Mulheres empresárias e empreendedoras
Redação DM
Publicado em 26 de março de 2018 às 22:07 | Atualizado há 7 anosTive o prazer de, na semana passada, falar às mulheres empresárias e empreendedoras da Associação Comercial e Industrial de Anápolis (Acia), em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Abordei o papel da mulher no mundo empresarial e a importância da sua participação na construção de um desenvolvimento sustentável em Goiás e no Brasil.
Quando se fala hoje sobre a presença da mulher no mercado de trabalho em geral e, particularmente, no topo da gestão empresarial, fala-se, principalmente, a partir da perspectiva de uma falta, do ponto de vista de um déficit, do enfoque de uma ausência.
Essa ênfase na falta, no déficit e na ausência da mulher, é a perspectiva da sub-representação: a que constata que as mulheres, embora representem 41% da força de trabalho, ocupam somente 24% dos cargos de gerência.
É a perspectiva da falta de isonomia salarial: a que denuncia que as mulheres recebem em média 71% do salário dos homens, diferença que se torna ainda maior para as funções menos qualificadas.
É a perspectiva da dupla jornada: a que observa que nossa cultura, ao vincular moralmente a mulher a um papel doméstico, reduz sua disponibilidade e sua disposição para o mercado formal de trabalho, seja em que nível for da hierarquia. Em todos esses casos, procura-se demonstrar a desigualdade, procura-se comprovar a disparidade, procura-se denunciar a iniquidade.
Temos que reconhecer, forçosamente, que, por mais que tenhamos evoluído, vivemos ainda em uma “sociedade dos homens”, como a definiu o sociólogo francês Alain Touraine. Uma sociedade feita por homens e para homens. Em que a regulação automática da temperatura de equipamentos de ar condicionado é feita com base na temperatura média do corpo masculino. Em que os cintos de segurança são menos seguros para as mulheres, porque tomam como parâmetro a estatura e o peso médio dos homens. Até mesmo fármacos tendem a causar mais efeitos colaterais em mulheres porque os testes laboratoriais são feitos, predominantemente, com indivíduos do sexo masculino.
Sem desconsiderar a importância de toda a discussão sobre a violência – física e simbólica – a que as mulheres estamos submetidas, abordei uma outra perspectiva. Não a perspectiva da falta, por mais importante que seja; não a perspectiva da desigualdade, que nos revolta a todos; mas a perspectiva da diversidade.
Chamo a atenção para a mulher não como vítima de uma sociedade masculina, mas como elemento necessário para que este país possa realizar todo seu potencial. Quero falar da mulher não como problema, mas como solução.
As evidências de que as mulheres são parte da solução da crise que enfrentamos estão em toda parte. Consideremos, a título de exemplo, o acesso aos cursos de medicina. Trata-se do curso de graduação de mais alta demanda no país, em que a competição por uma vaga é acirradíssima. E hoje a maior parte dos aprovados nos vestibulares e processos seletivos da área médica são mulheres.
Falamos de uma das carreiras que mais atraem hoje. E os dados são inequívocos: quando há igualdade de oportunidade, a desigualdade de gênero desaparece. Não há falta, não há déficit, não há ausência. O que existe é a presença – e a excelência – da mulher.
Cristine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, defendeu, recentemente, o empoderamento da mulher como estratégia de resolução dos problemas que vimos enfrentando na economia global. Nas palavras da chefe do FMI: “Nenhum país pode se dar ao luxo de ignorar as contribuições que as mulheres fazem para suas economias”.
Lagarde ecoava os resultados do levantamento anual realizado pelo Instituto Global de Desenvolvimento e Empreendedorismo. O levantamento, que investiga o papel das mulheres na economia de 77 países, incluído o Brasil, busca identificar barreiras à iniciativa empresarial feminina.
A principal conclusão da pesquisa – em que figuramos em um péssimo sexagésimo lugar – é a de que os países que incluem menos suas mulheres no ciclo criativo da economia têm mais problemas econômicos. O estudo mostra que há uma correlação positiva e direta entre participação feminina na economia e inovação. Ou seja: mais mulheres empreendedoras significa mais produtos inovadores, mais processos inovadores, mais serviços diferenciados, mais potencial exportador, mais empregos. Em uma palavra: mais riqueza para toda a nação.
