Opinião

O curto e o longo prazo

Diário da Manhã

Publicado em 19 de janeiro de 2017 às 00:50 | Atualizado há 8 anos

Os críticos mais radicais do programa que vem sendo executado pelo ilustre presidente Temer exercitam a uma histeria verbal cacofônica com altos decibéis, mas pouca razão. Insistem em ignorar que boa parte das medidas já era “necessária” e sugerida (mas não praticada!) nos governos Sarney, Collor, FHC, Lula e, particularmente, Dilma! Apenas para lembrar.

Depois do fracasso do Plano Cruzado, os ministros de Sarney não imploraram em vão pelo controle das despesas? Collor não foi eleito para eliminar os “marajás”? Depois do enorme sucesso do Plano Real, mas antes de quebrar em 1998, preocupou-se FHC com o equilíbrio fiscal? Lula levou adiante o fundamental aggiornamento da CLT que estava no seu programa? Aceitou Dilma as propostas do ministro Mantega, em 2013 e 2014, para controlar as despesas públicas, enquanto pensava, desesperadamente, na sua reeleição?

Essas últimas foram, aliás, recuperadas, em 2015, pelo ministro Joaquim Levy quando Dilma buscou – sem sucesso – restabelecer a aliança com os eleitores que traíra.Era tarde. A tragédia não tinha mais como ser escondida. No primeiro trimestre de 2016, confirmou-se que o PIB de 2015 havia caído 3,8% e a taxa de inflação, mesmo reprimida, saltara para 10,7%. Na confusão letal colhemos o segundo rebaixamento do rating soberano da S&P e o primeiro da Moody’s.

O ano de 2016 começou com um novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e uma visita de Dilma ao Congresso, da qual muito se esperava. Decepcionou. Sugeriu apenas a volta da CPMF (esquecida pela enorme vaia que levou) e pediu a prorrogação da DRU. É bom lembrar que esta só foi aprovada no governo Temer sob feroz oposição dos deputados que a haviam apoiado com Dilma.

A partir de março ficou evidente que o governo perdera completamente sua capacidade de administrar o País. As “previsões” catastróficas para a economia no ano iam se confirmando e a Ficht completou o trabalho das agências de rating: rebaixou o do Brasil, agora definitivamente, do “grau de investimento” arduamente conseguido no governo Lula.

Sob enorme pressão, a presidenta apoiou um programa bastante razoável sugerido pelo seu novo ministro: 1. Um teto para as despesas primárias da União. 2. Mudanças na seguridade social. Reconhecia também a necessidade de controlar as despesas e melhorar a gestão na educação e na saúde, mas acreditava impossível fazê-lo.

A situação política do País continuou a agravar-se. Como resultado da sua falta de protagonismo e da desaparição do seu apoio parlamentar, Dilma foi afastada provisoriamente em maio. O vice-presidente, Michel Temer, ainda na interinidade, construiu uma base política e escolheu para seu ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que durante os oito anos de Lula comandara o Banco Central.

A verdade é que o programa de Meirelles em sua arquitetura é muito parecido com o de Nelson Barbosa, que nem sequer chegou a ser apresentado, devido à visceral indisposição de Dilma para o exercício da política.

Temer, ao contrário, é um velho e treinado político que conhece e gosta de exercitar a sua arte. Começou por onde Dilma terminara: coordenou uma espécie de parlamentarismo de ocasião, que vem aprovando, apesar das dificuldades estruturais que cercam a atual conjuntura nacional, o que parecia impossível.

É claro que semelhanças arquitetônicas não escondem diferenças na forma de ver o mundo dos dois programas. O importante, entretanto, é que eles não diferem no reconhecimento da absoluta necessidade de dar um fim aos descalabros fiscais, aprovar algumas reformas estruturais, superar a contabilidade “criativa” e o voluntarismo inconsequente posto em prática a partir de 2012 (quando Dilma atingiu o auge da sua aprovação nas pesquisas de opinião) e os danos causados pela desastrada (mas bem-sucedida) reeleição em 2014.

Deixemos de lado a hipocrisia e tentemos, por alguns instantes, ser honestos. Quase tudo o que está sendo proposto (por Temer e que esperamos seja aprovado) já era uma necessidade visível nos governos Sarney e FHC. Foi reconhecido no primeiro mandato de Lula, inclusive com sugestões interessantes, como a modernização da CLT, mas logo abandonadas por Dilma, que decidira que “gasto público é vida”.

O que faltou, então? Talvez grandeza para empenhar o eventual prestígio passageiro que a sorte de cada um lhe conferiu numa sociedade com eterno viés curtoprazista. O paradoxo é que parece ser preciso alguém com pouca aprovação no curto prazo para propor e aprovar o que ela necessita no longo.

 

(Delfim Netto. Formado pela USP, é professor de Economia, foi ministro e deputado federal)


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