O menos pior
Diário da Manhã
Publicado em 29 de junho de 2017 às 02:31 | Atualizado há 8 anos
Peço perdão aos meus leitores para tratar novamente do problema que nos atormenta neste grande espetáculo teatral televisivo que ocupou o País. Somos, frequentemente, vítimas da facilidade com que aceitamos a duvidosa máxima vox populi, vox Dei, adorada pelos demagogos.
O homem só pode obter a sua sobrevivência material e se reproduzir, no intercurso (através da sua atividade “natural”, o trabalho) com a natureza, na qual se apropria de recursos e os conforma às suas necessidades. No longo processo de seleção natural, ele aprendeu, na prática, que sua produtividade poderia ser aumentada se o seu trabalho fosse ajudado e apoiado por instrumentos construídos com a sua capacidade de imaginar.
A primeira “pedra lascada” produzida consciente e intencionalmente promoveu um “salto quântico” na capacidade do sapiens, que o transformou e o levou a transformar o mundo. Gerada na sua imaginação e construída com a sua habilidade manual, era um artefato que “cristalizava” o seu trabalho num objeto, uma espécie de “bem de produção” que, quando utilizado para apoiar o seu trabalho vivo cotidiano, aumentava-lhe a produtividade, ou seja, permitia-lhe gozar de uma quantidade maior de bens ou de lazer.
O homem descobriu, assim, que o aumento da produtividade do seu trabalho dependia, basicamente, de um equilíbrio harmonioso entre o tempo destinado à produção de sua subsistência e o tempo destinado à produção dos “bens de produção”.
As reformas propostas pelo governo Temer, contra as quais luta ferozmente a “elite rentista” do funcionalismo público federal que hoje controla o Estado, destinam-se a restabelecer a harmonia perdida pelo aumento exagerado do consumo (aposentadoria e assistência social) em detrimento do investimento em saúde, educação e infraestrutura que produzem o aumento da produtividade do trabalho.
A situação em que nos encontramos, de resistência às reformas misturada às incertezas produzidas por delações premiadas, é extremamente grave e, infelizmente, não tem uma solução ótima. Na melhor das hipóteses, com muita inteligência servida por coragem cívica, paciência e “sangue-frio”, talvez seja possível chegar à solução menos pior: aquela que aumenta a probabilidade de aprovação das reformas no curto prazo, sem inocentar, antecipadamente, quem deverá explicar-se nas delações no prazo médio.
A isso se soma a justa indignação da sociedade pela luz que a Operação Lava Jato lançou sobre o incesto criminoso resultante do capitalismo de “compadres” que se apropriou do Estado e pôs em risco a democracia. Tudo temperado com um sistema de informação social instantânea cujos valores passam longe da “verdade” e estimulam a intriga e a desconfiança. A rigor, não temos mais jornalistas. Assumiram – quase todos – o papel de renomados “jurisconsultos” que arbitram com propriedade, e “sem dúvida nenhuma”, onde está a “verdade” nos contraditórios argumentos teóricos dos ministros do STJ, do STE ou do STF, que consumiram a sua vida tentando encontrá-la.
A reclamação do PSDB junto ao TSE foi originalmente arquivada porque restou provado que não foi cumprido o dispositivo constitucional fundamental (art. 14, §10 da Constituição), mas o cuidadoso voto do ministro Herman Benjamin produziu uma perplexidade na sociedade, que parece ter entendido que os crimes ali mencionados foram perdoados. Nada disso! Nenhum deixou de ser examinado pelo Ministério Público, que está levando à Justiça e à prisão os responsáveis culpados.
A “vingança”, não a “justiça”, exigida pela vox populi, seria a pior de todas as saídas: declara-se nula a eleição geral de 2014, depois de 30 meses da posse. Para ser coerente e diante da gravidade do problema, teria de abranger a eleição de deputados e senadores e tudo o que se fez no período, inclusive a nomeação de ministros do STF. Seria o caos!
Talvez ela até se conforme com o purismo de uma ética deontológica, mas é, claramente, uma estupidez monumental pelas suas consequências que, infelizmente, vêm sempre depois… Volto a insistir. Talvez a solução de menor custo social é o STF aceitar o sobrestamento, até 1º de janeiro de 2019, das questões que Temer deve esclarecer à Justiça. Isso dará novas forças ao governo para continuar com as reformas e sustentar o tímido crescimento que ameaça afundar no mar das incertezas.
(Delfim Netto. Formado pela USP, é professor de Economia, foi ministro e deputado federal)