Opinião

O golpe, o feminismo

Redação DM

Publicado em 8 de dezembro de 2015 às 21:36 | Atualizado há 10 anos

Golpe é golpe e é uma chaga que acompanha a própria vida política nacional. A cultura golpista é instituição política consolidada que está no nível federal, estadual, municipal e está na vida privada. Nas empresas, nos negócios, nas transações e até em conflitos familiares. É impressionante!

Em um grupo de trabalho se alguém apresenta talentos, se é mais dinâmico e mais adequado a certos trabalhos rapidinho outro diz que “esse aí quer tomar meu lugar!”; o João é muito bom com números, com planilhas e ao ser promovido para uma função superior onde um “barnabé” será então, demovido de suas funções, logo, logo… Será denunciado de que todo o tempo fora um “fura-olho”!

A cultura do “entrar mudo e sair calado” é clara expressão daquele que quer se resguardar de conflitos, diferenças e que não param de cessar queira ele ou não, esteja mudo ou calado. Mas a ideia, aliás, falsa ideia, de autopreservação é o reconhecimento do conflito, da diferença e que, com tal atitude, poderá ser supostamente uma espécie de magistrado, de ser transcendental acima do bem e do mal da infeliz vida terrena. Erro bobo, isso apenas.

Essa cultura golpista, tal qual presenciamos se mostra intensamente presente; agravando a crise social que sempre marcou a vida nacional; impedindo investimentos e mesmo uma rotina nacional. O governo Dilma apresentou já em janeiro um pacote de ajustes ao Congresso Nacional a fim de tentar equilibrar as contas públicas. Até agora… Nada!

Não votaram o ajuste, sequer discutiram as metas desse ajuste e a oposição que, faz tempo, abriu mão dos enfrentamentos políticos e que já opera no nível do crime, da cizania e do aumento da temperatura da crise vai lentamente conseguindo o que definiu desde o começo do Dilma 02: instabilidade, fracasso e crise… Muita crise!

Chegamos onde chegamos! Eduardo Cunha (PMDB/RJ), o “picareta-mor da República” o mesmo possuidor de milhões do dinheiro público em contas na Suíça com Paulinho da Força (SD/SP) o “mestre dos magos” na arte de desviar recursos públicos e é só lembrar da ação da Polícia Federal na chamada Operação Santa Tereza (2008) onde provou que o “líder sindical” Paulinho era chefe de uma quadrilha que desviava de três a quatro por cento dos empréstimos oriundos do BNDES para prefeituras e empresas… Pois olhem… É exatamente essa gente, são essas “canduras” que empurram uma Dilma cada vez mais acoada para o cadafalso! Para o fim!

De outra feita, política é também discurso. E não dá pra dissociar o agente de seu discurso e sobretudo, de suas práticas. Essas pessoas que se anunciam como arautos da moralidade; que se lançam como guardiões da res-pública, obviamente, puro discurso.

Nesse embornal de acontecimentos mediados pela mentira, pela intimidação e pelo crime tento situar Dilma e mesmo sua condição de mulher tão enfatizada em toda a sua breve trajetória política. Estamos a falar da primeira mulher a governar o Brasil; ex-guerrilheira; feminista; petista e separada… Não é qualquer coisa para o patriarcado político-empresarial-ideológico que governa o Brasil.

O fracasso de Dilma e que tentam encerrar com a estocada fatal do impedimento é, de outro modo, derrota dupla ou tripla para o PT, para os movimentos sociais que estão, compõe e são o próprio PT e seu desenvolvimento, mas também, para o exitoso movimento feminista e que acontece no Brasil.

Penso que as mulheres precisam ter isso muito claro. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) em amplo levantamento realizado e que culminou na publicação denominada “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil/Feminicídios: a violência fatal contra a mulher” irá demonstrar com clareza que de 2009 a 2011, ocorrerem, em média, 5.572 mortes de mulheres a cada ano; 464 por mês; 15,3 por dia ou uma morte a cada hora e meia.

A pesquisa revela que o Espírito Santo é o estado com a mais elevada taxa de assassinatos para cada grupo de cem mil mulheres com 11,21 óbitos, seguido da Bahia com 8,91 e Alagoas com 8,84.

As menores taxas foram registradas no Piauí, com 2,71 óbitos e em Santa Catarina com 3,28 assassinatos por cem mil mulheres. As mulheres negras foram as principais vítimas em todas as regiões, com 61% dos óbitos, com exceção, evidentemente, da Região Sul. No Nordeste, o percentual de mulheres negras assassinadas chega a 87%.

Leila Posenato Garcia (Ipea) e responsável pela pesquisa irá afirmar que: “A violência contra a mulher compreende ampla gama de atos, desde a agressão verbal e outras formas de abuso emocional, até a violência física ou sexual. No extremo do espectro está o feminicídio, a morte intencional de uma mulher. Pode-se comparar estes óbitos à “ponta do iceberg”. Por sua vez, o “lado submerso do iceberg” esconde um “mundo de violências não-declaradas, especialmente a violência rotineira contra mulheres no espaço do lar”.

Finalmente, a pesquisa irá demonstrar que a chamada Lei Maria da Penha alterou pouco ou muito pouco as taxas de feminicídio do país o que supõe que é preciso de mais política pública, mais intervenção social e mais inteligências administrativas para o pleno combate cultural, inclusive, de mais essa tragédia nacional.

O que Dilma tem que ver com isso? O que todo esse quadro nos mostra? Que a oposição é necessariamente o substrato político e representativo do mesmo cenário intelectual e cultural que dinamiza e dá forma simbólica e comunicativa ao patriarcado brasileiro. Quem força a derrubada de

Dilma são os mesmos que se opõe a políticas de igualdade de gênero, os que sempre foram contra as cotas às mulheres na política; que jamais entenderam que não pode haver desenvolvimento de fato, sem a integração e o protagonismo livre da mulher.

A oposição a Dilma? É a mesma oposição dos plenos poderes aos evangélicos; de promoção da homofobia; do resgate da teoria do criacionismo e da negação da ciência… Não podemos separar uma coisa da outra porque de outra feita, estamos a tratar exatamente das mesmas coisas.

Uma eventual queda de Dilma será o maior prejuízo militante, social e político, sobretudo, aos movimentos sérios, populares e socialistas de mulheres. Não tenham dúvida… O foco é o movimento!

 

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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