Na boca de lobo: o Brasil, as eleições e o lobo
Redação DM
Publicado em 18 de outubro de 2018 às 04:17 | Atualizado há 7 anos
Vamos tentar entender este país: Para compreender este momento precisamos nos ater à alguns pontos. Em 2013 as pessoas foram às ruas pedindo mudanças. Boa parte das instituições, partidos políticos, movimentos sociais não souberam construir pontes de diálogo com este cenário e os manifestantes.
As pautas foram pulverizadas, vários grupos sociais foram às ruas, houve uma tentativa de síntese nacionalistas e contra a operação politica vigente. Os problemas ganharam maior dimensão quando as solicitações de mais serviços públicos encontrou limites na atuação dos municípios brasileiros.
No Brasil, boa parte dos direitos sociais ficaram a cargo dos municípios, a forma deu sua manutenção encontra dificuldades de operação por conta dos diferentes orçamentos da União, do Estado e do próprio município.
Houve uma disputa na operação dos recursos da sociedade. Surgem as discussões sobre as formas de financiamento do Estado, as condições de trabalho e os custos de produção. Nesse contexto o patronato, com o Pato do Fiesp, se organizou e propôs uma agenda: mudança do regime fiscal. Pagar menos impostos, garantir as finanças públicas voltadas para os investimentos privados e deixar os direitos sociais de fora.
Havia um problema e um contexto importante: as consequências da crise de 2008 e as eleições de 2014. Venceu o PT. No entanto, sua dificuldade de construir outro paradigma econômico, os limites das alianças do partido, o envolvimento de figuras do partido com esquemas de corrupção, somados a atuação limitada de retomada de crescimento erodiu o apoio popular.
A operação da oposição, de parte da mídia e do judiciário levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. Já em 2013, surgiram setores com práticas discursivas de extrema direita. Esses grupos conseguiram atuar de forma mais sistemática nas redes sociais, não apenas construíram ferramentas discursivas, mas também uma nova forma de comunicar: a auto-evidência.
Essa prática leva a verdades próprias e o outro não existe no diálogo, somente sua falta de compreensão de uma verdade cristalizada. Não somente a negação da história, mas o extermínio do discurso do outro e, a necessidade de destruir fisicamente supostos inimigos.
Num primeiro momento, pareciam muito chulos e caricatos. No entanto, havia uma figura que desde 2011 esteve nas redes sociais construindo suas auto-evidências: Jair Bolsonaro. Sua leitura do momento o levou para um terreno novo: as redes sociais.
Aqui não há o contraditório. A extrema direita brasileira trabalha com auto-evidências numa cruzada em que o inimigo possui poderes quase sobrenaturais. Eles não fazem uma disputa de ideias, são reveladores de verdades difíceis de serem apreendidas.
O contexto da crise política e econômica permitiram tal discurso chegar ao povo. Este, por sua vez, cansado de uma democracia limitada ao ato de votar e das operações às escusas. Tal cenário permitiu ao candidato de extrema direita parecer o anti-sistema.
No entanto, há mais do que Bolsonaro. Há aqueles que usam o ódio como ferramenta, há os que sabem da necessidade de diminuição da operação democrática para estabelecer crescimento econômico. Estes sabem do perigo: aqueles grupos intolerantes podem sair do controle, no entanto, são necessários na tentativa de garantir a direção do Estado Brasileiro.
Tal grupo não consegue balancear direitos sociais numa ponta e a operação exportadora, industrialização, o controle do câmbio e a competitividade com amplos setores produtivos, sem uma retaguarda do Estado.
A maneira da operação da política econômica brasileira chegou a 2014 com superávit, embora seu avanço se dava às condições do crescimento da economia chinesa. Quando o cenário muda, o quadro nacional muda. A saída internacional para crise de 2008 foi aumentar o investimento do Estado para expandir os gastos no setor produtivo, salvar os bancos e aquecer a economia. Deu certo, mas logo as medidas de austeridade, quando se diminui a presença do Estado, inverte os gastos com direitos sociais para equilibrar as contas públicas, voltaram com força.
No Brasil, este cenário resumi-se na promulgação da PEC 55 que congela investimentos. Estamos em 2018 com saudades do século de Adam Smith. Essa limitação de paradigma econômico com medo de dívida pública, da inflação e a ladainha de controle das contas, nos levaram a disputas: como irá operar o Estado? Quais suas prioridades?
Há amplos setores que conseguiram se organizar. Qual o dilema? Tem uma eleição em 2018 e existe a política. Neste cenário de desilusão, sejam aqueles que saíram às ruas em 2013, sejam os organizados em torno da eleição da Dilma, em 2014, desiludiram-se.
O novo embate discursivo, os interesses sobre a operação do Estado, as notícias sobre escândalos variados, fizeram boa parte da população não acreditar na política. No entanto, a ascensão da extrema direita, alinhada à parte do mercado (míope quanto a conjuntura internacional), parece ser o anti-sistema (contra tudo “isso ai”), e na verdade seus interesses são a maneira como o Estado irá operar, e isso não importa o custo político.
Mesmo que seja a democracia.
(Flávio Batista, professor de Geografia, mestrando em Direitos Humanos no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos, da Universidade Federal de Goiás- UFG)