Modernismo em pintura
Diário da Manhã
Publicado em 14 de março de 2022 às 13:40 | Atualizado há 3 anos
Ainda estamos “ruminando” a bendita Semana de 22, o Marco Modernista, que por decreto de um grupo da burguesia abastada de São Paulo, impôs as suas vontades por sobre um Brasil então, arcaico, conservador, ruralista…,qualquer semelhança com a atualidade, não seria mera coincidência…mas, vamos ao que interessa:
Toda a ação, acontecida no Teatro Municipal de São Paulo, terreno ocupado até então, por intelectuais e artistas conservadores, reacionários…, refratários às ideias que não estivessem em acordo com o pensamento deles e do público consumidor idem, é óbvio. Ação reação; ce n’est pas?
Mas, porém, como toda ideia tem sua gênese, sua derivação, motivada por algo provocativo, é do conhecimento de muitos dos leitores que por ventura estejam lendo essas palavras, que a inspiração desse movimento Modernista, nasceu, depois de uma exposição em 1917, da pintora Paulista Anita Malfatti (1889 – 1964) inaugurada naquela capital da política do Café com Leite, do então Presidente do Brasil Washington Luiz, diga se de passagem, padrinho de casamento de Tarsila do Amaral com Oswald de Andrade, junto com o então Governador do Estado de São Paulo Júlio Prestes em 1926. Mas, esse é outro tema. Porém, aqui podemos entender porque Tarsila é mais divulgada do que a Anita Malfati
Anita Malfatti era cosmopolita, seu pai era italiano, sua mãe de origem alemã nascida nos Estados Unidos, ela estudou pintura na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Estava familiarizada com a vanguarda praticada nos chamados “países desenvolvidos”, trouxe para o país, aspectos do expressionismo e do fauvismo, correntes,ou vogas importantes, que foram e ainda são disseminadas em todos os continentes do ocidente ao oriente, sem fronteiras, sem discriminação, chagando até o nosso Estado de Goiás. Porque não? Somos um endereço importante no universo/ multiversos
É importante observarmos o quanto ela estava atualizada, pois o movimento Dada (movimento libertário no amálgama da cultura universal) fundado pelo Filósofo, Romancista e Místico Hugo Ball na Suíça, se deu em 1916, e ela já em 1917 trazia para o país, o sêmem que inocularia ideias preconizadas pelos dadaístas no qual eles tinham como mote o seguinte:? “Nós não procuramos nada, nós afirmamos a vitalidade de cada instante. O que interessa a um dadaísta é sua própria maneira de viver”. Lacrou.
Ela, a Anita, voltou da europa, e sem pretensão de provocar polêmicas, embriagada por ideais dadaístas que pululavam no velho continente desde o advento do impressionismo – sim porque com o impressionismo, ainda em 1874 podemos detectar fragmentos de liberdades que iriam ser preconizadas pelos dadaístas de 1916, vide os escândalos homéricos causados nessa época pela arte desses revolucionários, em Paris.
Anita “causou” enorme escândalo na sensibilidade provinciana em 1917 em São Paulo, no qual foi barbaramente atacada pela ácida crítica do influente escritor da época, nada menos do que o Monteiro Lobato, que no dia 20 de dezembro de 1917, escreveu um artigo no jornal O Estado de São Paulo, detonando a exposição da artista, “afirmando”, questionando se aquilo – a pintura – era “paranóia ou mistificação…”!?, e se não bastassem as palavras cáusticas do Lobato, ajuntou as ácidas críticas também da parte da família conservadora da própria artista, fazendo coro ao Monteiro Lobato, afetou profundamente a sensibilidade, e obviamente a pintura de Anita Malfatti naquele período… Depois do artigo deletério do ilustre escritor na Folha de São Paulo, muita gente que havia comprado quadros na exposição aqui referida, devolveu os quadros, e quem tinha intenção de comprar alguma obra na exposição, desistiu…
Ela (convenhamos, tinha suas razões) quase desistiu da pintura, mas felizmente, depois de um período flertando com a pintura acadêmica, talvez para tentar reconquistar o apoio no seio familiar, um grupo de artistas e intelectuais do porte de um Oswald de Andrade, um Emiliano Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e a própria Tarsila do Amaral, dentre outros abnegados intelectuais que viria a provocar a ruptura estética reinante na época, com o advento da Semana de 22, deram apoio moral para Anita Malfati sair de sua depressão e continuar sua pintura visceral de tese gloriosa expressionista…
Em minha modesta observação, em se tratando de pintura, Anita Malfatti é mais interessante, ou pelo menos mais excitante, do que aquela que, mesmo não tendo participado da mostra pictórica oficial, no Teatro Municipal em 1922, e é sinônimo do modernismo brasileiro, que é a Tarsila do Amaral, se me permitem uma comparação, eu fico com Anita Malfatti, a verdadeira agente que de maneira despretensiosa, introduziu o modernismo no sangue latino do brasileiro.
Anita faz um paralelo direto com expressionistas/fauvistas (guardada suas distâncias) , cito o exemplo da pintura excepcional de um Maurice de Vlaminck, o mais selvagem dos pintores fauves, e ainda, acho que ela comunga com a pintura de um Oscar Kokoschka, e, “desaguando”, influenciando generosamente na pintura brasileira produzida em muitas regiões do Brasil até os dias de hoje, e como ilustração paradigmática, cito o trabalho de um mineiro genial, como o Inimá de Paula (1918 – 1999), pessoa no qual tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente aqui em Goiás, em uma exposição organizada por Px Silveira na lendária Multiarte Galeria, ainda no início da década de 80.