Opinião

Não é só o povo que está revoltado com a Justiça

Redação DM

Publicado em 10 de novembro de 2016 às 01:50 | Atualizado há 9 anos

Tenho me batido contra os desmandos do Judiciário, que está a um focinho de ganhar a corrida do descrédito com o Legislativo. Isto, porque, a par de não confiarmos no pessoal de toga dos órgãos colegiados, agora os próprios juízes e desembargadores estão sentindo na carne a parcialidade principalmente de um órgão que supostamente foi criado para ajudar o Judiciário a ser independente, através de um controle externo, mas está sendo utilizado exatamente para fazer o contrário: usar a política para expelir dos quadros da magistratura aqueles que têm coragem de decidir contra os interesses dos políticos e poderosos.

Em artigos anteriores, já falei no “SNI do Judiciário”, o Conselho Nacional de Justiça, que de repente transformou-se em monstro, mas não há quem reconheça isto, como o General Golbery do Couto e Silva teve a humildade de dizer que tinha  criado um monstro, referindo-se àquele órgão de informações e contrainformação.

O crescente número de magistrados independentes que foram guilhotinados pelo CNJ assusta, a ponto de termos criado no WhatsApp um grupo chamado “Juízes em luta”, que a cada todo dia cresce, cada um com sua história de motim contra os desmandos dos grandes empresários, dos políticos e até de membros do Ministério Público, sequiosos para aparecerem na mídia e, de quebra, livrarem-se daqueles que lhes são a “pedra no sapato”.

Começou com um colega de Santa Catarina, que foi “rifado” por ter feito Justiça a seu modo, mas sem arbitrariedade, tendo sido alvo de um comentário em vídeo de Ricardo Boechat, que ganhou mundo e viralizou nas redes sociais; temos um juiz do Ceará, que teve a mesma sorte porque se rebelou contra um promotor parcial; juízes e desembargadores de Minas, de Goiás, do Tocantins, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e de outras partes são integrantes do grupo, todos perseguidos pela própria Justiça, e estamos até cogitando de criar uma associação de caráter nacional, tal o número de magistrados que sentiram o peso da política, do Ministério Público e de poderosos nas aposentadorias compulsórias, e – sem querer vitimizar-me – fui penalizado com nada menos que vinte e cinco processos, todos arquivados, e só não me aposentaram com uma pecha vergonhosa porque “endureci o queixo” e tinha um advogado de primeira linha, Dr. Nathanael Lacerda, que barrou as investidas. Daí eu estar sempre escrevendo contra esse estado de coisas.

Mas o caso dos absurdos de corrupção e tráfico de influência chegou a tal ponto, que a corajosa jornalista paraense Ana Célia Pinheiro, criou um blog com o sugestivo nome de “A perereca da vizinha”, que encampou a luta contra os desmandos, e publicou uma carta aberta ao presidente do Tribunal de Justiça do Pará, na época o desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, da qual se extraem os seguintes excertos:

“Sob o seu comando, esse Poder magnífico, que é o Judiciário, transformou-se em mero capacho desse chefe de quadrilha que é o governador Simão Jatene.

Tornou-se, portanto, um mero fantoche da corrupção política e do crime organizado.

Nenhum processo contra essa quadrilha, por maior que seja o crime que cometa, consegue prosperar neste estado, devido a sua ação nefasta.

No entanto, todos os cidadãos mais bem informados sabem que é o senhor quem coordena essa rede de corrupção e tráfico de influência que hoje domina o Judiciário paraense, através da distribuição de benesses aos bandidos togados da sua marca, pelo governador.

Todos sabem que o senhor manipula a distribuição de processos, para que eles acabem nas mãos dos meliantes que integram a sua organização criminosa.

Todos sabem, mas ninguém fala, já que todos morrem de medo do senhor.

Porque de nada adiantarão provas, advogados ou o que quer que seja: ao fim e ao cabo, a sentença em um eventual processo será escrita pelo senhor, e alguma magistrado de quinta categoria apenas a assinará.

