Modernidade líquida
Redação DM
Publicado em 24 de janeiro de 2016 às 22:54 | Atualizado há 10 anos
Muito se fala de modernidade líquida, de novos valores ou da perda deles, da falta de solidez das relações humanas e de um mundo regido pelas futilidades. O homem nunca foi tão fútil; basta um olhar sobre interação emocional entre pessoas e animais, que, na atual conjuntura, foram elevados à categoria de gente – foram humanificados.
A reestruturação social em curso que atinge o mundo todo tem início com o advento da comunicação social de massa, que, expandida pela internet através das redes sociais, potencializou o individualismo e reenquadrou as sociedades. A velocidade das informações e sua instantaneidade quebraram todos os ritos da formalidade e o paradigma do efêmero é a nota mestra que afina todos os instrumentos da comunicação humana.
Tudo isso é resultado do capitalismo e sua sede insaciável pelo mais; é a extrapolação do limite – mesmo porque não há limites e nem fundo, o poço da ambição.
A corrida deflagrada pelo capitalismo elevou o sujeito social para além de seus limites, e a ciência, que poderia ser entendida como alternativa social, na verdade construiu e reafirmou a realidade do instinto humano que é sobrepor-se ao outro – na verdade, estamos como se numa corrida armamentista de nós contra nós mesmos. E nosso instrumento de guerra é a tecnologia construída de forma insana pelos grandes provedores desse mesmo capitalismo que não mede as responsabilidades sociais de seus inventos. Vivemos sob o império do efêmero idealizado de forma involuntária pela estrutura capitalista que rege as nações.
O que fazer? Zygmunt Bauman, no seu pessimismo sociológico, possui uma linha de pensamento que está paralela ao conceito de que não há mais relações sólidas entre os sujeitos objetivos, uma vez que a subjetividade, hoje, está em primeiro plano na construção e na interação sociológica, senão de todos, da maioria absoluta.
A concepção fria do pensador polonês acha eco, principalmente, nos fóruns acadêmicos, e, a medir pelo que se vê hoje nas relações sociais, ele está absolutamente certo. Mas, ao reler sobre os descentramentos de Stuart Hall em A Identidade Cultural na Pós-modernidade, que vai do marxismo ao feminismo como forma de reestruturação sociológica, podemos observar que há um novo deslocamento social em curso com base nas liberdades. Liberdades apropriadas através das novas tecnologias, pela reinvenção da ciência democrática.
De posse dessas novas tecnologias, o homem pós-moderno, no encontro de si mesmo com sua finitude; de seu reconhecimento de que seja um ser à parte e que está fora do conceito de simbiose física, que reconhece na materialidade das relações o distanciamento, este homem não está se tornando individualista, mas começa a descobrir-se a si mesmo como individualidade, e isso traz consequências; a maior delas, a solidão.
O ser parasitário, que se alimentava do conjunto social em sua plenitude e de forma ideológica, descobre uma nova ética; ele encontrou a realidade do não pertencimento e, consequentemente, do distanciamento, o que lhe trouxe essa amarga percepção. O homem se encontrou subsumido no rebanho e busca no transhumanismo a nova razão para sua esgotada existência. O vazio humano hoje é o mesmo que a de um filho adotivo que descobre não pertencer ao genoma familiar. O grande desafio é ver-se como ser em sua própria individualidade e não como uma peça a mais do processo sociológico fictício ao qual está submetido; é o encontrar do homem consigo mesmo na intimidade mais aguda, reaprendendo na solidão e na angústia o que vem a ser esse novo descentramento social.
(Waldemar Rego, jornalista, escritor e artista plástico [email protected]) (ilustração no e-mail – legenda: Pessimista, mas com lógica perceptiva fora do comum, Bauman enxerga o homem pós-moderno como objeto)