Opinião

Nós não somos Orlando

Diário da Manhã

Publicado em 18 de junho de 2016 às 03:50 | Atualizado há 9 anos

Desde o atentando na boate gay em Orlando (EUA), na madrugada de domingo (12), que deixou 50 mortos e mais de 50 feridos, muitas pessoas pelo país e no mundo têm se mobilizado em redes sociais com a mudança de fotos de perfil com a frase ‘We Are Orlando’ (Nós Somos Orlando) em apoio à causa LGBT e em repúdio ao ocorrido na cidade norte-americana.

Confesso que levou certo tempo até que eu conseguisse assimilar que um crime desta magnitude acontecesse em pleno 2016. Teoricamente os avanços tecnológicos estão cada vez mais modernos e a sociedade, em contramão, parece estar caminhando a passos de siri para um caminho retrógrado.

O ato foi o pior ataque de tiros da história dos Estados Unidos, tendo em vista a quantidade de mortos. Segundo dados preliminares da polícia norte americana, o autor dos disparos, Omar Mateen (29), que mataram os 50 inocentes presentes na boate, tinha descendência Palestina, mas não foi comprovada a motivação religiosa para o ocorrido. As investigações apontam que o crime tenha sido motivado pelo ódio do assassino ao público LGBT. Visto que o pai de Omar confirmou que o filho sentia-se incomodado ao ver cenas de afeto entre pessoas do mesmo sexo.

Em Orlando existem 50 boates e apenas 2 são destinadas ao público LGBT. Seria no mínimo irônico um ataque desta proporção ser considerado terrorista. A religião não mata. Quem mata são as pessoas que se apropriam dela em causas próprias, a fim de disseminar o oposto de um dos principais preceitos pregado por Deus: “amar o próximo como a ti mesmo”. Neste mandamento não há ressalvas com relação à sexualidade ou gênero. Exatamente porque o amor de Deus (para os que acreditam) não segrega, não desrespeita, não maltrata, não incita ao ódio.

Enquanto em Orlando milhares de pessoas saíram de suas casas para doar sangue às vítimas sobreviventes. Em Paris, a Torre Eiffel se iluminou das cores do arco-íris, simbolizando a coloração da bandeira LGBT. Em Madri, na Espanha, pessoas foram à Embaixada norte-americana para deixar flores. E no Brasil, em contrapartida, tivemos que ler discursos de figuras políticas insinuando que os gays utilizaram o episódio, a fim de se promoverem.

O Grupo Gay da Bahia (GBB) divulgou dados relatando que 318 gays foram assassinados em nosso país só em 2015. É quase um homossexual morto por dia incentivado por crime de ódio. Em nosso país vivemos uma onda de intolerância e divisão extrema de opiniões. Donos de verdades absolutas, que se usurpam de textos religiosos para justificar atrocidades. Ouvimos belos discursos políticos que não resolvem problemas tão graves quanto é a homofobia no Brasil, pois as palavras não são convertidas em leis para a punição dos homofóbicos.

A mobilização em redes sociais é válida, pois incita o despertar de olhos para a causa, mas não é o suficiente. Caso não saia da esfera virtual e seja comentada e debatida em casa, universidades, até que chegue aos plenários de nossos representantes e seja revertida em soluções palpáveis.

Nós como sociedade, de certa forma, puxamos gatilhos invisíveis diariamente com piadas, brincadeiras, olhares tortos, violência mental e física contra pessoas que só querem ser felizes amando o seu semelhante. O que isso, afinal de contas, interfere nos direitos e deveres dos heterossexuais? Qual é o tamanho da insegurança sexual do indivíduo que se sente ofendido com a troca de afeto entre pessoas que se amam?

Nós fazemos parte dessa cultura machista, homofóbica e preconceituosa. Somente os padrões preestabelecidos são aceitos e as diferenças são tratadas como execráveis. Nós não atiramos nos 50 homossexuais presentes naquela tenebrosa madrugada de 12 de junho, mas atiramos diariamente em tantos outros gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros com a perpetuação dessa cultura que não acredita (ou se faz de cega) em crimes homofóbicos.

Mudar a foto de perfil é um gesto respeitoso, porém inicial, básico, longe de ser o suficiente. Nós, não somos Orlando, porque alimentamos nossas crianças desde cedo a desdenhar o que é diferente de um ideal imaginário. Nós falamos que somos Orlando, mas nós não demonstramos com atos concretos que repudiamos o crime de ódio. Nós não somos Orlando, porque, infelizmente, após a mídia deixar de dar cobertura ao caso, nós esperaremos outra tragédia acontecer para nos posicionar e debater superficialmente o tema. Nós deveríamos ser ou estar com Orlando, mas infelizmente não somos, nem estamos.

 

(Leonardo Coelho, relações públicas pela Universidade Federal de Goiás, pós-graduando em Comunicação Estratégica pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás)


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