Opinião

Minha primeira crônica publicada no Diário da Manhã, há 26 anos

Redação DM

Publicado em 20 de janeiro de 2016 às 23:09 | Atualizado há 9 anos

Espanando as prateleiras da memória, encontrei a primeira crônica que publiquei no Diário da Manhã, quando deixei Belo Horizonte e dei com os costados no Tocantins, para não voltar mais. Carmo Bernardes me incentivou a escrever no jornal, para, pelo menos, ter alguém para substituí-lo e aos outros cronistas (Oscar Dias e João Bennio) numa eventual folga. Cheguei à Redação do jornal, que ainda funcionava na 24 de Outubro, a mando dele, pra falar com Washington Novaes, editor-geral, que me encomendou ali mesmo um artigo para avaliar se eu ia dar conta do recado.

Sentei-me a uma velha “Remington Rand” claudicante da Redação e catei milho uns pares de minutos, entregando ao editor minha crônica de estreia, a que dei o nome de “Voltando ao torrão”, nestes termos:

“A bênção, Carmo Bernardes! A bênção, João Bennio! A bênção, Oscar Dias! A bênção meu povo, que estou chegando.

Depois de vinte anos nas lonjuras de Minas, desenterrei meu umbigo, desatrelei-me do corre-corre da cidade grande, arquivei nos escaninhos da memória um bando de lembranças boas, mas não aguentei mais viver no asfalto, que deu aquela danura para arribar de volta pro sertão.

A ideia era antiga e desde que, em 1962, larguei meu torrão e fui enfrentar o mundão aberto sem porteiras, já tencionava retornar. Mas como saí de casa meio verde, na casa dos 18 anos, inexperiente, com uma das mãos na frente e a outra atrás (no dizer do povo), carecia um burilamento em regra nas maneiras, um banho de loja pra mode conferir um pouco de presença e, principalmente, a conquista de um pouco de experiência para pelo menos dizer que a tinha voltado.

Assuntei as coisas, rasguei caminho mundo afora, morei em Brasília, vesti farda do exército, passei precisões com orgulho de não pedir as coisas em casa, até que, por um acaso, dei com os costados em Belo Horizonte.

Deliberado a voltar um dia, pensei duas vezes para casar-me. Inobstante não tenha sido contemplado pela mãe natureza com dotes físicos, há sempre um chinelo velho para um pé doente. Mas não cedi às tentações da cidade grande e fui buscar uma companheira lá na terra, para que, no futuro, em vez de empecilho, houvesse um estímulo à volta.

Sempre tive uma influência danada pra ler e escrever (um dia ainda aprendo), e isto me valeu, pois li praticamente todos os clássicos, estudei muito, aprendi um alarme de coisas, que não era do meu feitio largar sem ler até o “Almanaque Capivarol”.

Fiz de tudo, devorei estantes de livros, curiei a vida em meu derredor, e no serviço público amealhei experiências de subalterno e de chefe, fui um espécie de “pra tudo”, mas a sociedade exigia um canudo para impor, e lá fui eu grosar banco de faculdade, deliberando aliar a vida de autodidata à de estudante, fazendo um tanto de Jornalismo, outro de Letras, para finalmente pegar embocadura no Direito, que depois me deu aquele diplomão de pergaminho pra grudar na parede e conferir ares de vaidade e grandoria, que pra mim nada trazem.

Na terra das alterosas, posso dizer que consegui plantar alguma coisa: foi lá que consegui publicar meus primeiros livros: foi lá que um bom jornal me franqueou coluna diária por mais de três anos e meio, onde me fiz cronista, articulista e crítico literário, com um nomezinho que até valia a pena conservar e deixar por lá; entrei na roda dos intelectuais (de início, meio velhaco, mas depois confiante, pois sempre tive o orgulho de dizer que Anhaguera quase nada deve a Borba Gato). Amizades, fiz com acadêmicos e literários, conheci o vira-e-mexe de um jornal e de uma grande editora como autor cativo; enfim, estaria realizado, se não fosse goiano.

Mas uma coisa ficou cutucando cá dentro: faltava-me o cheiro de pequi, o aroma da terra molhada das primeiras chuvas, o descompromisso do tempo escravizado pelo relógio, a liberdade e a paz de espírito que um alto salário não compra. Quando me deu aquela doidura, não pensei duas vezes: juntei meus quase nada, desobriguei dos quefazeres, arrebanhei os meninos e arrepiei caminho de volta para ver se podia ajudar de alguma forma a terrinha.

Sentindo-me como uma árvore cujos galhos estavam frutificando em quintal alheio, acelerei meu retorno, trocando as mordomias do emprego federal e as atenções de fiéis leitores da coluna que mantinha, pela satisfação de estar de volta.

Ganhei vida nova: dirigi o Instituto de Menores de Dianópolis, dei minhas aulinhas de Língua Portuguesa, Literatura e Direito no Ginásio em que estudei e procurei entrosar-me com minha gente, conhecendo nossos escritores e vivendo nossa cultura.

Larguei a vida postiça, graças a Deus! E para não fazer parte de mal-agradecido, digo que muito devo a Minas, mas lá só volto a passeio, pois meu lugar é aqui.”

Larguei duas laudas na mão de Washington Novaes e fui embora. No dia seguinte, saiu no jornal. E nunca mais deixei de escrever.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia  Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado – [email protected])

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