Opinião

O excesso de prisões provisórias ilegais versus o processo penal midiático

Redação DM

Publicado em 18 de março de 2017 às 02:37 | Atualizado há 8 anos

Segundo o Levantamento de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (2014), 41% daqueles que estão encarcerados no Brasil correspondem a presos provisórios – sem condenação em definitivo. Prisões cautelares (preventiva e temporária) que só possuem uma diferença das prisões-penas: a denominação – isso mesmo, o nome. Conforme indaga adequadamente o jurista argentino Eugenio Zaffaroni, “qual a diferença entre a prisão-provisória e a prisão-pena (definitiva)? ”. Resposta: pergunte ao preso. De outro modo, numa visão pragmática, tais encadeados estão na mesma situação: trancados.

Partindo desta premissa, faz-se importante registrar que a grande maioria das citadas prisões provisórias são ilegais. O que isso quer dizer?

No ordenamento jurídico-penal brasileiro há dois tipos de prisão provisória: prisão temporária e preventiva. De um modo bem amplo, com o mínimo de tecnicismo possível e o intuito de deixar a leitura um pouco mais leve, tais institutos penais determinam a aplicação na oportunidade que o investigado/indiciado/acusado etc., dificultar a persecução penal – o caminho para a descoberta da verdade real do fato criminoso: constrangendo ou ameaçando determinada testemunha, demonstrando pretensão de empreender fuga ou de voltar a delinquir.

Contudo, para que tais ordens de prisão sejam legais, faz-se necessária a motivação/fundamentação das decisões tomadas pelo magistrado, tendo por base elementos concretos entranhados no inquérito policial ou processo criminal, não podendo o juiz prender-se em suposições, por exemplo, por ocasião da gravidade abstrato do crime, como o roubo, o tráfico, estupro, entre tantos outros dessa natureza: crimes que possuem um o desprezo social tamanho.

Este é o xeque da questão: magistrados ordenando prisões esteados unicamente na dramática especulativa do crime. Num bom português, mandam fechar o sujeito apenas com o fim de dar uma satisfação de uma pretensa justiça para a sociedade.

“Ora, mas isso é flagrantemente ilegal”: sim, e muito. O judiciário penal vem julgando sob uma busca desvairada de credibilidade diante da imprensa e afins, apreciando a liberdade das pessoas ao abrigo de holofotes. Isso é o que muitos chamam de “processo penal midiático” – sendo recentemente atualizado com outra denominação: processo penal lavajático.

Analisando sob essa perspectiva, imaginemos que todas as prisões provisórias sejam tratadas conforme determina a lei, quer dizer, “expedindo alvará de soltura para a geral”. Mesmo existindo indícios de autoria (que foi certo “camarada” o autor) e materialidade (se o crime realmente aconteceu) poderíamos falar em impunidade?

Resposta: sendo demonstrado, hipoteticamente, em sede de sentença, a autoria e materialidade do citado crime, será o réu, evidentemente, condenado, entretanto continuará respondendo a persecução penal em liberdade até a fase recursal de 2º grau, por seguinte, iniciará a execução da pena (recente julgado do STF – execução provisória da pena).

Por outra forma, nessa conjuntura, bem como em várias situações externadas com equívoco pela imprensa, não há margem para falar em impunidade, pois, ao final, será reafirmada a sentença de 1º grau, retornando o réu à prisão – fazendo-se aqui uma análise superficial, por ocasião da possibilidade de haver tantas outras variantes.

Logo, não podemos falar em impunidade/injustiça, mas, ao contrário, em justiça: um Estado Livre Democrático de Direito de Fato, onde garantias e direitos fundamentais são respeitados. Tais dizeres não são apenas “coisas do papel” ou teoria, é uma análise sistêmica do todo – é enxergar a floresta, não tão somente a árvore.

Observa-se que não é evidenciada uma bandeira de Defesa do crime, tampouco do criminoso, mas sim do justo combinado com a legalidade, devendo direitos basilares serem respeitados para que não ocorra excesso de poder por parte do Estado, equilibrando verdadeiramente a balança da justiça, a qual preceitua que é menos grave inocentar um culpado do que condenar um inocente. Então, que os ditames legais sejam seguidos “a risca”.

Ora, nobres leitores, por ocasião da problemática exposta não ser tão simples, merece alguns esclarecimentos:

Funciona assim: vivemos em um Estado Democrático de Direito, estabelecido sobre a defesa dos direitos e garantias fundamentais – condição aquela adquirida por meio de duras lutas travadas por heróis do povo, tomando para exemplo a liberdade de expressão nas redes sociais; a oportunidade de votarmos, seja num representante de bairro, seja em um presidente da República; entre tantas outras liberdades ilustrando Direitos adquiridos.

Neste sentido, se direitos foram conquistados, logo, infere-se: devem ser respeitados. Entrementes, deve haver deferência ao Devido Processo Legal, o qual nada mais é do que a obediência a um caminho processual em direção a uma possível condenação; bem como, ao princípio da não-culpabilidade (presunção de inocência).

Avante. Imaginem a seguinte situação: o Estado é aquele que prende (Estado-polícia), investiga (Estado-Polícia Civil), denuncia (Estado-Ministério Público), processa (Estado-Ministério Público-Juiz) e, por final, julga (Estado-Juiz). Percebam, o Estado acusa e ao mesmo tempo julga (Sistema Acusatório). Seria como, por exemplo, Rômulo receber o valor de R$ 500,00 emprestado de Alexandre; Rômulo não devolve/paga a quantia; Alexandre o acusa de apropriação indébita e mais outros tipos penais; Rômulo é condenado.

Desse modo, nota-se: Rômulo já nasceu sentenciado, pois, como irá defender-se de Alexandre se este é o mesmo que acusa e julga?

É nesse sentido que faz-se necessária a presença do Devido Processual Legal, um rito a ser seguido, como também, em geral, o respeito aos direitos e garantias constitucionais.

É por essa e tantas outras razões, em cumprimento a direitos constitucionais, que o réu é colocado em liberdade, mesmo sendo de clareza solar ele ser o autor de suposto crime. Justifica-se tal medida tendo em vista que a prisão antes do trânsito em julgado de decisão penal condenatória (decisão irrecorrível) é exceção, devendo, como regra, aplicar a liberdade, combinada, ou não, com outra medida menos drástica: o monitoramento eletrônico, por exemplo.

Por fim, não é o Juiz que “solta”, mas é o preso que tem o direito de responder em liberdade enquanto não houver o trânsito em julgado de decisão penal condenatória; cabendo ao juízo cumprir a lei, isto é, a justiça, em nome de um Estado livre Constitucional Democrático de Direito de fato.

Qualificação:

 

(Rafael Lopes, advogado criminalista, especializando “lato sensu” em Ciências Criminais e membro da Comissão de Direito Criminal da OAB/GO)

 

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