Opinião

O eterno fantasma

Diário da Manhã

Publicado em 11 de maio de 2017 às 21:35 | Atualizado há 8 anos

Às vésperas da eleição para reitoria da Universidade Federal de Goiás, um tema velho ressurge na comunidade acadêmica: a insegurança dentro do campus. Tem-se comentado em diversos grupos de alunos nas redes sociais, professores têm abordado a questão, também em conversas e relatos dentro do próprio campus e, mais recentemente (10/05), uma reportagem, por um importante veículo de nossa cidade, foi produzida acerca do tópico.

Como dilema incontornável (que inclusive, na gestão atual, contou com os esforços de um grupo de trabalho interdisciplinar para lidar com este, apesar de, desgraçadamente, a reitoria ter ignorado boa parte das medidas por esse apresentadas) é certo que será campo de disputa entre as quatro chapas que estão oficialmente inscritas no pleito.

Nem entrarei aqui no velho mérito de se a violência no campus é maior, menor ou equivalente à média geral da violência na cidade como um todo. Tampouco na discussão sobre se o que ocorre é uma “sensação de insegurança” ou se de fato o ponto é a “insegurança em si”. Para isso o mencionado grupo de trabalho já trouxe dados e formulou, a partir deles, respostas que julgo bastante robustas, resultado de uma pesquisa abrangente e séria (quem quiser saber mais sobre o tema, procure pelo Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência, Necrivi, que figura como um dos principais grupos de pesquisa envolvidos na empreita).

É suficiente dizer que um número vasto de soluções pode ser apresentado à resolução deste dilema, mas uma delas (pelo seu caráter aparentemente imediato e agilizado) vem e vai junto à opinião da comunidade acadêmica, pairando sempre no debate sobre o assunto e, àqueles em geral mais conservadores, apresenta-se como uma panaceia: a autorização da entrada da polícia militar do estado (PM) dentro da UFG.

Atualmente, do ponto de vista estritamente formal, não compete à PM de qualquer estado o policiamento ostensivo dentro de campi das Universidades Federais. Tal função compete à Polícia Federal e aos servidores contratados pela Universidade para o desempenho desta. Aqui e ali, todavia, vemos, pelas mais diversas razões (algumas, aliás, bastante estapafúrdias) o interesse de determinados setores de colocar Universidade adentro policiais armados e fardados, a circular pelos pátios e corredores, a estacionar suas viaturas em nossos gramados.

Não é de hoje que sabemos que uma das principais frentes de oposição às políticas do governo do estado vem de dentro da Universidade. Seja pela formação de grupos associados com finalidade de dissenso, seja na produção científica que, por diversos ângulos, em geral é crítica de boa parte daquilo que o governo do estado faz e representa, em termos, por exemplo: de retrocesso quanto a direitos e liberdades civis, perspectiva de cidade, função social da propriedade, gestão da máquina pública, política de segurança, privatizações… ocuparia toda extensão do jornal caso continuasse a lista.

E, às vésperas desta que será talvez uma das mais disputadas eleições dos últimos tempos, certamente uma das “soluções” que se apresentará por parte da ala mais conservadora será a liberação do livre fluxo da PM no interior do campus.

Beira o maçante ter de toda vez repetir, mas essa instituição peculiar chamada Polícia Militar existe praticamente apenas no Brasil, como resquício da Ditadura Militar de 64 (em fevereiro do ano passado publiquei um texto sobre o tema aqui no DM sob o título Notas sobre a História das Polícias Militares Brasileiras, a quem o tema possa interessar), é condenada pela ONU e coleciona casos de abuso de autoridade, despreparo, resquícios organizativos e culturais do período ditatorial, é historicamente demofóbica e sua forma organizativa é sistematicamente apontada como causa primeira de diversos distúrbios psicológicos dos quais padecem em geral, mas não só, os soldados de menor patente.

Quando de uma movimentação feminista reivindicando melhorias para a segurança no campus durante o final do ano passado, assinou a reitoria um acordo com as estudantes envolvidas, em prol do aprimoramento no corpo de segurança interna da universidade, além de mudanças infraestruturais que mitigassem as possibilidades de violência e assaltos, etc. Agora já parece acenar politicamente para essa medida reacionária que autorizaria o livre trânsito da PM em nosso campus.

É de suma importância esclarecer no debate público que essa medida, por mais “popular” que possa parecer, não resolve o problema da segurança nas dependências de nossa Universidade. A única consequência mais imediata da aplicação de tal proposta seria a vigilância e a repressão constante a movimentos sociais organizados e ativistas que circulassem no interior do campus, além da insidiosa possibilidade de vigilância da atividade acadêmica de forma geral. Lembremo-nos que é já demanda antiga do nosso governador maior acesso ao campus da Universidade Federal de Goiás.

Outro medo que fica é que, na disputa engalfinhada pelos cargos públicos, as chapas ditas mais “à esquerda” dentro do pleito cedam a essa proposta em detrimento de outras sabidamente mais eficazes (muitas delas mencionadas no estudo que indiquei ao início do texto), no medo de não se ajustarem no diálogo com o eleitorado. As pessoas querem segurança, uma chapa compromissada com a Universidade deve entregar isso, e não a panaceia que só agrada ouvidos nos primeiros cinco minutos, mas que na prática só precariza o convívio dentro do campus. Estejamos atentos, as chapas ditas “progressistas” que se calarem frente a esta questão, ou que quanto a ela sejam coniventes são chapas social-traidoras e têm de ser vistas como tal.

Lembremo-nos que deixar entrar a PM no campus é deixar entrar a instituição que sempre foi corporativa e conivente com os crimes e excessos internos, que soma historicamente vários casos de agressões contra jovens que lutam por seus direitos, que assassina diariamente nas periferias e que tem inúmeros casos de corrupção, é uma instituição que adoece e bestializa seus próprios membros.

A Universidade é o lugar para se pensar e produzir o avanço social, de projetar e realizar pela melhoria da nossa sociedade. É o lugar para refletir o novo, para se ser criativo na resolução dos problemas que se apresentam em nosso tempo. Não um espaço que deva ser conivente com o retrocesso e que desse retrocesso se valha frente às dificuldades.

 

(Ian Caetano, formado em Ciências Sociais pela UFG e mestrando do Instituto de Estudos Sociais e Políticos do Rio de Janeiro)

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