Opinião

O alienígena

Diário da Manhã

Publicado em 13 de maio de 2017 às 03:16 | Atualizado há 8 anos

Uma historinha de um indivíduo. Ele era conhecido no meio social como o ser que vive no mundo da lua, apático, “alienígena”,   estranho. Vivia em outra galáxia, abduzido por pensamentos diversos e aleatórios”, a morte da bezerra nas terras do além. Excêntrico, de poucos amigos, calado e quieto, um ser meditativo e anormal. Qual o diagnóstico desta personalidade?

O problema cognitivo de “estar alienígena” pode servir de base para muitos tratados de psicopatologia que vão dos estados de ansiedade acentuados ao déficit de atenção e hiperatividade. Todavia tais rótulos e estigmas perdem-se em uma visão na qual toda dinâmica de vida de uma pessoa é renegada. E de quem é o relato do primeiro parágrafo?

Divagar com freqüência tem vários sentidos e uma complexidade ampla. Muitos dos gênios da história da humanidade eram típicos alienígenas, Einstein, Mozart e Frank Zappa, por exemplo. Pessoas que dificilmente alguém conseguiria enquadrar em uma roda social convencional. Porém, como nossos psicopatologistas adoram convencionar a normalidade, massificar, talvez nos dias de hoje tais gênios seriam rotulados como anormais e modelados à sociedade de consumo pelo contexto da neuropsicopatologia, a nova moda da lobotomia em comprimidos. A cultura do biológico explica tudo de forma positivista.

Nosso personagem do primeiro parágrafo retrata Fernando Pessoa. A inteligência elevada mostra um dos primeiros fatores de divagação pela alta capacidade de abstração típica dos gênios. Desdobrar percepções e pensamentos é algo superior a média humana e, por isto, fora de uma convencionalidade massificada.

Se um indivíduo tiver alta crítica social, inteligência elevada, intuição ampla,  se for criativo,  provavelmente sofrerá da angústia, sentindo-se um peixe fora d´água, mesmo em ambientes aos quais tenha familiaridade, especialmente quando estes o relegarem à vida instintiva, coisificada e vazia. Voltamos ao sentir-se alienígena. Angústia, tristeza, sentir-se deslocado, sozinho no meio de muita gente é o comum atualmente para quem pensa e tem um mínimo de moral e ética. A vida religiosa é outro fator de ruptura com a convencionalidade, a mística  impõe a vida religiosa, a busca da individuação, a estranheza com a convencionalidade, gerando o estado “alienígena”. Todo místico é um grande peixe fora d’água. Isto por que desdobra com facilidade sua percepção por meio da intuição.

Mas o que temos feito hoje com nossas crianças diferentes? O que temos feito com pensamentos divergentes?  O que temos feito da nossa educação? Vamos por meio de comprimidos deixar todos iguais? O que fazemos com o grito da alma? Existe um aspecto saudável no sentir se diferente especialmente quando nossa civilização atravessa um período de crise de valores, crise de ideologia e identidade. Melhor ser estranho que corrupto ou um militante do caos. Necessário ter consciência para compreender os rumos da existencia na diferença. A isto chamamos Individuação! Ninguém faz história comportado. Criatividade e diferença andam juntas e são os “alienígenas” que fazem as inovações e a grande diferença  no mundo.

www.jorgedelima.com.br

 

(Jorge Antônio Monteiro de Lima, analista, pesquisador em saúde mental, psicólogo clínico  corrue músico, MSC em antropologia social pela UFG)


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