Novembro azul e o toque da vida
Redação DM
Publicado em 25 de novembro de 2016 às 00:54 | Atualizado há 8 anosA literatura é como nossa vida, deve ser reciclada e atualizada sempre. Diante dessa premissa e do quadro dinâmico de tudo que nos cerca, este artigo, embora já publicado um dia, volta com pequenas alterações e no intuito maior de colaborar com a campanha Novembro azul, que visa a conscientização de todos em relação ao câncer de próstata, se não bastasse que nos últimos tempos sabemos que essa doença continua ceifando milhares de vidas por falta do devido acompanhamento e cuidados necessários.
Poderíamos denomina-lo de “artigo-alerta” que escrevi há algum tempo, mas que sempre foi, é e será atual, pois visa tão somente alertar tantas pessoas que passam pelo mesmo problema pelo qual passei e consegui desvencilhar-me conforme narrado abaixo.
Dia 7 de junho de 2008, 8:00h da manhã, no Hospital Neurológico em Goiânia, vi toda minha vida resumida e confinada em um centro cirúrgico. Mas até chegar naquele momento, vários foram os momentos vividos e passos dados.
Embora todos os exames preventivos houvessem sido realizados e nenhuma alteração mais significativa constatada, o urologista entendia ser o toque o melhor diagnóstico para a prevenção de problemas com a próstata, já detectados por outros exames laboratoriais, a exemplo do PSA.
Exame realizado e a consequente solicitação de uma biópsia em vista da constatação de pequena calosidade naquela glândula. Adiei ao máximo tal procedimento pois sendo leigo no assunto e por não sentir nenhum sintoma aparentemente considerável, não via necessidade para tal. Eis aí o grande engano da grande maioria. Mas por insistência das pessoas que me cercam, em especial de minha esposa, meus filhos e filha, certo dia resolvi submeter-me à tão solicitada biópsia.
Qual não foi a minha surpresa que dos doze microscópicos fragmentos pinçados, um acusava a presença de células cancerígenas em fase inicial. Solução óbvia: cirurgia visando eliminar o mal de uma vez por todas.
Exames pré-operatórios cumprindo o ritual para qualquer cirurgia de maior porte constatava que tudo estava de acordo com os parâmetros normais.
Foi após tudo isso que na data acima referida me vi naquela fria sala, cercado de pessoas vestidas de branco e aparelhos por todo lado para realização da cirurgia denominada prostatectomia radical.
Procedimento não muito complicado no conceitos médicos, mas delicado e que exige do cirurgião muita perícia e habilidade, em vista das consequências e sequelas pós-operatórias que podem advir.
A despeito de todo cuidado da equipe médica, após três horas e meia, já despertando daquele sono forçado, e já no procedimento da sutura externa, reclamei das dores que sentia, quando foi solicitado que o profissional responsável aplicasse mais um pouco do anestésico. Assim foi feito. Naquele momento ouço o mesmo dizer que eu empalidecia gradativamente. Foram as últimas palavras que consegui ouvir e entender. Após longo tempo, já refeito, fui encaminhado para a UTI, onde passei uma noite visando total restabelecimento.
No dia seguinte, já no apartamento, fiquei sabendo pelo meu médico que eu havia sofrido uma parada respiratória, em função talvez de um processo de intolerância do organismo que se manifestou quando da aplicação “do mais um pouco” da anestesia, o que exigiu intervenções de emergência para o pronto restabelecimento das funções vitais do meu organismo, em especial da respiração.
Diante daquela ocorrência, nos dois dias que ainda passei no hospital, passei a meditar sobre essa linha imaginária e divisória entre a vida e a morte. E a primeira constatação que o anjo da morte me inspirou foi a de que com ela termina a vida presente com todos os sofrimentos e injustiças que lhe andam associados. Além disso, a morte é justiceira para esta vida onde a injustiça é tão frequente, mormente nos tempos atuais. Quantas vezes vemos triunfar os injustos, os traidores e ficarem vencidas a honra e a dignidade e diante dessa constatação, infelizmente, muitos se desesperam. Mas quando nos pesarem as inúmeras injustiças desta vida terrena e passageira, é salutar irmos até ao cemitério, até ao meio dos mortos silenciosos e num momento se apaziguará o nosso coração rebelde.
Sim, a morte é justiceira! Diante dela nada vale a pompa, o orgulho, o desprezo pelos menos favorecidos, a insensatez, a ganância e muito menos a posição que se ocupava na hora derradeira. Não há possibilidade de a subordinarmos ou subornarmos com dinheiro nem sorrisos. Diante dela nada valem as proteções, as vênias e a formosura.
Que justiceira é a morte! Diante dela desaparecem todas diferenças terrenas, porém, manifesta-se a diferença verdadeira, que é o valor espiritual. Desta forma a morte nivela as grandes desigualdades humanas. É ela que nos coloca frente a um Juiz a quem não se pode subornar. Pouco importa que tenhamos tido posição elevada ou humilde, que tenhamos sido ricos ou pobres, descendentes de nobre linhagem ou de uma família sem bens e humilde, de imperador ou mendigo. “Nada trouxemos para este mundo, nada, também, dele poderemos levar.” E cabe ao ser humano, limitado e teimoso como é, muitas vezes adiar um pouco mais essa imutável realidade.
Podemos evitar sofrimentos, tanto pessoal como para aqueles que nos cercam, bastando para isso acreditar na habilidade de um profissional da saúde, pois somente ele é capaz de transformar a ideia que a grande maioria possui sobre a prevenção de uma doença que assola e ceifa vidas de homens em virtude do conceito errôneo e o preconceito machista e ignorante de não compreender que o exame de toque é o único capaz de detectar e preservar vidas e trazer a possibilidade de prorrogarmos e aproveitarmos muito mais a convivência com aqueles que amamos e que fazem parte desse ciclo maravilhoso de passagem pela Terra e que nos foi concedido, gratuitamente, pelo Criador.
(José Cândido Póvoa, poeta, escritor e advogado. Membro fundador da Academia de Letras de Dianópolis (To/GO), cadeira nº 12)