Opinião

O câncer da corrupção

Diário da Manhã

Publicado em 2 de julho de 2017 às 03:07 | Atualizado há 8 anos

A corrupção já está intrínseca na sociedade brasileira, em todos o níveis – seja ao querer tirar vantagem no troco, fazer um “gato” da tv a cabo ou, como tem sido noticiado, na compra de políticos para aprovação de projetos de empresários –, tudo é corrupção e, da forma como tem se alastrado, se torna um verdadeiro “câncer” do Brasil. A atuação de órgãos como Ministério Público Federal (MPF) e da própria Polícia Federal tem apresentado resultados para extirpar tal mal, no entanto, ainda não tem sido o suficiente, mas se mostra como caminho.

Conforme a pesquisa da Transparência Internacional, que analisa a percepção da população dos países sobre a corrupção (divulgada em janeiro), o Brasil está em 79º lugar no ranking entre 176 países em relação ao ano de 2016. O levantamento aponta que o alcance internacional dos esquemas e a atuação no exterior das empreiteiras brasileiras ameaçam deixar o Brasil com o emblema de “exportador de corrupção”. Apesar de tal, o Brasil mostrou que, através do trabalho independente de organismos responsáveis pela aplicação da lei, “é possível responsabilizar publicamente aqueles antes considerados intocáveis”, descreve o estudo.

O ranking leva em consideração a percepção que a população tem sobre a corrupção entre servidores públicos e políticos. Quanto melhor um país está situado no ranking, menor é a percepção da corrupção por seus cidadãos. A pontuação do ranking vai de 0, que representa uma nação extremamente corrupta,  a 100 – que reflete um país muito transparente. Segundo o estudo da Transparência Internacional, o índice brasileiro no ano passado é de 40 – dois pontos a mais do que em 2015, quando foi 38. Apesar da melhora na pontuação, em 2016, o Brasil caiu três posições em comparação com 2015.

Fim da corrupção

Em entrevista ao Diário da Manhã, o professor e especialista em marketing político Marcos Marinho não acredita que as operações da Polícia Federal – como a Operação Lava Jato, em que políticos e empresários foram presos – signifiquem o início para que a corrupção na política brasileira tenha fim. Marinho destaca que o trabalho da PF e de todo o Judiciário é investigar, acusar, condenar e prender criminosos, não só no ambiente político, mas onde eles estiverem. “E pelo que temos visto, não estão só na política, ainda que tenham muita proximidade com os políticos. O que colocará um fim na corrupção que há no ambiente político, é o fim da corrupção em todos os níveis da sociedade. Os políticos não surgem de outro lugar que não o seio da sociedade, e lá, nos postos de poder, são colocados pelas pessoas que não reconhecem o seu papel neste imbróglio todo”, aponta.

O professor reforça que falar somente de autoridades como MPF ou a própria Polícia Federal para colocar fim à corrupção é um equívoco: “Não há hipótese das autoridades extirparem o ‘câncer’, pois a metástase acontece em todas as partes do corpo social. Nos sindicatos, nas empresas, nas faculdades e escolas, nos bares, nas ruas e em todo o canto onde há alguém querendo levar vantagem sobre outro alguém ou sobre o sistema legal”, acredita e constata: “A distância entre o corrupto e o não corrupto está na proximidade que esta pessoa tem de exercer algum poder sobre os outros”.

Para o cientista político Luiz Signates, não é possível a extinção da corrupção, mas acredita em seu controle a ponto de se tornar uma exceção rara. “O combate parece-me ser a conjunção de dois fatores: primeiro, o estabelecimento de uma cultura da honestidade e da lisura, que percorra toda a sociedade brasileira, e não apenas os órgãos estatais e públicos. À corrupção pública se vincula a corruptibilidade privada, que só pode ser debelada por fortes e longos processos educativos. Não trato essa como uma questão moral e sim como um problema cultural. O brasileiro deve estar convencido de que constitui hipocrisia indignar-se contra a corrupção nos órgãos públicos ou entre políticos, e, em seu cotidiano, furar o sinal de trânsito, estacionar em fila dupla ou sonegar impostos”.

Signates também reforça que de nada adianta combater a corrupção em um aparelho judiciário corporativista e corrupto, ou no qual o juiz faça papel de advogado de acusação, e com um Ministério Público em que seja possível acusar e condenar por convicções e não provas, e com a inversão do ônus da prova. “Em síntese, as instituições de combate à corrupção devem gozar de autonomia para investigar e punir e, também, contar com contrapesos à sua própria atuação, forjando, assim, a imagem de justiça e lisura, jamais de justiçamento e perseguição”, ressalta.

Marinho destaca que o que inibe uma pessoa de ser corrupta “não é o medo das autoridades, mas a sua noção de alteridade, de cidadania, de respeito ao próximo, sua consciência social e capacidade de perceber que os problemas só serão resolvidos quando todos tiverem condição de perder o medo da ausência, o medo da necessidade, do abandono e da exclusão”. O professor ainda faz uma analogia: “O homem se corrompe por entender que a única forma de garantir o seu futuro é acumular coisas suficientes para que nada lhe venha a faltar. O problema é que quando sobra demais para um, acaba por faltar para muitos, e aí o desequilíbrio social passa a fomentar o medo e a abrir as portas para o egoísmo que, ao meu ver, está na raiz da corrupção. Lembrando que corruptos são o corruptor e o corruptível”.

Lava Jato 

A Operação Lava Jato, que tem desmontado verdadeiras quadrilhas criminosas no âmbito político brasileiro – tendo iniciado com investigações na Petrobras, em 2014 –, parece ser a última “salvação” para acabar com a corrupção, ao menos é o que pensa grande parte dos brasileiros. Conforme a pesquisa da Transparência Internacional, a dimensão dos fatos descobertos pela Lava Jato chocou o mundo e as investigações têm gerado “a imagem de um país que, como poucos, está levando a sério o combate à corrupção”, afirma trecho do estudo.

Conforme o professor Luiz Signates, em entrevista ao Diário da Manhã, a Operação Lava Jato foi a coisa mais importante que ocorreu na história do Brasil, em relação ao combate à corrupção generalizada que sempre marcou a história do País. “Evidentemente, não é nem será uma operação perfeita e a sociedade brasileira deve superar esse momento político e cultural de intensa polarização e discórdia para, serenamente, um dia, refletir a respeito dos acertos e erros da Lava Jato”, acredita.

Signates ainda avalia que a Lava Jato fez história ao encarcerar ministros e deputados de alto coturno, mas, ressalta: “não é perfeita”. “Coisas como os vínculos subterrâneos com a mídia, o vazamento seletivo de informações sigilosas, a prática de exceções nos juízos de culpabilidade, a transformação de juízes e procuradores em subcelebridades midiáticas justiceiras e o uso político golpista das reverberações  precisam ser repensados, a fim de que alcancemos um regime de combate à corrupção que seja permanente e sobretudo mais silencioso e eficaz”, considera.

Para o especialista Marcos Marinho, a Lava Jato vai além das questões legais envolvidas nas investigações, prisões, delações e inquéritos, visto que parte dos profissionais que atua na operação “adotou a estratégia de buscar respaldo na opinião pública, tentando se fortalecer contra os ataques que previam receber das forças políticas e empresariais que seriam por eles desmascaradas”, afirma. Apesar de ter tido um efeito e dar a impressão que colocaria fim à corrupção, a Lava Jato já não tem mais a mesma força ou intenção que no início.

“Por um tempo parecia haver esperança, mas as coisas, aparentemente, estão a sair do controle. Alguns atores aparentam se ter perdido no brilho dos holofotes e no aplauso nas claques. É difícil não notar que há um tratamento diferenciado com alguns dos investigados. Vê-se pressão constante em uns, e fotos, risos, afagos e silêncio em relação a outros. Paralelo a isto, como diria Romero Jucá: ‘construiu-se um acórdão’ para bagunçar o desenvolvimento das operações. Grandes forças se organizaram contra a operação Lava Jato, e, pelo visto, estão a se aproximar de seu objetivo”, analisa o professor.

Para a Transparência Internacional, apesar do Brasil apresentar oportunidades extraordinárias para combater a corrupção, como a própria Lava Jato e as dez medidas propostas pelo Ministério Público ao Congresso Nacional de combate à corrupção, há “riscos reais de retrocesso”, visto que a Câmara desconfigurou o pacote anticorrupção com a exclusão e/ou alterações de grande parte do que as medidas propõem.

 


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