Não se trata – claro está – da inclusão da mulher como “consumidora”, condição a que durante muito tempo esteve reduzida em nosso capitalismo de base machista. Trata-se do empoderamento da mulher como agente da transformação econômica. Trata-se da mulher como empreendedora.
O empreendedorismo feminino – e a comparação entre os diversos países é particularmente elucidativa – é instrumento da renovação. Não apenas porque a mulher pensa o mundo a partir de uma outra perspectiva; não apenas porque a condição feminina se constitui a partir de uma outra história; não apenas porque nós, as mulheres, somos diferentes e passamos a zelar pelas nossas diferenças.
Mas, sobretudo, porque a mulher, por ocupar esses espaços profissionais pela primeira vez, pode romper com o ciclo da reprodução e da repetição do mesmo; pode produzir o inédito, o inaudito, o verdadeiramente novo; pode, enfim, ser o agente da inovação por que tanto anseia a economia brasileira.
Entendo que seja este o nosso papel, principalmente neste contexto de crise. Se estamos de fato interessadas em fazer deste um país melhor; se estamos de fato interessadas em assegurar um futuro mais promissor às próximas gerações, será importante começar por conceber estratégias de fomentar a participação das mulheres na economia a partir de uma outra posição: da posição de quem empreende, mais do que de quem consome; da posição de quem produz, mais do que de quem apenas repete; da posição, não de quem é desigual, mas de quem é verdadeiramente diferente, e que pode colocar essa diferença a serviço do país.
Porque o olhar feminino; o modo de ser e pensar feminino; a excelência feminina; o empreendedorismo feminino não é acessório ou periférico no desenvolvimento de uma nação. É uma condição sem a qual o país não realizará, jamais, tudo aquilo que poderia realizar.
Para encerrar, temos que constatar que, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), caiu a participação de mulheres em cargos gerenciais no Brasil em 2016. A pesquisa mostra que apenas 37,8% das posições de liderança eram ocupadas por mulheres em 2016, contra 39% um ano antes e 39,5% cinco anos atrás.
Como se vê, embora as mulheres já alcancem nível de formação superior aos dos homens, elas ainda são minorias no comando das empresas.
Os dados revelam ainda que a desigualdade entre homens e mulheres na gestão das empresas aumenta com a idade. Conforme os dados mais recentes, de 2016, a proporção de mulheres nos cargos gerenciais era de 43,4% na faixa etária até 29 anos e caia para 31,3% no grupo de 60 anos ou mais.
A pesquisadora do IBGE Luanda Botelho, coordenadora de população e indicadores sociais, diz que “a questão de a faixa etária mais baixa ter indicativos melhores pode representar que [ela] esteja começando a refletir agora a questão da melhor formação educacional das mulheres em relação aos homens”.
Um outro dado, extremamente importante, é que a pesquisa revela que a desigualdade na ocupação de cargos gerenciais é maior entre as mulheres pretas e pardas e homens pretos e pardos do que entre mulheres brancas e homens brancos. Do total de brancos em cargos de gerência, 38,5% eram mulheres, enquanto entre pardos e negros a proporção delas cai para 34,5%.
O IBGE conclui, por fim, que “de uma forma geral, o caminho a ser percorrido em direção à igualdade de gênero, ou seja, em cenário onde homens e mulheres gozem dos mesmos direitos e oportunidades ainda é longo para as mulheres e ainda mais tortuoso se esta for preta ou parda e residir fora dos centros urbanos das regiões Sul e Sudeste”.
Precisamos avançar em direção à igualdade de gênero. A participação da mulher no segmento empresarial veio para ficar e ficar com qualidade. Todo o meu estímulo às mulheres que, com sua liderança, contribuem para o desenvolvimento de nosso país.
(Lúcia Vânia, senadora (PSB), presidente da Comissão de Educação do Senado e jornalista)