O eleitor sabe que o voto é ouro seu – I
Diário da Manhã
Publicado em 10 de agosto de 2016 às 02:24 | Atualizado há 9 anos“As multidões têm as respostas para questões que ainda não foram levantadas e a capacidade de sobreviver aos muros.” (Slavoj Zizeq)
Conta-nos a história recente sobre as labutas diárias. Escrita a bico de pena e sob a luz da filosofia política, vandalizada, carregada as cores da realidade concreta (des) humanizada. Torna-se nobre o ato leigo de doar sementes da sobrevivência irrigada no desespero do sujeito sem face. A falácia rica da caridade em relação ao pobre segue institucionalizada no conta-gotas dos favores sociais das igrejas apaniguadas pelo Estado, distribuída na caneca da sopa rala que nega direitos (des) humanos. A morte do cidadão, encaminhada a partir dos padrões capitalistas do mundo apequenado pela sua modernização eletrônica, desfigurada, promove o aceite passivo dos famintos por salvação da própria alma. O poder simbólico destoa a partir da logística de dominação covarde, anula o potencial da liberdade parida a partir da criação de uma consciência desperta, capaz de promover a crítica e desvelar o que venha a ser, e ainda, em função de quanto e de quem trabalham os direitos de primeira, segunda ou terceira geração, pós-duas-grandes-guerras.
O filósofo analítico e ativista político norte-americano Noam Chomsky – tido como o pai do que expressa o mundo moderno nos campos da linguística – afirma que “em um Estado totalitário não se importa a maneira como as pessoas pensam, desde que o governo possa controlar os desejos da população usando o poder de força esboçado nos cassetetes”. Na dose certa e inversa do que denotam as liberdades de expressão e possibilidade de rodízio nas cadeiras no ninho político que representa o poder do Estado, na Capital do Cerrado brasileiro, assim como no Brasil, de Norte a Sul, Leste a Oeste, aproxima-se mais uma estação florada em primavera e democracia, apesar de sua aparência assombrear uma essência continuamente subjugada à vigília de instituições seculares vestidas em esporas, batinas e coldre, quando a beleza da flor do pequizeiro não conta da dor que traz, no espinho, seus frutos.
Bastidores em pré-campanha denunciam que, na vila, um xerife duela, neste instante, com dois coronéis. E quando o calor dos ânimos aperta por demais os conchavos, a peleja politiqueira refresca as almas no alpendre do bordel, fato e causo contado, desde os tempos de ouro, e, em segredo violado nas verdades vomitadas a sete chaves por três doses de cachaça digerida na mesa cuja mentira limpa promove o boteco onde o sujeito e copo são sujos. A história goiana, recente, denuncia que em época de sufrágio, pelos quatro cantos do descampado regional, agropastoril, o poder, desde o século passado, sempre foi tocado a desmandos e desejos de uma meia dúzia de coronéis. Como antes, os dias atuais anunciam que, em breve, as urnas abrirão suas bocas à fome do “voto e vontade popular”. A aparência das manchetes esconde a essência dos fatos que avisam dos bastidores patrimonialistas, montados à sombra do curral eleitoral, onde a porteira que delimita as liberdades segue vigiada pelo coroinha, a mando do padre, e, propala o respeito ao coronel montado a cavalo que, em dias modernos, concorre com mascarados travestidos na Carroça da periferia, no Fusca populista que trafega as ruas esburacadas e violentas cidade afora, até mesmo um valioso Cadillac, classe média alta, enrustido nos aquários sociais.
Parafraseando Lula “mais que nunca na história deste País” a política goiana patriarcal retrata o coronel que espora e pisa seu curral eleitoral, malfadada herança do século XIX quando donos das terras, dos bois, e, dos homens escravizados na sua pobreza existencial já discutiam o quanto valia, e, quem eram as bases. Dantesco, um deputado estadual pede, ao vivo, e, no rádio, apoio do Divino Espírito Santo ao qual solicita bênçãos para a solução da orfandade do PMDB golpista local denuncia a letargia política local. Esquece o nobre e bem remunerado político de saia curta (ovacionado a tomates, numa feira, no Setor Fama) que o tal santo pertence a outro domicílio eleitoral. Por lá, o santo trabalha duro, abusa da mídia, e, tem coroinha do padre nomeado secretário estadual. Melhor seria tratar de “fazer lobby” junto a Nossa Senhora Aparecida, pois, ela sim, segundo a Cúria Metropolitana, representa e responde pelos santos que tomam o chá das cinco do colegiado, e, acumula funções ao perdoar candidatos pecadores da Capital.
Neste sentido, urge à discussão trespassar os limites geográficos da Sesmaria, dar conta dos acontecimentos que desenrolam a arena política brasileira, confirmar o desastre das gestões e instituições, nos três níveis de desmandos e má administração política, econômica e social do País, consequência imediata da inaplicabilidade das leis e corrupção ativa e passiva de seus agentes. A crise capitalista conjuntural mundial aprofundou, desde 2008, o avanço da discussão vazia cujo caráter traz o senso comum, quando todos sabem tudo e ninguém entende de nada. O paradigma denuncia a transgressão da ética, surrupia valores dos homens, empobrece a moral. Irresponsável, conveniente e conivente, o favor a si próprio ergue o tóteme da covardia no horizonte estreito das liberdades cidadãs. Governar através das gestões, a níveis federal, estaduais e municipais passa a ser canal de enriquecimento ilícito, determina as mazelas socioeconômicas que desenham a questão social.
Afoitos, os que se entendem os donos do poder, de modo “sui generis”, irresponsável, tornam-se gerentes e representantes – nas malfadadas Casas de Leis – do próprio gueto, da sua gleba particular, do partido de um dono só, do poder de força que destila violência, do modo de produção hegemônico, da terra de um dono e muitos escravos, das igrejas cujos santos de R$ 1,99 respiram mentiras financiadas no dinheiro do tráfico e do jogo, da mídia alienada ao cifrão. A partir de sua eleição o ex-candidato passa a representante do bolso próprio, delega, capacita as cartas materiais e humanas que fomentam o jogo baixo administrativo mafioso e nefasto, inviável, incapaz de alinhavar projetos com possibilidade real de promover a emancipação humana, há muito, açoitada no chicote da força crua que é a exclusão social.
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, filósofo; mestre em Serviço Social/PUC-Goiás; mestrando em Direitos Humanos/UFG)