O carnaval – sua história, sua alegria e seus excessos
Diário da Manhã
Publicado em 10 de fevereiro de 2018 às 23:42 | Atualizado há 7 anosConsta que o carnaval se originou no Egito, 2000 anos antes de Cristo, inspirado nos festejos religiosos em homenagem a ISIS e ao BOI ÁPIS (deuses egípcios); daí tais solenidades religiosas passaram, séculos depois, para as cidades gregas, onde se realizavam nas praças públicas, já de forma profana, com grande manifestação de alegria popular. Talvez o nosso bailado “Bumba meu Boi” vindo de Portugal seja reminiscência da antiguidade, porquanto cultua o animal, ao contrário das touradas espanholas que o violentam. Durante muito tempo, até sua proibição, acontecia no litoral catarinense a patuscada “Farra do Boi”, oriunda da imigração portuguesa, sobretudo da Ilha de Açores.
Posteriormente, as festas da Grécia se encaminharam para Roma e várias regiões do império. Na Gália (França antiga), os excessos foram tantos que levou o imperador a condená-las.
Durante a Idade Média, o carnaval alcança o mais elevado nível de delírio e exaltação popular nas cidades de Veneza, Turim e Nice, onde suas extravagâncias não tinham limites, com muita bebedeira e desregramentos de toda espécie.
A Igreja Católica, sem adotar a festividade, procurou discipliná-la no sentido de dar-lhe novo rumo. Prevaleceu a tolerância, mas o Papa Inocêncio II (1130-1143) foi muito rigoroso, exigindo punição para os praticantes de excessos. Entretanto, já nos albores da renascença (século XV), o Papa Paulo II permitiu a realização de bailes com máscaras e possibilitou a realização do carnaval em rua próxima à sua residência em Roma, onde ocorreram grandes excentricidades, inclusive uma corrida de judeus nus.
O rei Carlos VI patrocinava, em sua corte, bailes com exóticas fantasias e máscaras, e, num desses eventos, acabou sendo assassinado quando se achava fantasiado de urso.
O carnaval brasileiro, também muito licencioso, mas, ao contrário do que acontece em outros países, é uma apresentação de desabafo popular, que canta nas ruas suas dores e alegrias. Outrora havia muitas composições poéticas e musicais criticando, ironizando, com grande ardor, os maus costumes da época, como se pode ver nos versos da marchinha de Paquito, Romeu Gentil e Jorge Gonçalves, cantada pela inesquecível Emilinha Borba, em 1955; aliás muitos oportunos para a atualidade tão cheia de maledicência, especialmente a da notícia falsa das redes sociais (“fake news”): “ Você notou que eu estou tão diferente, a água lava, lava, lava tudo; a água só não lava a língua dessa gente”.
O nosso carnaval foi, aos poucos, se diferenciando do chamado entrudo português, em que predominava a farinha de trigo, gema de ovo, alvaiade e vermelhão para serem atirados nos transeuntes durante os três dias que antecediam o início da quaresma. Em substituição a tudo isso vieram os limões de cheiro, a água perfumada, o confete, a serpentina e finalmente o lança-perfume com éter, que foi proibido. Atualmente, as drogas ilegais invadiram o reinado de Momo.
As festas atuais estão concentradas em clubes, sendo que em algumas cidades grandes ainda se apresentam nas ruas, onde se pode ver o exagerado luxo das escolas de samba, com seus tradicionais desfiles sob o ritmo dos sambas-enredo, e carros alegóricos bastante enfeitados, com a presença de centenas de participantes, predominando o seminudismo.
O carnaval nas cidades italianas representava um período de muita licenciosidade, era uma espécie de festa de despedida da carne, antes de sua abstenção durante a quaresma por recomendação da Igreja Católica. A etimologia da palavra traduz perfeitamente o sentido de adeus á carne, ou seja, o vocábulo italiano “carnevalis” se origina do Latim “carnem levare”, cujo significado é deixar a carne. Há quem diga que a origem poderia ser na expressão latina “carnis levamem”, isto é, prazer da carne, ou ainda na locução interjeitiva “carnem,vale”! (adeus, carne!).
Não vejo fundamento na última hipótese, porque, se assim fosse, a palavra carne deveria estar no caso vocativo; então seria “caro” e não “carnem”, que é acusativo, e, conseqüentemente, segundo as alterações metaplásticas, “caro, vale! não poderia resultar no vocábulo carnaval. Também não vislumbro a possibilidade de a derivação ter sido na expressão “carrus navalis”, que teria sido, na Roma antiga, um barco enfeitado: não há base histórica para tal entendimento.
O festejo carnavalesco, afastados os excessos que geram graves conseqüências, é uma alegria popular para eliminar a tristeza, conforme diz o brocardo: “Quem canta, seus males espanta”. Há uns versinhos de uma antiga marchinha que assim expressam: “Anda, Luzia, pega um pandeiro e cai no carnaval, anda, Luzia, que essa tristeza te faz muito mal. apronta a tua fantasia, alegra o teu olhar profundo, a vida dura só um dia, Luzia, e não se leva nada desse mundo” (composição de João de Barro, cantada por Sílvio Caldas, em 1947).
A alegria sem exageros é coisa divina e por isso nada tem de ofensivo aos princípios de religiosidade. Os ensinamentos espíritas não proíbem a participação no carnaval, mas condenam os excessos prejudiciais ao corpo e ao espírito. É uma doutrina de responsabilidade que nos aconselha que, em princípio, podemos fazer tudo, mas é preciso parcimônia como adverte o apóstolo Paulo, em uma de suas epístolas, “muitas coisas são lícitas, mas nem todas nos convêm. “ Nesse sentido, há um editorial do órgão da Federação Espírita Brasileira, “Brasil Espírita, “ de fevereiro de 1971, destinado à juventude.
Existe uma mensagem do espírito Emmanuel, psicografada por “ Francisco Cândido Xavier”, publicada em 1969, no memorável “Cinco de Março”, que precedeu à criação do “Diário da Manhã”, condenando as extravagâncias carnavalescas como uma loucura generalizada capaz de provocar danos que uma existência inteira não poderia reparar. A mensagem critica o abuso de gastos com festas em detrimento da assistência aos necessitados.
Há, também, uma mensagem do espírito Humberto de Campos, através do referido médium, combatendo as excentricidades do carnaval carioca em 1939, conforme publicação de “O Reformador” da FEB. Depois de afirmar ironicamente que a colocação de máscara apenas desmascara a falsidade que alguns trazem em suas aparências, conclui que somente a eficácia da educação pode exterminar as mazelas dos desvarios e, somente assim, a semente da maçã podre das orgias carnavalescas poderia germinar algo melhor para o futuro das gerações.
Vê-se, pois, que podemos apreciar os prazeres da alegria existencial sem prejuízo de nossa realização espiritual, mas é preciso muito juízo para não perdermos o paraíso, como nos alertam os versos da antiga marchinha carnavalesca de Klecius Caldas e Armando Cavalcante cantada por Blecaute (1951), lembrando a simbólica história bíblica de Adão e Eva, muito infantilmente explicada pelas religiões tradicionais, que demonstra a prática sexual por mera atração física (“fruto proibido”) instigada pela mente ilusória sedenta de prazer (“cobra”). É o conhecido e real efeito cobra da Índia moderna, que, “mutatis, mutandis”, parece encontrar semelhança com a lenda dos primórdios da humanidade. Seria uma repetição da história? Segundo os adeptos do materialismo dialético, a história só se repete como farsa. Será verdade?!
Papai adão! Papai adão!
Papai adão já foi o tal;
Hoje é eva quem manobra,
E a culpada foi a cobra.
Uma folha de parreira,
Uma eva sem juízo,
Uma cobra traiçoeira,
La se foi o paraíso.
(Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de História e Língua Portuguesa do Liceu de Goiânia, é escritor e procurador de justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás)