Mulheres ( e homens) que arriscam a vida para ficar bonito ou modificar o corpo
Redação DM
Publicado em 4 de agosto de 2018 às 23:09 | Atualizado há 7 anos
Uma “falsa-médica-esteticista” , depois de denunciada por três mortes em suas clientes por aplicação de polímeros glúteos, disse nas redes sociais : “Sim, elas morreram, mas morreram porque me procuraram, eu não procurei ninguém; e o pior, morreram muito felizes por estarem mais bonitas”.
Nós seres humanos, temos vários “instintos corporais”, p.ex., ficar mais bonita, mais “apetitosa”, com aparência mais harmoniosasaudável, procurar mulheres com seios grandes, glúteos grandes, cintura bem definida ( a natureza faz os homens procurarem estas mulheres porque , teoricamente, são melhores provedoras para a futura prole ). Como tudo em Biologia, tais “instintos”, ou padrões comportamentais inatos ( ver “Fundamentos da Etologia”, por K. Lorenz , Ed. Unesp ), pode exagerar-se e virar doenças, ou seja alterações biológicas que prejudicam biologicamente ou ambientalmente a preservação da espécie. Por exemplo, há várias doenças psiquiátricas onde estes instintos estão exagerados ou diminuídos, produzindo prejuízos para o indivíduo, para a espécie.
Por exemplo, algumas pessoas ficam obcecadas com peso ( doença da anorexia) , com forma física ( vigorexia ) , com alimentação ( ortorexia ) , com padrões estéticos ( dismorfofobia ), comendo excessivamente ( bulimia ), copulandoseduzindoconquistando excessivamente ( ninfomaniasatiríase transtorno de personalidade histriônica), brigando excessivamente ( síndrome de descontroleexplosividade intermitente ), acumulando demais ( síndrome de Diógenes ), dominando e controlando excessivamente ( transtorno de personalidade dominantesádica ) , tentativa de mudanças corporais mutilatórias ( transsexualismo, transtorno de alteração da integridade corporal ), etc. Todas estas alterações “instintivas” podem ser geradas por desregulações biológicascerebrais. Há muitas destas condições, por exemplo sindrome de dependência dopaminérgica, síndromes de hiposerotoninergia, depressãoes, obsessões, hiperatividade, bipolaridade, psicoses, transtorno delirante , síndromes somatoformes, hipocondria, lesão do lobo frontal ou temporal, hiperfuncionamento do sistema límbico, hipofuncionamento frontal, etc. Muitos obsessivos com peso, por exemplo, “morrem, mas morrem felizes, pois morrem magros”. É deste tipo de psicopatologia – “morrer feliz” , morrer magro, morrer mutilado, morrer bonita – que a pseudo-médica-esteticista falava, no início deste artigo.
No entanto, não só desregulações biológicas podem induzir à patologia. Há situações sociais que podem induzir à patologia aquelas pessoas que já têm uma predisposição biológicotemperamental para aquela tendência. Por exemplo, as redes sociaismídiashow business estimulam a divulgação da beleza, o exibicionismo, o voyeurismo, a formatação de um padrão específico de beleza. No Instagram, por exemplo, vale muito mais a apresentação físicaestética da pessoa do que o conteúdo de seu pensamento, do que a riqueza de suas emoções. Nos dias de hoje, passamos mais tempo nas redes sociais do que no convívio pessoal, portanto há uma tendência à dar mais valor na aparência do que ao afeto, do que as relações humanas, do que ao conteúdo cognitivo compartilhado com os outros.
Esses estímulos sociais podem induzir à patologia pessoas que não são , propriamente, patológicas, doentes, mas cujas tendências patológicas tênues podem superficializar-se em presença de estímulos sociais. Por exemplo, grande parte das mulheres têm preocupação estética corporal, algumas a nível patológico, ou seja, submeteriam-se a procedimentos com ou sem pressão social. No entanto, há algumas cujo instinto estético é menor, mas que aflora diante de pressões sociais ou mesmo sexuais ( um maridonamorado, p.ex., que olha “a bunda de outras mulheres – como no Brasil tem às pampas – e reclama que eu sou muito chulada – sem bunda” ). Já há outras mulheres que, mesmo com uma tendência estética normal, mesmo com pressão estética socialsexual intensa, não irão submeter-se ao tratamento estéticocorporal.
Pressões sociaissexuais intensas, atuando em “focos inatos de instinto” ( por ex., “instinto de beleza” ) podem produzir comportamentos estéticos-mutilatórios, mesmo em pessoas anteriormente normais do ponto de vista neurobiológico . Um país muito preocupadoatuante quanto à sexualidadeestética, como o Brasil, produz legiões de procedimentos, justamente por causa deste mecanismo. Em alguns casos, estes mecanismos ultrapassam a normalidade e roçam, tocam, a patologia , por ex., quando uma mulher diz que “não está nem aí em morrer nas mãos de um charlatão, desde que morra feliz e bonita”.
Qualquer instinto biológico ( ser bonito, comer, emagrecer, copular, dominar, controlar, toxicomanizar, amealhar, beber, etc ), quando não controlado por relações sociaisafetivas adequadas, pode degenerar-se em doença, ou seja, mecanismos neuropsicobiológicos que levam à destruição do próprio organismo. Tanto ratinhos quanto seres humanos que têm um eletrodo estimulante implantado em seus hipotálamos irão apertar uma alavanca de prazer até morrerem, exauridos de gôzo. Num mundo tão pouco “afetivosocialfamiliar” como o nosso, é natural que cresçam e aumentem estes comportamentos de “morte por prazer”. Por exemplo, suponhamos uma esposa e seu marido, numa zona rural, cidade pequena, há 70 anos atrás. A esposa tinha o marido, os filhos, a família dos pais, a Igreja, a religião, a ordem e a disciplina, a dedicação mais pessoal aos outros, a comunidade, tudo isso para preencher sua vida. Não havia mulheres com “bunda de fora”, não havia mulheres peladas, pornografias, fios-dentais, para estimular o apetite sexual do seu marido e a inveja dela. Hoje tudo isso mudou.
Há , além de tudo, o estresse do trabalho, do transporte, da necessidade financeira, há a insatisfação conjungal, aumenta-se ansiedade, depressão, problemas de divórcio. Muitas mulheres tentam “segurar o marido”, “salvar o casamento”, melhorar a insatisfação existencial, melhorar a auto-estima, “tratar a solidão”, “preencher o vazio” “apimentar a relação”, simplesmente “mudando a bunda”. É o que Freud chamava de “desviar a libido do outro para o próprio corpo”. O amor, as relações sociais, a dedicação ao outro, a preocupação com o outro, a confiança no outro, a felicidade afetiva ( e não apenas sexual ), a felicidade com o trabalho pela comunidade, tudo isto é coagulado numa “mudança do culote”, “ele é que é a causa de minha infelicidade”. O estado de ansiedadedepressão em que vivemos também pioram as tendências obsessivas ( são mecanismos neuropsicobiologicos comuns, p.ex., baixa de 5HT na área cerebral do locus ceruleus , núcleo rubro), e estas tendências obsessivas, por sua vez, em muitas ocasiões desembocam em preocupações estéticas e coroporais.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra (hospitalasmi[email protected] ))