Opinião

O folclore do vinho

Diário da Manhã

Publicado em 26 de dezembro de 2017 às 23:53 | Atualizado há 7 anos

A poetisa Sônia Elizabeth é mais que uma escritora–é apaixona­da por textos, sejam curtos como bilhetes, alongados como cartas e crônicas, ricos como contos e romances ou encantadores como po­emas. Mas não dispensa, também, livros vários, como os que enfei­tam-nos a alma de informações amoráveis, e sobre eles tece comen­tários sensíveis e pertinentes. Vejamos:

Sou uma apaixonada por vinhos e, de consequência, o gosto em ler e estudar tudo que se refere a eles. O que mais aprecio na bebida é a rusticidade que contém, a inebriante alma que destila, a lem­brança dos parreirais, a beleza das uvas e tudo que envolve o culti­var, a colheita (principalmente dos colonos e suas famílias), produ­ção e o prazer de beber, degustar, sentir. O jeito clássico e rude que possui. Prezo muito mais a garrafa de vinho depois de aberta, com a rolha, do que antes, com o rótulo formal; daí então minha alegria em ter sido contemplada com o empréstimo, das mãos do poeta e jornalista Luiz De Aquino Alves Neto, do livro O FOLCLORE DO VI­NHO, de Whitaker Penteado, Edição do Centro do Livro Brasileiro, Lisboa–Porto, ano de 1980. Sim, a obra propõe, e é feliz nisso, mos­trar o vinho em seu lado rústico, folclórico, popular, com provér­bios, modinhas, glosas, historietas e tudo que afirma e reafirma o líquido de Baco como verdadeiramente artesanal e livre de artima­nhas apenas rituais.

Diz-nos o autor: “ Para mim, a sedução maior e mais autêntica do vinho está no seu folclore. Impossível ignorá-lo, na Europa. O vi­nho está onipresente nas festas populares, nos provérbios, no can­cioneiro, nas lendas e superstições, em todos os momentos da vida. O vinho não faz parte da vida: é afirmação de vida, sua expressão mais ostensiva, é a vida de cada um”.

Vejamos alguns provérbios brasileiros colecionados por La­menza, e citados no livro aqui comentado:

– A par do rio, nem vinha, nem olival, nem edifício.

– Azeite, vinho e amigo, prefere o mais antigo.

– Com pão e vinho, anda-se caminho.

– O bom vinho faz bom sangue.

Agora, provérbios do Piemonte:

– Bela vinha, pouca uva.

– A pipa dá o vinho que tem.

Espanha:

– Abade que foi fradinho, bem sabe quem bebe o vinho.

– Casa em que vivas, vinho o que bebas, terra, quanto vejas.

Um provérbio japonés sobre o vinho:

– Com o primeiro copo, o homem absorve o vinho, com o segundo o vinho absorve o vinho, e com o terceiro o vinho absorve o homem.

Citando versos do poeta Gregório de Matos, o que ridicularizava a fidalguia, ajuda-nos na compreensão do significado do vinho be­bido em Pernambuco:

“Há cousa como ver um paiaiá

Mui prezado de ser caramuru,

Descendente de sangue de tatu,

Cujo torpe idioma é copebá!

A linha feminina é cariná,

Moqueca, petininga, carimu,

Mingau de puba, vinho de caju

Pisado num pilão de Pirajá…”

Cita uma versão do Auto do Cego do Ceará, e aí emociono-me ao lembrar de minha mãe que cantava tão bem esse auto. Também a Nau Catarineta, auto popular de origem espanhola, reproduzindo a versão sergipana de Sílvio Romero.

A bela cantiga de roda onde sobressaem os versos “Vem cá, Bitu! Vem cá Bitu!/

Vem cá, vem cá, vem cá….Mestre Cascudo diz que “Bitu foi um dos mais fanáticos discípulos de Baco, na história do Rio de Janeiro, em princípios do século passado”.

Memorável citação da goiana folclorista Regina Lacerda, dizen­do que se não fosse por ela “o vinho passaria, em branca nuvem, pelas cantigas de roda brasileiras “ . Ela descobriu em Goiás uma ra­ridade, aquele pezzo unico dos italianos apaixonados colecionado­res, uma cantiga de roda sobre o vinho:

“Menina, toma esta uva,

Da uva se faz o vinho;

Teus braços serão gaiolas,

Eu serei teu canarinho.”

E o brinde de mesa húngaro, assim, belamente assim:

“A terra, senhores, é trabalho duro,

E quem a cultiva

a irriga com o suor do rosto.

Não vos esqueceis, jamais,

quando beberdes o bom vinho,

que o primeiro brinde seja

à saúde de quem plantou a vinha!”

Também nos ensina: “ Os Ingleses, desde Shakespeare, culti­vam uma forma literária um tanto estranha, os brindes de mesa. É comum, em Londres, fazer a saúde com citações literárias, onde grandes poetas e escritores são evocados ao lado de poetas anôni­mos populares.”

E, finalizando, vamos de Manuel Maria Barbosa du Bocage, com essa poesia satírica:

A cada canto um grande conselheiro

que nos quer governar, cabana e vinha.

Não sabem governar sua cozinha

e querem governar o mundo inteiro!

Em cada porta um bem frequente olheiro

da vida do vizinho e da vizinha,

pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha

para o levar à Praça ou ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados

trazendo pelos pés aos homens nobres;

postas na palma toda a picardia.

Estupendas usaras nos mercados:

Todos os que não furtam, muito pobres:

Eis aqui a cidade da Baía!

É Natal, e a maioria bebe vinho. Inebriemo-nos todos, com par­cimônia, pois!******

(Luiz de Aquino, professor, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras )

 


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias