O Mercado Central de Rio Verde foi fechado: o fim de uma época romântica
Redação
Publicado em 8 de outubro de 2015 às 22:20 | Atualizado há 4 meses“Se queres ser universal cante a sua aldeia”, escreveu o famoso escritor russo de rara visão e criação literária.
O Mercado Central (também conhecido como Mercado Velho) foi fechado pela prefeitura e pelo progresso, entrando para a história como a última relíquia de um tempo gostoso e trabalhoso, a crônica de muitos personagens e motivos. Mercado Central, do fumo de corda; da caninha de engenho servida pelo comerciante Toninho; da vassoura vendida com destaque pelo João Pires e do açougue do Zé Carlos, vendendo carne de sol e linguiça. Mercado do passado, que no presente teve as suas portas fechadas, e o Sandro não poderá mais cortar o cabelo dos bravos senhores fazendeiros. No coração de Rio Verde, na Rua Coronel Vaiano, no pulmão do folclore e das paredes saudosas. A estrutura durou mais de 60 anos, sendo um dos pontos turísticos e históricos da cidade, construídos pelo então prefeito Paulo Campos. Ainda não se sabe o que será construído no lugar saudoso, ou mesmo se o Mercado Central será revitalizado pelas autoridades. Uma página marcante da sociedade rio-verdense; o queijo curado ou fresco vendido pelo Lourival; as ferramentas de trabalho para uso na fazenda; o salgado mais apimentado vendido pelo Toninho ou Zé Antero; o dedo de prosa dos políticos e as bancas de verdura. Tudo se foi, e nem o vendedor de bilhetes resistiu ao tempo moderno e dinâmico. Foi-se a última mercadoria da tradição; tomou-se o último gole de pinga; contou-se a última fofoca política no famoso Senadinho. O tempo derruba o passado, amputa as tradições, inaugura uma nova paisagem. Mercado Central, página virada ou colada da cidade que mais cresce no Brasil, monumento conhecido e querido de tantos amigos e comerciantes. A cerveja mais gelada; a verdura mais fresca; o beijo mais doce. Arroz vendido em casca ou a gosto do freguês. Tudo era procurado e encontrado.
Pelos contornos da história se via o bêbado comportado; o engraxate buscando seu espaço e dando brilho nos sapatos; a baixinha Lurdinha pedindo uma dose inocente de gengibre; a farinha sendo vendida por quilo; a rapadura disputada com carinho; a linguiça mais apimentada feita pelo açougueiro Antero Moreira Araújo; a banana maçã deixando um cheiro de pomar; e até o polvilho nas bancas era vendido em sacos especiais. Como esquecer que até o cantor Rony Cardoso teve uma banca de verduras no casarão central?
Passado, presente e futuro nas rédeas e rodas do progresso, escrevendo os casos e causos mais inusitados da cidade que cresceu em todos os sentidos e direções. Mercado Central, no centro de uma questão entre o passado e o presente, que agora poderá ser transformado em salas de artesanatos. Rio Verde de todas as tradições, do velho jeep do Zalim; da tampa de panela, e até galinha era comercializado no recinto tradicional. As portas foram fechadas, inaugurando um novo cenário do comércio local. Como toda cidade, Rio Verde tem (ou tinha?) no Mercado Central o seu vínculo de folclore, amizade, tradição, comércio popular, paisagens urbanas, gente humilde e atraente na geografia central. Como esquecer até de crimes famosos que aconteceram no recinto mágico da Rua Coronel Vaiano com a Rua Costa Gomes? O Brasil tem lugares assim, tão doces como a rapadura do Juquinha ou tão amargo como os limões comercializados pelo Zezinho. Tudo é história, fechando um ciclo no espaço público, no centro da cidade que cresceu em formas de edifícios e nordestinos trabalhadores. Um monumento de grandeza, popularidade e simplicidade, pois até o fumo de corda era vendido em metros democráticos, sem deixar espaço para os cigarros do Paraguai! Vida, paixão e sorte do Mercado Velho, que assim como o Hotel Umuarama em Goiânia, lembra um período tocante e mágico da história recente ou remota. Até o prefeito Juraci Martins gostava de ir lá, comprar pacotes de cigarros para seus peões e uma garrafa de 51 para abrir o apetite dos trabalhadores braçais. O Mercado Central saiu da tradição para entrar na evolução, deixando um rio de saudades, lembranças, contos, pessoas interessantes e até de amores que ali tiveram o seu início. No Brasil de 2015 pode não haver mais espaço para a memória ou registro histórico; porém, quem irá esquecer o Valcir, Valdivina, Sandro, Lurdinha, Lourival, Sérgio, Toninho, Frei, dona Cleusa, Ernesto Pagires, Colodino, Zé Antero, senhor Vicente, e do cheiro de fumo em cima do balcão? Não estamos criticando a gestão do prefeito Juraci Martins, apenas registramos a divisão dos momentos marcantes. Mercado Central; e toda cidade tem o seu monumento popular; no caso de Rio Verde, ele ficava nos contornos da Rua Coronel Vaiano, mas ninguém irá vaiar a tradição. Será que ainda comeremos aquele pastel frito e gostoso no Bar do Toninho? Assim é Rio Verde, do curral ao digital, passando pela crônica saudosa do Mercado Central. Assim é nossa aldeia, defendida por Leon Tolstoi no começo do artigo.
(José Carlos Vieira, escritor, jornalista do Jornal Folha da Cidade, Rio Verde – E-mail [email protected])