Opinião

O conto de fadas da ONU

Diário da Manhã

Publicado em 29 de outubro de 2015 às 22:06 | Atualizado há 10 anos

Ao término da Segunda Guerra Mundial, no dia 24 de outubro de 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) para substituir a fracassada Liga das Nações. No último sábado, foram completados 70 anos de sua existência. Conhecida mundialmente por promover paz, a organização falhou e falha em diversos aspectos.

Em seu corpo administrativo, destaca-se o Conselho de Segurança, formado por cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França) e outros dez temporários que são eleitos a cada dois anos pela Assembleia Geral. Uma resolução, para ser aprovada, precisa do voto favorável de todos os membros permanentes, ou seja, o veto de qualquer um deles já é suficiente para anulá-la.

Durante a Guerra Fria, o Conselho de Segurança ficou congelado. O que era de interesse dos soviéticos, os EUA vetavam e vice-versa. O Conselho não conseguiu impedir a invasão estadunidense no Iraque (2003) – que desestabilizou ainda mais o Oriente Médio, dando espaço para o crescimento de extremistas como o Grupo Estado Islâmico –, e a russa na Ucrânia (2014), que dura até hoje.

Formado pelos Aliados – os grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial em 1945 –, o Conselho de Segurança precisa urgentemente de uma reforma. Países como Japão, Alemanha, Índia e até mesmo o Brasil pleiteiam uma cadeira permanente.

O ex-embaixador de Antígua e Barbuda na ONU, John Ashe, que foi o presidente da Assembleia Geral de setembro de 2013 a setembro de 2014, é acusado de receber propina de US$ 1,3 milhão de um bilionário chinês. Em troca, seria construído um multibilionário centro de convenções em Macau, que serviria como um centro de operações da Assembleia Geral.

Este mesmo órgão foi o responsável por aprovar o Plano de Partilha da Palestina na sessão de 29 de novembro de 1947 – presidida pela brasileiro Oswaldo Aranha –, dividindo a área do então Mandato Britânico da Palestina em dois Estados sem que as partes fossem devidamente consultadas, o que gerou um conflito na região que ainda se faz presente.

Diferentemente da extinta Liga das Nações, a ONU dispõe de um corpo militar dependente dos países a ela associados, que agem no envio de missões de paz. O Brasil, por exemplo, mantém tropas no Haiti.

Recentemente, vieram à tona escândalos de abuso sexual de crianças por parte de tropas brasileiras no Haiti e francesas na República Centro-Africana. Soldados se revezavam entre quem abusava e quem vigiava o local. Tudo isso em troca de assistência e alimentos.

Os dados são alarmantes: em 2014, foram registrados 79 casos de abuso sexual. Em outras palavras, um a cada quatro dias. A única esperança para milhares de pessoas passou a ser uma desilusão.

Jamil Chade, correspondente brasileiro em Genebra, disse ter pedido, sem sucesso, durante semanas a lista de pessoas que foram punidas por abusos sexuais nos últimos dez anos aos porta-vozes da ONU, isto é, a transparência pregada pelas Nações Unidas aos governos mundo afora não é praticada por eles mesmos. No caso da República Centro-Africana, sabe-se que o único punido até agora, sendo afastado do seu cargo, foi Anders Kompass, responsável por denunciar as crueldades.

Sem querer desmerecer a importantíssima atuação da organização, foram mencionadas algumas ações de cunho negativo para que não se pense que a ONU seja um conto de fadas onde só exista o bem. Infelizmente, ela não foi criada para todos. Aposto que milhares de crianças africanas não comemoraram a data.

 

(Marcelo Mariano, acadêmico de Relações Internacionais da PUC Goiás – marianomarcelo.net)

 

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