O filme O contador de Histórias, de Luiz Villaça, baseado na vida do mineiro Roberto
Redação
Publicado em 12 de junho de 2015 às 03:56 | Atualizado há 10 anos
O filme O Contador de Histórias conta uma história que se passa em Minas Gerais, nos anos 70, de uma criança nascida em uma favela da capital mineira, Belo Horizonte. Roberto Carlos Ramos, o filho caçula de dez irmãos, com a idade de seis anos foi levado pela mãe para ser internado em uma instituição oficial, entidade assistencial recém-criada pelo governo que, de acordo com a propaganda nos meios de comunicação, preparava crianças para serem verdadeiros profissionais, isto é, quando crescessem se tornariam excelentes médicos, advogados, engenheiros. Após a internação, a realidade se despontou muito distante para a criança que, até então, era criada em uma família e dotada de fértil imaginação. A despeito das dificuldades em ser alfabetizado, o menino, logo aprendeu as leis da sobrevivência naquele recinto: problema de aprendizado era tributado com mais um biscoito, falar palavrão impunha moral, fingir doença, um bocado extra de comida. Para driblar a adversidade, o pequeno usava seu melhor instrumento que era a inexplicável capacidade de criar situações e imagens para transformar a realidade. Cumprido regra da instituição, ao completar sete anos de idade, o menino teve que mudar de pavilhão, onde as leis eram ainda mais duras e incluíam violência psicológica, castigos corporais e uma total ausência de esperança ou possibilidade de mudança. Aos 13 anos de idade e ainda analfabeto, por não suportar o novo tratamento, logo, através das fugas, o menino Roberto e alguns internos descobriram o caminho das ruas, das drogas e dos pequenos delitos. Em busca de segurança, Roberto tentou associar-se a um grupo violento. Depois de mais de cem tentativas de fuga, separado da família, Roberto carrega o estigma de incorrigível pelos educadores. Foi quando a pedagoga francesa Margherit Duvas que desenvolvia estudos sobre infância e educação e veio ao Brasil para esse fim, visitou aquela instituição e acabou se interessando pelo caso de Roberto. A conquista estreou com duas expressões proferidas pela professora que jamais havida sido dirigidas ao menino: “Com licença” e “por favor”. A pedagoga Margherit Duvas considerou que o caso representava um desafio e determinada a fazer do menino o objeto de seu estudo, tentou se aproximar dele. O garoto em princípio relutou, mas, depois de uma experiência traumática (quando tentou associar-se a um grupo em busca de proteção foi abusado, sexualmente violentado), procurou abrigo na casa da pedagoga francesa. Aí se iniciou uma emocionante e bem-sucedida história de afeto e dedicação que renderam – e continua rendendo até hoje – frutos: Roberto Carlos Ramos, formado em pedagogia é considerado um dos melhores contadores de história do mundo. Exemplo de história de como o afeto pode transformar a realidade de alguém. Ora, depois de formado, Roberto Carlos Ramos, voltou à instituição em que cresceu – mas como professor. E já adotou mais de 20 meninos de rua, muitos, de início, tido como irrecuperáveis, como ele foi tido também. Percebemos, há muito, que o filme, O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, é baseado na vida do mineiro Roberto Carlos Ramos, na época, um garoto esperto e cheio de vida que, aos seis anos, por conta de problemas familiares, é enviado por sua mãe para uma recém-inaugurada instituição para crianças – a Febem. Na década de 70. A promessa de um lar e bem-estar foi logo substituída pela disciplina militar do período e os únicos momentos de alegria eram resumidos nas visitas semanais de sua mãe.
Percebe-se a importância do convívio familiar no processo de desenvolvimento do individuo através do filme O Contador de Histórias. É por meio desse ambiente que o individuo vai sendo dirigido em sua concepção sobre conceitos e valores. Para Vygotsky as primeiras afinidades com a linguagem na interação com os outros acontece dentro do seio familiar. Claro, é através de uma influência mútua social que vamos sendo instruídos e nos desenvolvemos até nos tornarmos sujeitos. A cultura, a sociedade, as práticas e as interações, enfim, o meio é fator de máxima importância no nosso desenvolvimento, enquanto humano.
Entretanto, o filme O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, retrata uma Febem desfavorável à maneira positiva ao seu desenvolvimento! Ora, de maneira alguma seria correto considerar um adolescente de apenas 13 anos de idade irrecuperável, uma vez que o menino Roberto foi meramente um reprodutor do contexto em que estava inserido, e de acordo com Vygotsky o desenvolvimento e a aprendizagem são fatores decorrentes da interação do indivíduo com o meio onde ele influência e é influenciado, e sendo assim, se o ambiente sofre qualquer alteração, consequentemente, o desenvolvimento do indivíduo também será alterado. Assim, as experiências que a pedagoga francesa Margherit Duvas propiciou a Roberto Carlos Ramos favoreceram na mudança de seu comportamento, no desenvolvimento psicossocial e na aprendizagem.
Sabe-se que o que arquitetamos na infância na tangente da personalidade não é inteiramente estável, isto implica que, à medida que o tempo passa e o indivíduo adquire novos conhecimentos, aqueles anteriores podem ir sofrendo mudanças parcialmente. Por isso que jamais seria apropriado garantir que Roberto Carlos Ramos fosse um caso perdido, haja vista que a personalidade é dinâmica e a aprendizagem é um processo de construção. É possível ainda, constatar que na instituição em que ele se encontrava não havia laços afetivos, aspecto considerado por Wallon como importante no processo evolutivo.
Os conflitos pelos quais Roberto Carlos Ramos sofreu durante o tempo vivido na instituição e a sua superação prova que se libertar de uma tensão contribui para o aumento da autoestima e a fomentar o empenho para ser próspero nos exercícios futuros. Foi exatamente o que aconteceu com Roberto Carlos Ramos. A oportunidade de transformação conferida Roberto Carlos Ramos, por Margherit Duvas, bem como a afabilidade preenchida foram fatores decisivos para o seu desenvolvimento, uma vez que ele começou a confiar em sua própria potencialidade e em sua aptidão de criar, e desse modo, formou-se educador, tornou-se um sujeito Contador de Histórias, retornando à Febem como estagiário, levando para aqueles indivíduos um pouco de expectativa e de ternura.
O filme O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, foi rodado em Belo Horizonte, São Paulo, Paulinia e Portugal e agora se encontra em DVD, outras mídias e disponível na internet para todo o mundo. A atriz franco-portuguesa Maria de Medeiros (Pulp Fiction, Henry & June, Capitães de Abril) interpreta Margherit. Roberto Carlos Ramos é interpretado pelos atores Marco Ribeiro (6 anos), Paulinho Mendes (13 anos) e Clayton Santos (20 anos). Denise Fraga assina a produção com Francisco Ramalho Jr.
(Gilson Vasco, escritor)