Hoje, o Judiciário paraense, sustentado pelos milhões de impostos dos cidadãos, serve apenas aos seus interesses e às quadrilhas que dominam este estado.

Os processos que o senhor determina, tramitam com celeridade impressionante, digna de uma Suécia. Já aqueles que o senhor não quer que andem, são simplesmente travados por algum de seus comparsas.

Corajosos e honrados juízes de primeiro grau, ainda tentam fazer Justiça, insurgindo-se contra a sua máfia.

Mas no Desembargo, o seu controle é quase total: um ou outro desembargador é que ainda busca, cada vez mais solitariamente, honrar a toga que veste.

Imagino como tamanho poder não lhe provoca quase um orgasmo, não é, doutor?

Imagino como o senhor se imagina “bom” e “puro”, ao papar uma hóstia, enquanto milhares de pessoas são assassinadas em nossas ruas, devido a sua psicopatia.

E eu creio que ao ver religiosos como o senhor, a papar hóstias ou a gritar aleluias, Deus deve é sentir uma tremenda ânsia de vômito.

Sei que ao publicar esta carta, doutor Milton, o senhor e a sua gangue transformarão a minha vida em um miserável inferno, até o fim dos meus dias.

Sei, também, que estarei sozinha; que muitos se afastarão de mim, como se portadora de algum vírus; e que outros tantos, a seu serviço, farão de tudo para destruir a minha reputação.

No entanto, depois de muito pensar, acabei concluindo que não há maneira de acabar com as quadrilhas que se apoderaram deste estado, sem antes desarticular a organização criminosa que o senhor comanda.

Nunca tive “vocação” para heroína, doutor Milton.

Sou é uma sobrevivente – e me orgulho disso.

(…)

Processe-me, doutor Milton, como, aliás, já o fez, e o senhor me arrancará quase nada, já que o pouco que acumulei ao longo da vida não vale nem R$ 2 mil.

Mande me prender, e eu continuarei a pensar e a escrever, para que todos saibam, no presente e o futuro, o bandido que é o senhor.

Mande me matar através dos jagunços da quadrilha do seu comparsa, Simão Jatene. Mas tenha certeza de uma coisa: só partirei daqui quando Aquele lá em cima determinar, porque nem o senhor nem ninguém é mais poderoso do que Ele.

(…)

Eu contra o senhor e toda essa bandidagem togada que empesta este estado.

Desta feita, sem acordos, sem sorrisos, sem dissimulações.

Vamos jogar de maneira crua, tratando o senhor da maneira que merece, porque assim, quem sabe, desperte o sonolento CNJ.

O que não dá mais é pra suportar o triunfo dos seus crimes, à custa de milhares de vidas, em todo o estado do Pará”.

E, como previsto, Ana Célia foi processada e seu corajoso blog condenado pela Justiça do Pará. E – mais vergonhoso! – a “Associação dos Magistrados do Estado do Pará” (Amepa), numa atitude de verdadeira subserviência e puxa-saquismo, para não dizer sabujice, expediu agora no dia 3 de novembro fluente, extensa nota de solidariedade ao desembargador Milton Nobre, assinada pelo seu presidente, Juiz Heyder Tavares da Silva Ferreira. Que vergonha, presidente!

Em tempo: o desembargador Milton Nobre, foi presidente do Tribunal do Pará de 2005 a 2007, e com todo esse vergonhoso histórico, foi escolhido conselheiro do CNJ pelo Supremo Tribunal Federal para a gestão 2009-2011, justamente aquela em que atuou a “xerife de saias” Eliana Calmon, que implantou o regime de terror na magistratura, caçando aqueles a quem chamou de “bandidos de toga”, os quais, na verdade, agiam ali nas suas barbas no STJ e outras cortes. Mas o CNJ desconhece que ministro é também magistrado, só punindo.juiz e desembargador

Não precisa dizer que Milton Nobre entrou na magistratura pelo fatídico “quinto” da OAB, como entraram outras excrescências, como os ministros Francisco Falcão,  João Otávio de Noronha e outros juridicamente analfabetos, que, mesmo vendendo decisões, estão lá julgando quem eles acham que vende.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado – [email protected])

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