Opinião

O livro contra a sociedade fechada

Redação DM

Publicado em 9 de setembro de 2016 às 01:54 | Atualizado há 9 anos

Livro contra a sociedade fechada, xenófoba, para não dizer tribal, despótica, obviamente arrogante, imaginada desde os primórdios gregos, quando já tinha inimigos ou os chamados “traidores de Atenas”, devem ser todos os livros, pouco importando se de primeira ou segunda categoria. Notem que segundo Cervantes, em Dom Quixote De La Mancha, Parte Segunda, Cap. III, “não há livro tão mau que não tenha algo de bom” (no hay libro tan malo que no tenga algo de Bueno). Também porque, no dizer de Carlyle (1795-1881), “tudo o que a humanidade tem sido, feito, pensado ou lucrado encontra-se como que magicamente preservado nas páginas dos livros”.

Escrevi alhures, que a divisão política do Universo não é mais entre esquerda e direita, emergentes da Revolução Francesa, mas entre abertura e fechamento, conceitos ou arrelias mais velhas do que muitos possam pensar, sempre vigorando de um lado aqueles que defendem a abertura do mundo, material, intelectual, humana; como acontecia em guerras entre Atenas e Esparta e ocorre no recente processo de “globalização” do mundo, no qual estão em voga os mesmos pensamentos, cada um a seu modo, bem visíveis, tendo destaque os que defendem barreiras, muros, isolacionismos, racismos e quejandos, sendo figura típica nesse particular, Donald Trump, tresloucado candidato à Presidência da República dos Estados Unidos pelo Partido Republicano da extrema direita, defensor intransigente do mais nojento dos conservadorismos desse mundo.

Aliás, vejo o assunto em voga muito presente no livro “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, do pensador Karl Popper, edição de 1945, onde se vê também que o que foi escrito na recente revista “The Economist”, defendendo como grande novidade na política a divisão entre abertura versus fechamento, não é tanta novidade assim.  O articulista do jornal Folha de São Paulo, João Pereira Coutinho (C6, Ilustrada, 2 de agosto de 2016), repetindo o que Karl Popper escreveu, assinala “que essa tensão entre ‘sociedades abertas’ e ‘sociedades fechadas’, sempre fez parte da história intelectual do Ocidente. Muito antes da esquerda ser esquerda e da direita ser direita, havia dois modelos tutelares que influenciaram profundamente o pensamento e a ação dos homens: Atenas e Esparta”.

Fique claro, portanto, que já na Guerra do Peloponeso ou entre Esparta e Atenas, são notórios “os traidores de Atenas”, desejando a “sociedade fechada”, odiosa, tribal; lá também estando os intrépidos heróis defensores da “sociedade aberta”, lá sonhada, chegando a ser modelo, defendida pelo governante Péricles (a.C494-429). Ainda como a vemos em nossos dias, com sua velha vocação democrática, comercial, cosmopolita e outras virtudes, que a História, a Literatura e a Filosofia gregas germinaram e defenderam, agora – lá se vão quantos séculos! – ainda precisando ser preservada e defendida pela literatura, os livros, quem sabe, ensinando amor por alguma coisa, conforme previsão do filósofo Platão.

Seja, por conseguinte, o livro da chamada literatura ocidental, clássica, como as obras da antiguidade grega e romana; “os clássicos da literatura”, todas aquelas obras que vale a pena estudar; por certo aí estando Homero, o maior escritor da antiguidade que, por estranho que pareça, nem sei se sabia ler, escrever, se realmente existiu.  De todo modo, o tenho como fundamental; assim como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Cora Coralina, Bernardo Élis, a literatura russa, a americana, a inglesa, a escrita cá em Goiás. Como mostrei inicialmente, todos os livros, os da hora e os de todos os tempos, podem contribuir e combater a tal sociedade fechada, truculenta, como me parece ser a que estão engendrando e aflorando no Brasil e outras diásporas das Américas de Donald Trump.

Enfim, todo mundo pode fazer história; ouso fazer a minha, escrevendo contra a sociedade fechada, bolorenta, satirizada pelos poetas Castro Alves, Vladimir Maiakovski e muitos outros. Minha contribuição, desde A moça que ria muito (1964), passa por Sombra dos Quilombos (1974) Racismo à Brasileira: raízes históricas (1985), Advocacia: engenho e arte e vários outros livros, sem omitir os textos de jornais.  Alcança “Teatro Experimental do Negro em Goiás”, a ser lançado dia 16 do mês corrente, no Auditório do Fórum da cidade de Mineiros. Seu objetivo básico é combater o racismo através da arte teatral. É assim que estou combatendo e de certo modo, lentamente, eliminando a sociedade fechada, imaginada por Trump e seus acólitos, também idiotas.

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, UBEGO, AGI, Mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM ([email protected]))


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