O Mensalão XVI – O destino bate à porta
Diário da Manhã
Publicado em 7 de julho de 2017 às 23:18 | Atualizado há 8 anosO dia reservava surpresas. O réu Carlos Alberto Quaglia, dono da corretora Natimar, estava sem advogado. Haman Córdova, da Defensoria Pública Federal, o representou. Criou-se um problema: O representante pediu, então, a nulidade do processo, em relação ao seu cliente, argumentando que a defesa de Quaglia havia sido cerceada, pois, em alguns momentos do processo, foram ouvidas testemunhas sem a presença do seu advogado de defesa. Lembrou que seu cliente havia contado com dois advogados que acabaram deixando a causa. Três Ministros fizeram rápidas perguntas ao defensor, e o Relator do processo fez questão de destacar que o réu tinha sido ‘intimado, pessoalmente, da renúncia dos seus dois advogados’. A defesa insistiu na mesma tese do Acusado anterior: Não sabia de nada, e não conhecia Marcos Valério.
O réu mais importante do dia, – mais importante no processo, entenda-se – foi o Deputado Waldemar Costa Neto, presidente do PL. A PGR o acusava de três crimes: Formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ao iniciar a defesa, Marcelo Luiz Ávila Bessa usou a palavra ‘preliminarmente’, que Ayres Britto entendeu como uma afirmação que pretenderia inviabilizar o julgamento de mérito. Alguns presentes sorriram, pois o advogado esclareceu que não era nada disso. Ele apenas disse ‘preliminarmente’ para começar a defesa de seu cliente. Esclarecido o mal-entendido, a defesa acentuou que a aliança do PL com o PT era apenas política, – desdea campanha de 2002, quando se indicou o vice-presidente José Alencar para compor a chapa com Lula.
Segundo seu defensor, o acordo foi com o presidente do PL, e não com o Deputado Costa Neto. O acerto previa o recebimento, pelo PL, de 10 milhões de Reais (teria recebido metade). Era o velho Caixa Dois de volta, – um acordo eleitoral, sem compra de votos. Mas o PL estava cobrando o PT, através de Delúbio Soares. Então, Costa Neto teria sugerido que o PL tomasse um empréstimo, que seria pago depois, ‘como despesa de campanha’. Valdeamar tinha recebido o dinheiro para o partido e não para ele’:
A questão envolve fatos , sob o ponto de vista moral, no mínimo graves. Mas, sob o ponto de vista penal, nesse caso de Waldemar Costa Neto, estás suficientemente provado que não há como se pretender ter ele praticado crimes de corrupção passiva.
A sessão foi interrompida para o intervalo de trinta minutos, que, como de hábito, foi maior: 42 minutos (sem esquecer que estavam sendo transmitidas, ao vivo, várias provas das Olimpíadas). Os dois próximos réus eram irmãos, caso também único no processo: Os irmãos Lamas – a piada, óbvio, é inevitável, Jacinto e Antônio. Jacinto era tesoureiro do PL. Foi defendido por Décio Lins e Sila Júnior, – sobrinho do famoso criminalista Evandro Lins e Silva. Começou dando um refrigério nos Ministros. ‘Tranquilizo Vossas Excelências, não tomarei todo o tempo que me é permitido’. Continuou argumentando: ‘Se o ‘Mensalão’ de fato existiu, Jacinto ‘não participou’. Era necessário, segundo Lins e Silva, separar ‘mensageiros de mensaleiros’, – mesmo argumento usado em 2007, quando da aceitação da Denúncia. Lamas não tinha ‘conhecimento dos saques ilícitos a mando de seu chefe Valdemar Costa Neto’. De acordo com Lins e Silva,
‘a verdade é que, quem mandava e desmandava naquele partido, como manda e desmanda até hoje, era o Deputado Valdemar Costa Neto, que controlava desde a compra de uma caneta ou café, até as reuniões políticas e votações.
E arrematou:
“Se, entre quatro paredes do Palácio do Planalto eram feitas as tratativas, quem seria o maior beneficiário desde esquema? O Chefe da Nação, o presidente Lula. Algumas pessoas disseram que ele Sabia de tudo, como Roberto Jefferson. Por que estou dizendo isso? Porque é fácil acreditar no presidente Lula, quando dizia que nada sabia, e não acreditar em Jacinto Lamas, quando ele diz que não sabia?
E encerrou a intervenção citando o Padre Antônio Vieira, além de ter cumprido a promessa de que falaria durante uma hora: Usou apenas quarenta minutos.
O último réu do dia, Antônio Lamas, teve dois fatos originais ligados à sua defesa: O primeiro era que a PGR havia pedido a sua absolvição por falta de provas. O segundo, que seu defensor era o pai do advogado do seu irmão. O pedido de absolvição deixou o defensor com uma tarefa mais amena. Falou pouco(dezoito minutos). Mas também apontou o presidente do PL como responsável pelos saques, voltou a destacar o silêncio em relação ao presidente Lula, e aproveitou para recordar o caso da esposa do Depuado João Paulo Cunha, que havia feito um saque de 50 mil Reais no Banco Rural: ‘Ela foi denunciada? Não, não foi. Agora, eu pergunto: O Ministério Público errou, ao não ter denunciado a esposa de Paulo Cunha? Não. Ele errou ao ter denunciado Antônio Lamas”. E concluiu: ‘Já pedimos que esta Casa proclame em bom som que Antônio Lamas não é mensaleiro, que a sua conduta , que não era atípica, não era criminosa”.
Depois de 25 defesas, a semana se encerrou. Foi um espetáculo, na maior parte das vezes, grotesco. Se o telespectador da TV Justiça tivesse adormecido, na sexta-feira, assistindo a uma das defesas, e acordado às 21-horas, do mesmo dia, quando estava sendo exibida a chanchada ‘Aviso aos Navegantes’, estrelada por Grande Otelo e Oscarito, poderia até supor que o julgamento continuava. Porém, nenhum dos participantes daquelas sessões tinha a graça e a inteligência da maravilhosa dupla cômica.
A semana começou animada. Era muito aguardada a defesa do ex-deputado Roberto Jefferson, pivô do escândalo. Mas o primeiro réu do dia 13 era o bispo Rodrigues (Carlos Alberto Rodrigues Pinto). Rodrigues foi da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Era, em 2002, o político ligado à IURD de maior relevância. À época do escândalo, era Deputado Federal pelo Partido Liberal(RJ). Pesavam sobre ele duas acusações: Corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Seu defensor dirigiu-se à tribuna às 14.28-h ( a sessão tinha começado dois minutos antes). Bruno Alves Pereira de Mascarenhas Braga defendeu a tese de que seu cliente ‘jamais negou o recebimento do dinheiro’. Os 150 mil Reais, em espécie, teriam sido usados para pagar gastos da campanha de 2002, segundo turno, quando ele e seu grupo político apoiaram o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, – no primeiro turno tinham apoiado Antony Garotinho. Disse que seu cliente não havia recebido o dinheiro prometido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto. E só depois de muitas cobranças – quase um ano após a eleição -, foi que os 150 mil chegaram, e ele, então, teria quitado os gastos de campanha (depois de até ter sofrido ameaça de morte por partedos credores). Por fim, Rodrigues abandonou a política, foi afastado da IURD, e deixou de ser bispo. Passou, então, para a história como um dos que perderam com o ‘mensalão’, – mas também esteve envolvido noutro escândalo, o da máfia dos sanguessugas(2006).
A defesa do ex-bispo foi rápida. Parecia que até seu advogado estava esperando, – como todos, – a chegada à tribuna de Luiz Francisco Corrêa Barbosa, o defensor de Roberto Jefferson Monteiro Francisco. O advogado tinha dado várias entrevistas antes do julgamento, dizendo que iria colocar no centro do escândalo o ex-presidente Lula. Três dias antes, tinha protagonizado um incidente, quando estava querendo assistir ao julgamento sem estar devidamente vestido, de acordo com o regimento do STF. Barbosa cumpriu a promessa, e incendiou o julgamento. Recontou a história tantas vezes repetida por Jefferson, que teria ficado sabendo do ‘mensalão’, impedido que o PTB entrasse no esquema, ido aos Ministros denunciar o fato e, finalmente,ao então presidente Lula. O advogado afirmou que Jefferson havia recebido 4 milhões de Reais de Marcos Valério, o que chamou de apoio do PT ao PTB para a eleição municipal de 2004, justificando que ‘a transferência de recursos entre partidos é autorizada por lei’.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail liciniobarbo[email protected])