“Notícias da terra”
Redação DM
Publicado em 10 de novembro de 2015 às 01:16 | Atualizado há 10 anosIracema [Dantas] dá-me notícias de personagens da cultura goiana. Alguns, amigos e objeto de admiração e apreço intelectuais, outros já revertidos em poeira e planeta. Fico sabendo, por essa diligencia, que o escritor Antônio José de Moura, aos 80 anos, já não escreve mais. Em entrevista ao jornal Opção, em 11 de Junho de 2012, ele se queixa de que fora abandonado pelo espírito da literatura.
Estaremos diante de mais um caso de escritor abandonado pela Musa ou que renuncia a escrever? Que abdicou da indignação e/ou do direito de insurgir-se contra a escritura do mundo e seus infernos interiores. Moura vive então em um sitio nos arredores de Goiânia, onde sempre viveu, desde que se mudou de Mambaí.
Queixa-se o autor de “Sete léguas de Paraíso” que não escreve mais. Sem motivação para escrever, vivendo recolhido ao silencio, está muito parecido com uma dessas personagens de Vilas-Mata, que se esmera em batear nas páginas que compõe com engenho e arte insondáveis segredos existenciais.
O tema não é estranho à literatura. Desde o exemplo notório de Sallinger– que se retirou do mundo da literatura após o grande sucesso que obteve com “O semeador no campo de centeio” –, que desde então tem vivido recluso, como o francês Henri Michaux, sem ligar para a pressão da opinião pública da qual quiseram, deliberadamente, se afastar. Vilas-Mata explorou esse tema, o apaixonante tema do escritor que renuncia ao ato de escrever, em um de seus livros. De fato, se não somos tolos, haverá um dia em que paramos para pensar e pesar a escritura, que resulta de um ato capaz de fazer do homem um ser superior, segundo Antenor Laurentino Ramos em entrevista a ser publicada na Fanpage da Editora Feedback.
Lembro-me de nossa conversa, num fim de tarde, no apartamento da atriz Sandra Simon, a algumas quadras do Bosque dos Buritis, quando Moura relatou sua determinação de, em data pré-fixada, deixar a redação do jornal em que escrevia. Moura, que machucara o pé jogando futebol, fazia-se acompanhar do filho Montezuma. Ele contou-me que havia decidido deixar o jornal para dedicar-se, justamente, aos livros e em particular ao romance, que pretendia escrever ou que acabara de escrever, “Sete Léguas de Paraíso”, inspirado numa figura messiânica que contaminou Goiás e provou um conflito armado de grandes proporções. Foi um encontro fecundo que resultou em um dos capítulos de meu livro “O ouro de Goiás”, que pretendo ampliar para uma reedição mais rica e cuidada.
Os colegas de Moura não acreditavam nessa determinação do escritor, de abandonar a redação numa certa data. Alguém propôs uma aposta contra a possibilidade de cumprimento desse compromisso íntimo. Ele aceitou o desafio e apostou com os colegas. Ganhou, nessa aposta, uma caixa de cervejas de um colega que se não acreditara nesse compromisso íntimo, firmado com o próprio interessado com ele mesmo, de a partir daquele momento passar a se dedicar exclusivamente a produzir sua literatura, e não a jornais que com a sua desumana rotina de trabalho anestesia o talento literário.
Moura estreou em livro em fins dos anos de 1970 com “Notícias da terra”, que li ao ser publicado, por empréstimo da escritora Alcyone Abrahão, que então residia em Natal, onde parara de suas andanças em território nacional, para dar forma ao que seria “Não coloque o macaco diretamente sobre o pavimento”, livro que registra suas impressões do Brasil. Devorei-o, em contato com uma prosa cheia de verve, entremeada de verdades cortantes, expressando-se com contundente fluência sobre a realidade.
(Franklin Jorge, escritor, jornalista e crítico de arte – facebook.com/Feedback)