Opinião

O Caso Spotlight e o perigo do olhar generalizador

Redação

Publicado em 10 de março de 2016 às 21:46 | Atualizado há 9 anos

Não decidi escrever este texto motivado pelos prêmios que a película recebeu da Academy of Motion Picture Artsand Sciences. Assisti ao filme recentemente por indicação de amigos e o tema já era objeto de vários debates caseiros com minha esposa, uma grande pesquisadora das questões sociais e da comunicação. Sendo assim o texto foi brotando em minha mente durante a sessão de cinema, se somando a mais um monte de cacos de reflexões que estavam soltos por lá, e praticamente saltando para as teclas do computador e pedindo para ser escrito.

Em um brevíssimo resumo informo que o filme trata do trabalho de um grupo de jornalistas, em Boston – USA, que investiga uma série de casos de pedofilia cometidos por padres católicos e que foram acobertados por pessoas do alto escalão da instituição religiosa, mas também por muitas pessoas da comunidade. Tratando com sensibilidade das perspectivas dos abusados, dos seus familiares e dos demais evolvidos, o filme confronta a prática do jornalismo, o corporativismo da instituição católica, a atuação omissa do sistema judiciário e, principalmente,a construção que muitas pessoas fazem – em um jogo forçado de custo-benefício – para justificar a omissão em prol da manutenção de um suposto bem maior.

Falas como: “ele é uma pessoa boa e que fez muito por esta comunidade”, colocada como justificativa para a ausência do confronto daqueles que praticaram o mal, automaticamente me fizeram lembrar dos diversos discursos que vi em timelines de mídias sociais e cenas de televisão, onde pessoas tentavam negar a imputação de culpa àqueles que consideravam terem feito “muito pelo povo”.

Não estou eu fazendo juízo de valor sobre ser fulano culpado ou inocente, o que desejo é suscitar uma reflexão acerca da dificuldade de admitirmos que as pessoas que admiramos também podem falhar. Vejo como dificuldade porque não se aceita, sequer, a dúvida, a possibilidade de investigação, de questionamento. Tal situação, sob minha ótica, só faz lembrar que muito sofrimento ainda é infligido à humanidade por conta de dogmas, de assuntos inquestionáveis.

Outro ponto forte do filme, e que me instigou a escrever este texto, é exatamente o reverso da moeda, aquilo que talvez você esteja pensando agora e que também me amedronta: a perspectiva de que toda instituição é desprezível, de que as pessoas não prestam e que não podemos confiar nelas.

Pessoalmente luto todos os dias contra o “olhar generalizador”, contra o impulso de julgar o todo pelas partes. No filme percebe-se que algumas personagens questionam toda a instituição, e até a própria fé, quando se dão conta dos crimes cometidos por tantos integrantes da igreja. E neste ponto revisitei muitos discursos, até de amigos, onde ouvi sobre o “nojo” da política e dos políticos. Também ouvi sobre jogar uma bomba no Congresso. Já tinha ouvido que “todo” padre é pedófilo, que “todo” pastor é enganador, que deveríamos acabar com a polícia e todo tipo de generalismos que se possa imaginar sobre instituições em que alguns de seus integrantes se desvirtuaram. Sim, alguns!

Será a fé menor do que a humanidade daqueles que a pastoreiam? Será mesmo que a política – algo milenar e que permitiu que construíssemos o mundo – é ocupação apenas de bandidos? Será que as forças policiais, repletas de homens e mulheres que arriscam suas vidas por estranhos todos os dias, realmente devem acabar por causa dos erros de alguns?

Acredito que a proposta de colocar um holofote sobre todas as instituições, principalmente as que agem de modo dogmático ou que se se fecham ao escrutínio da população, é essencial para a evolução da sociedade. As falhas devem ser mostradas, investigadas, corrigidas e punidas sempre que manifestadas. Isto é o mínimo que devemos àqueles que foram abusados, prejudicados, humilhados e que sofreram qualquer infortúnio cometido por quem quer que seja, de qualquer instituição, independente do cargo que ocupe – ocupou – e de qualquer suposto bem que tenha feito a outrem.

O bem deve ser o objetivo e não deve haver pedágio para sua realização. Não é saudável anuir ao “tá ruim, mas tá bom”, aos discursos populistas do “podia ser pior” ou “não é correto, mas era o único jeito”. Chega de condicionantes que tentam justificar os erros e o mal impelidos a todos nós!

As instituições são feitas por pessoas, por suas crenças e atitudes, mas as pessoas não são as instituições, apenas fazem parte delas. Não devemos ser generalistas, tampouco metonímicos, sob pena de sermos injustos ou inocentes em demasia. Acenda os holofotes da crítica ao invés de incendiar a escuridão.

Marcos Marinho – Professor de marketing e Consultor Político.


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