O golpe de uma república anunciada mas nunca realmente proclamada
Redação DM
Publicado em 30 de janeiro de 2018 às 21:20 | Atualizado há 7 anosNão se pode negar a nobreza dos ideais de Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva e tantos outros arautos do movimento republicano; mas o seu idealismo não triunfou para fazer predominar o sentido de uma verdadeira revolução, a fim de modificar profundamente nossa estrutura econômico-social.
Falou mais alto o poder e a força dos reais causadores da queda da monarquia, ou seja, a classe ruralista descontente com a abolição da escravatura apoiada por setores militares insatisfeitos com o governo do ministério presidido pelo visconde de Ouro Preto, com quem o marechal Deodoro tinha desentendimentos de ordem pessoal.
A derrubada do segundo império, tido por um governante latino-americano como a única república da América, era iminente; por isso nem se precisa considerar proféticas as palavras do barão de Cotegipe para a princesa regente Isabel, logo após a assinatura da Lei Áurea: “Vossa Alteza redimiu uma raça, mas perdeu o trono”.
Era o prenúncio do fim de um regime monárquico constitucional, com seu sistema parlamentarista, em que um grande estadista, Dom Pedro II manejava equilibradamente o poder moderador, no exercício de uma autoridade jamais vista, alicerçada em sólidos princípios de moral, cuja continuidade, com um certo aperfeiçoamento, imitando a Inglaterra, teria sido melhor para o País do que uma república nascida de golpe, querendo assemelhar-se à nação norte-americana, com a adoção do fantasioso nome de República dos Estados Unidos do Brasil.
O grande estadista Joaquim Nabuco, que prestou relevantes serviços à nação brasileira com a mais revolucionária voz, no parlamento, contra a escravidão e, posteriormente, no período republicano, ao assumir as atividades diplomáticas, em cujo exercício se notabilizou, fez questão de frisar que aceitara o nobre encargo por amor à pátria e jamais por ter aderido à república.
Seu ideal era no sentido de que a abolição do cativeiro, conquistada paulatinamente no regime monárquico, deveria, com a continuidade deste ser complementada por uma reforma agrária destinada a proporcionar aos libertos a posse de terras para o trabalho e por um sistema de instrução pública a facilitar o acesso de seus filhos à escola.
Nabuco demonstrou seu contentamento, ao ver o final da escravidão, que, há muito, manchava nossa história; todavia, com muita tristeza assistiu à derrocada do império, quando então disse que se a raça negra soubesse que o 13 de maio resultaria no 15 de novembro, talvez tivesse preferido a escravidão, ao invés de continuar livre e abandonada à própria sorte: uma liberdade sem esperança de um futuro melhor.
A república não trouxe a democracia. A autonomia das províncias transformadas em estados é uma balela, porque tudo continua até hoje centralizado no governo federal, do qual dependem; ao contrário do modelo norte-americano onde realmente existe um pacto federativo, em que os estados membros são realmente autônomos.
O primeiro presidente da república – o marechal que nunca havia comungado ideais republicanos –, que anunciou o novo regime no afã de destituir o gabinete ministerial do visconde de Ouro Preto, dissolveu o congresso e acabou renunciando, para ser sucedido por outro marechal, cujas peraltices autoritárias não conheceram limites (Floriano – o marechal de ferro). À sua sombra, muita arbitrariedade aconteceu contra os partidários de Deodoro.
Para provocar uma intervenção e afastar o então governante de Goiás, Leopoldo de Bulhões incentivou uma revolta em Boa Vista (atual Tocantinópolis-To), que resultou em grande conflito regional, com três anos de duração, e estimulou os Paranhos a fazerem o mesmo em Catalão, onde nem mesmo se respeitou a autoridade do Juiz de Direito local, acusado de ser “deodorista”.
Com muita razão o historiador Marco Antônio Villa que, no jornal falado da TV Cultura, sempre diz que a república foi apenas anunciada, mas nunca proclamada. Mesmo após a chamada revolução de 30, cujo líder maior Getúlio Vargas costumeiramente se referia ao período anterior como república velha, foi capaz de proclamar uma república nova. Fez algumas inovações na vigência da constituição de 34, surgida em razão do levante paulista de 32, mas criou depois a ditadura nazi-fascista-tupiniquim, conhecida por Estado Novo, em 1937, que chegou ao ponto de queimar as bandeiras dos estados membros da federação.
Atualmente, a República Federativa do Brasil é uma mistura de presidencialismo com parlamentarismo, em que predominam os interesses pessoais sobre os públicos. As antigas eleições fraudulentas da chamada república velha foram sucedidas pelas de votos comprados, daí o financiamento das campanhas eleitorais por órgãos estatais ou por empresários beneficiados pela administração pública, com vistas à manutenção de poder a qualquer custo, tudo isso gerando uma corrupção institucional, que não se sabe quando terá fim, apesar de todo o combate que está sofrendo por parte das instituições policiais judiciárias e do órgão ministerial.
O sistema penitenciário com superpopulação carcerária está falido e não apresenta as mínimas condições em prol da dignidade humana. Torna-se urgente uma alteração legislativa para que o enclausuramento somente aconteça para indivíduos de periculosidade; os demais poderiam ser privados das regalias sociais, com prestação de serviços e ressarcimento dos prejuízos causados a particulares e ao erário público. Prisão generalizada, algemação desnecessária e outras coisas mais, visando à satisfação popular, são resquícios de medievalismo.
Somente profundas reformas eleitorais e uma política de instrução e educação voltada para o erguimento da criatura humana podem ensejar uma mudança nos rumos da nação, com maiores oportunidades para todos, a fim de que o Brasil não continue apenas sendo um país grande, mas um grande país, mais justo, menos desigual, para tornar-se, futuramente, o coração do mundo e a pátria do Evangelho, como apregoa a profecia espírita.
(Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, escritor e procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás)