O Mensalão XV – O destino bate à porta
Diário da Manhã
Publicado em 30 de junho de 2017 às 22:56 | Atualizado há 8 anosNa quinta-feira, dia 9, a sessão foi aberta às 14.29-h. O auditório estava esvaziado. Um minuto depois, após a habitual leitura meteórica – e incompreensível – da ata, foi chamado à tribuna o advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato. A tarefa não era das mais fáceis: A defesa de Henrique Pizzolato, que, à época do escândalo ocupava o cargo de diretor de ‘marketing’ do Banco do Brasil, acusado pela PGR, dentre outros crimes, por desvio de dinheiro público no banco para a ‘Visanet’ e, de lá, para as contas do esquema de Marcos Valério. Os valores eram muito altos: Em maio de 2003, a ‘Visanet’ depositou 23.3 milhões de Reais, e, em março do ano seguinte, colocou mais 35 milhões de Reais na conta DNA do Banco do Brasil, perfazendo o total de 58.3 milhões de Reais. Essa era apenas uma das acusações, mas, pela relação com um suposto desvio milionário de recursos públicos, acabou recebendo destaque especial.
Lobato distribuiu as costumeiras homenagens. Escolheu, inicialmente, a Ministra Rosa Maria Weber, pela qual teria ‘profunda admiração’. O advogado centrou a argumentação na teoria de que as decisões de Pizzolato não eram pessoais: ‘Não há um único dirigente que possa tomar decisões isoladas. É tudo por colegiado”. Ele ‘coordenava um comitê de marketing, depois (a decisão) seguia para um comitê de comunicação, e, então, ao diretor do banco”. Insistiu que o Fundo ‘Visanet’ era ‘uma empresa privada’; que seu cliente ‘não detinha poderes para determinar os pagamentos’. Considerou a denúncia da PGR um ‘ilusionismo jurídico’, mas a explicação que deu para o envelope com 326 mil Reais, portanto, bem recheado e volumoso, que Pizzolato recebeu de Marcos Valério para entregar a um emissário do PT foi fantástica: ‘Ele pegou o pacote e guardou, porque iria ser entregue a um mensageiro do PT. Toca o telefone, e alguém diz: ‘Eu sou do PT, e vim buscar a encomenda’. Ele não tinha conhecimento que era dinheiro’. Imaginou que fosse o que? Quando estava encerrando a defesa, Lobato foi questionado pelo Ministro Joaquim Barbosa, o qual destacou algumas questões. Era a primeira vez que o Relator fazia perguntas a um dos defensores, o que também é regimentalmente permitido. A primeira tratou da relação DNA-Visanet:
‘Como se dava o mecanismo de transferência de dinheiro desse o Fundo ‘Visanet’ para a Agência de Propaganda (DNA)? Quem determinava o momento e o montante? Quem dizia? Havia algum Comitê, algum órgão que tinha esse poder de dar ordens para que o dinheiro fosse transferido para a Agência de Propaganda?
‘Respondeu, o advogado: ‘O Banco do Brasil, quando pensava fazer uma divulgação de sua bandeira, ele fazia o projeto como está aqui(…).:E citava qual era o projeto”. O Relator emendou a segunda: “Quem era o responsável por isso, dentro do Banco do Brasil?” O advogado retrucou: “Naquela época, era o Comitê de ‘Marketing’ todo, era aprovado dentro do próprio Comitê. Não era aprovado, individualmente. Era aprovado no Comitê, que fazia institucionalmente, essa propaganda, e era direcionado ao Fundo”. “De onde saia, esse dinheiro, para a propaganda dos cartões da bandeira ‘Visa’, inclusive o do Banco do Brasil, o ‘Ourocard?”, – perguntou, então, o Relator. De acordo, com o advogado,
“Cada banco tem sua bandeira ‘Visa. Então, quando V.Ex.a usa seu cartão ‘Visa’, faz uma compra, um percentual dessa compra é destinado é destinado a um Fundo, vai compor esse Fundo para essa propaganda. Por isso é que eminentemente privado.
‘Barbosa quis saber qual era o instrumento jurídico utilizado, e o advogado ressaltou que cada banco tinha o seu percentual, e deste é que era feita uma previsão. O Relator perguntou se Pizzolato alguma vez tinha feito essa determinação, e o advogado respondeu, de pronto: “Jamais, ele não era representante”. Barbosa repetiu o ‘jamais’, com uma interrogação no final, e o advogado concordou: ‘Jamais’.
Ficou no ar que Barbosa guardava um trunfo, especialmente quando insistiu na pergunta a respeito da possibilidade de que Pizzolato pudesse ter dado alguma autorização para os repasses, o que Lobato negara. A PGR enfatizou na acusação de que o Banco do Brasil era acionista da ‘Visanet’, portanto, havia dinheiro público. E Pizzolato era ligado ao PT, tinha contatos com Marcos Valério, teria autorizado as transferências de recursos milionários para o esquema, etc., etc.
Se Lobato havia caído ou não em uma armadilha, só seria sabido no momento dos votos dos Ministros. Mas saiu com um prêmio: Foi o advogado que mais falou e extrapolou o tempo em cinco ministros, – até porque teve de responder às questões do Ministro Barbosa. As três próximas sustentações estavam intimamente ligadas, pois iriam tratar de Deputados do Partido Progressista (PP), que tem como principal liderança nacional o impoluto Paulo Maluf. O jovem advogado Marcelo Leal, defensor de Pedro Corrêa, – cassado em 2005, – começou como se estivesse em um júri popular. Com um tom de voz um pouco acima do desejado, falou entusiasticamente por quase uma hora. Citou Umberto Eco, lembrou até Miguel de Cervantes. Enfatizou, – e haja ênfase!- que o PP tinha princípios e só se havia aliado ao governo por razões programáticas. Deixando de lado essas questões, foi direto ao ponto: Reconheceu que o PP tinha recebido dinheiro, sem qualquer registro legal, do PT, via corretoras Bônus Banval e Natimar, para a campanha municipal de 2004. Parte desses recursos destinava-se a pagar um advogado para o deputado Ronivon, do PP do Acre, que estava sendo pro cessado. O suposto advogado Cobrava honorários caríssimos (ainda mais pensando em valores de 2004, sem a devida atualização monetária): 700 mil Reais! E, como os recursos provinham de Caixa Dois, e não tinham como objetivo comprar apoio político no Congresso, concluiu: Nunca houve ‘mensalão’.
Explicou, didaticamente, como os recursos eram recebidos. Como eram entregues os recibos e por quem. Aí, fez uma menção, meio de passagem, de que Simone Vasconcelos entregava esses valores aos emissários do PP: ‘Pode até ter ficado com os recibos para si’. E seguiu em frente. Apresentou listas de votações para, segundo suas palavras, provar que o PP não tinha votaado por dinheiro. Citou um dado curioso em importantes votações, seu cliente não havia comparecido ao trabalho, ou seja, à Câmara. Não só: Afirmou que seu comparecimento às sessões era muito raro, mesmo sendo presidente do partido. O absenteísmo virou prova de inocência. Coisas do Brasil, o país da piada pronta.
Na sequência, foi realizada a defesa do Deputado Pedro Henry pelo advogado José Duarte José Antônio Duarte Álvare. Henry, na época do escândalo, era líder do PP, na Câmara, mas conseguiu escapar do processo de cassação. Como se tivessem combinado, Álvares começou sua defesa também afirmando que o ‘mensalão’ nunca havia existido. Voltou, então, a desfiar os mesmos argumentos, que o PP tinha princípios, e que havia votado com o governo, somente porque a proposta estava de acordo com o programa. Teria apoiado uma aliança política e não financeira com o PT. Aproveitou para reforçar a versão de que o PT tinha mesmo recebido 700 mil Reais para pagar a defesa de Ronivon Santiago. Álvares várias vezes se referiu diretamente a um ou a outro Ministro do STF, provavelmente por influência das sessões do Senado, quando oradores citam seus colegas, como forma de suavizar seus discursos e buscar a concordância dos pares. Contudo, fazer a mesma coisa no plenário do STF é algo muito distinto.
O cansaço dos Ministros era evidente. Quando Álvares encerrou a sustentação, foi possível observar o ar de satisfação dos juízes. Era a hora do lanche. Depois de quarenta minutos de chá, petiscos, relaxamento e conversa, o julgamento recomeçou. Tinha chegado a hora da defesa de João Cláudio de Carvalho Genu, funcionário do Partido Progressista, que teria recebido 1.1 milhão de Reais, em nome dos três deputados acusados do PP – a defesa falava em 700 mil Reais. O advogado argumentou que Genu não passou de um simples mensageiro, sem qualquer envolvimento com, o esquema de corrupção, e não podia ser acusado como quem atuou com dolo. Ele somente havia cumprido ordens do Deputado José Janene, falecido em 2010 (mais uma vez, um morto acaba sendo culpabilizado). Sustentou que a situação de Genu era semelhante à de Antônio Lamas, de quem a PGR pediu a absolvição, – Lamas seria defendido no dia seguinte.
O último réu do dia foi Enivaldo Quadado. Sua defesa começou às 19 horas. Antônio Sérgio Pitombo, o defensor, chegou a reclamar que podia ser prejudicado, por ser o último a falar na sessão, mas os trabalhos tiveram início. Quadrado era um dos sócios da corretora ‘Bônus Banval’, que, segundo a Acusação, seria uma das responsáveis pela lavagem de dinheiro do esquema. O réu já responde a outro processo em liberdade. Em 1928, foi detido no aeroporto de Guarulhos tentando desembarcar com 361 mil Euros, não declarados, ocultado nas meias, cueca, cintura e numa pasta. Segundo a Defesa, se houve lavagem de dinheiro, ela aconteceu no Banco Rural, – fato comum no processo: Imputar a outro réu a responsabilidade de um suposto crime. E até ironizou: ‘Aliás, essa tese é ótima para a Acusação’. No terreno das citações literárias, recordou Eugene Ionesco, dizendo que alguns versos nos autos lembram o teatro do absurdo. E, como se estivesse em uma peça do teatrólogo franco-romeno, dirigiu-se a Cézar Peluso: ‘Com muito mau gosto, li no jornal que muitos pediam a aposentadoria de Vossa Excelência. Vossa Excelência tem conhecimento, e é muito importante a sua apreciação sobre o fato. Torço para que Deus nos proteja, e que o senhor vote.’
Depois de tudo isso, até o sempre paciente Ayres Britto resolveu, rapidamente, encerrar a sessão: Eram 19.54-h.
Dez de agosto. Sétimo dia do julgamento e quinto das sustentações orais de defesa. O dia foi dedicado aos diretores das corretoras ‘Bônus Banval’ e ‘Natimar’, ao presidente do Partido Liberal (PL), e a dois representantes (um tesoureiro e um assessor parlamentar). Trinta e três minutos após o horário fixado, Ayres Britto abriu os trabalhos, e comunicou que o Ministro Marco Aurélio não compareceria à sessão, porque já havia agendado um compromisso em São Paulo – era uma palestra na Associação Paulista dos Magistrados. Era a primeira vez, no julgamento, que um ministro se ausentaria de toda uma sessão.
Guilherme Alfredo de Moraes dirigiu-se à tribuna para defender Breno Fischberg, um dos donos da corretora ‘Bônus Banval’. Ao iniciar, não se esqueceu das indefectíveis ‘homenagens’. Desta vez, o alvo foi o Ministro Ayres Britto, elogiado como competente. Pesavam sobre Fischberg duas acusações: Formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Alfredo de Moraes insistiu, durante 55 minutos, que seu cliente não sabia das operações ilegais, não conhecia Marcos Valério, e não tinha vínculos com o PT, PP ou qualquer outro partido.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail liciniobarbo[email protected])