O abraço dos afogados em um país livre
Redação DM
Publicado em 31 de julho de 2015 às 22:27 | Atualizado há 10 anosPensei já ter visto de tudo nesta vida, mas, este país é mesmo surpreendente! O espanhol Salvador Dalí reinventaria o surrealismo se tivesse o desprazer de testemunhar a “Casa do Povo”, que parece mais a “Casa da Mãe Joana”, homenageando quem deveria estar prestando contas à justiça e a sociedade, pelas às acusações, as quais, foram feitas pelo Ministério Público do Estado de Goiás.
A Câmara Municipal, presidida por um grande vereador, que tem prestado relevantes serviços à população há muitos anos, desta vez, cometeu não só uma gafe, mas, um desserviço ao povo desta cidade. Particularmente, eu esperava mais, pela sua retórica, trajetória, história de homem público e como um defensor ardoroso da democracia!
Lamentavelmente, estou estupefato pelo ocorrido neste fatídico final de julho, quando tão honrada casa, numa grande demonstração de prestação de serviço público, resolveu homenagear um “sacerdote” – acusado de ser ex-funcionário fantasma da Assembleia Legislativa de Goiás durante 20 anos – com o diploma de honra ao mérito, por ser um grande defensor dos direitos dos trabalhadores, dos pobres e dos menos assistidos, segundo o vereador – propositor da belíssima homenagem. Talvez, buscando vitrine para mostrar suas respectivas e apagadas ações parlamentares, buscaram – alguns vereadores – no “bom samaritano” uma apoteose! Ah, outro aspecto relevante, provavelmente, são os votos que o referido homenageado, poderá angariar junto aos seus inúmeros defensores nas próximas eleições.
Solidariedade e prestação de serviços aos pobres, com dinheiro escuso ou de origem “duvidosa”, não me parece a melhor forma de fazer caridade, demonstração de amor, retidão ou redenção. Isto não o redime! Virgulino Ferreira, o Lampião, só não foi funcionário fantasma, dizia tirar dos ricos e dar aos pobres. Isto não o tornou menos cangaceiro e nem menos cruel. Alguns mega traficantes do Rio de Janeiro, São Paulo, são amados em suas respectivas comunidades, considerados protetores, defensores e grandes bem feitores. Isto não os tornam, menos traficantes, nem menos bandidos! Pablo Escobar na Colômbia, até conjuntos habitacionais mandou construir para a população carente de Bogotá. Isto não anulou o fato de ter sido ele, um dos maiores traficantes de cocaína do mundo!
Desvio de conduta, prática de crimes para financiar obras de caridade, como pretexto para camuflar, compensar ou se redimir, podemos pegar o Código Penal e o Judiciário e jogar no lixo. Dois pesos e duas medidas ou a imposição de uma espécie de amnésia cultural e coletiva. Em outras palavras, quer dizer que se a atividade ilícita tiver um fim assistencial ou filantrópico, o delito atenua, desaparece? “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, foi com este discurso hipócrita e dissimulado, que Joseph Gobbels, responsável pela propaganda nazista, protagonizou uma das maiores atrocidades da História da humanidade! Cuidado com os lobos em pele de cordeiros!
Caros leitores, penso que um erro, não justifica outro! Vivemos em um país livre, democrático e de direito. Regido por uma Constituição liberal, pautada no princípio da isonomia, salvo, algumas exceções, legais mas, imorais. Nesta perspectiva legal e jurídica, errado é errado, certo é certo! Ainda mais, quando o que está em questão, é o dinheiro público. Representantes legítimos do povo, portadores da palavra de Deus, que usam de prerrogativas vergonhosas e de grande prestígio social e econômico, apropriando-se indevidamente, do que deveria ser benefícios para cidadãos honestos, anônimos, miseráveis e ignorados pelos mesmos que homenageiam, congratulam e bajulam outros!
Não tem como não esperar ações diferentes, de quem lidera ou representa qualquer segmento sério! Ainda mais, intelectuais, profundos conhecedores das leis dos homens e de Deus! Com o dom da oratória e uma capacidade de persuasão, de defender-se atacando e com astúcia, de acusado a mártir!
Bem, se a finalidade da pataquada na honrada Câmara Municipal, mesmo com os pouquíssimos e exímios parlamentares, comprometidos e indubitavelmente, de conduta e moral inconspurcada, era subestimar a inteligência de alguns cidadãos, que contribuem com suas obrigações e espera muito mais dos nobres vereadores, não conseguiram!
Portanto, esta vexatória homenagem, está mais para um abraço de afogados! O que inclusive, sugiro que tem muita gente “boa” por aí, digna de tal glória. Um indigesto engodo, que pelo menos em um aspecto, a patuscada foi útil, revelou a vocação do nosso parlamento ao ócio!
(Marcos Manoel Ferreira, professor, pedagogo, historiador e escritor [email protected])