliz  no meu lar que me entristece a consciência de que ele é efêmero como o são todas as estações da nossa passagem sobre este planeta. Quero ir-me primeiro para não ver nenhum deles fazê-lo, mesmo acreditando que o lugar para onde vamos, pela incomensurável graça divina,  é infinitamente melhor do que aqui.

 

(Filadelfo Borges de Lima é autor de vários livros, sócio-fundador da Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios, auditor fiscal aposentado de Goiás, 72 anos, natural de Jataí, reside em Rio Verede. [email protected])

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