Opinião

O ódio a nossa volta

Redação DM

Publicado em 4 de julho de 2015 às 00:32 | Atualizado há 10 anos

A humanidade vive de saltos. Seguimos em uma tendência, numa determinada direção, muitas vezes, em ritmo lento e, de repente, damos um traumático salto. Assim funciona em diversos segmentos da nossa existência, mas, sobretudo no campo social, há nitidamente um trampolim que nos faz alçar outros degraus do comportamento. Isto é evoluir.

O comportamento é dinâmico e alterna entre opostos com facilidade. O que não é exatamente fácil é o ato da conquista de passagem de um extremo a outro. Isto quase sempre se dá de forma agressiva, seja em vias de fato ou mesmo pela eloquência de seus ativistas e defensores. Assim ocorreu no processo de aceitação das mulheres na política no início do século passado. Até as eleições de 1933 no Brasil, nosso País sequer considerava as mulheres como capazes de fazer escolhas políticas.

A revolução sexual, a Primavera de Praga, os sutiãs queimados em nome da liberdade sexual das mulheres, o movimento do pacifismo por todo os Estados Unidos nos anos 1960, que tiveram o seu auge na Guerra do Vietnam e deixaram como legado artístico-social o movimento hippie, tudo isto representou um salto de qualidade e evolução no estilo de vida ocidental. Foi por intermédio deles que hoje somos mais humanos, mais decentes e com mais respeito.

E curiosamente ainda nos falta muito porque o tempo todo novas demandas surgem. Assim como um dia, a sociedade descobriu o absurdo que era manter pessoas em regime de escravidão selecionadas somente pela cor da pele, houve quem insistisse em defender a ideia original e encontrar sentido em, sim, manter homens e mulheres trabalhando de forma desumana e não remunerada, sendo açoitada como animais selvagens.

E é isto que atualmente vivemos: o açoite social aos gays. O imenso e real movimento social LGBT é uma muito mais do que uma estatística ou um grupo de gueto que pode ser a qualquer momento empurrado de volta aos becos e às sombras. Mesmo assim, há quem se posicione contrário ao civil, legal, de suas demandas. Assim como em diversas outras situações, nossa sociedade é convocada e aceitar e reconhecer mudanças, novidades, novos padrões de comportamento que, inéditos, surtem em alguns a necessidade de rechaçar. Um esforço tolo, tendo em vista que o a História mostra que com o tempo os movimentos do novo sempre vencem o atraso.

O que chama atenção, nos dias de hoje, é algo particular da modernidade do nosso tempo. A impressão que se tem é jamais fomos tão modernos em nossos meios, e tão antiquados em nossos comportamentos. Temos a internet e um sistema ágil de comunicação e diálogo. E, no entanto, o usamos para disseminar ódio e fundamentalismo, principalmente o religioso.

Acima de tudo, temos dado voz aos radicais, abrigo ao discurso irracional de pelo menos dois séculos atrás quando nos embasávamos numa vida limitada e sem quaisquer conhecimentos. O uso da religião tem sido mal aplicado como forma de manipulação há séculos e parece que hoje, no arauto da nossa modernidade, nos tornamos reféns de artimanhas antigas e perigosas, que pregam muito mais o ódio que a tolerância.

Os recentes e recorrentes acontecimentos de perseguição a gays, ameaças e outras deformidades do caráter que surgem pelas redes sociais nos colocam como bestas numa sociedade que pede para ser renovada. O aditivo deste comportamento são discursos de líderes religiosos ou políticos – quando não os dois – calcados no ódio, na segregação em nome de Deus, em nome da defesa da família como se o exercício individual da vontade de cada um fosse forte o bastante para alterar a vida do vizinho.

O fato é que o novo sempre vence e as mudanças podem ser retardadas mas jamais impedidas. O que nos resta como integrantes de uma sociedade é resgatar o que ainda carregamos de bom senso e compreender que a concessão de liberdade individual, seja sexual, política ou comportamental, aos outros é na verdade um grande gesto de altruísmo, respeito e amor. Como na mensagem da campanha lançada nos Estados Unidos na última semana após a suprema corte daquele país liberar o casamento civil de pessoas do mesmo sexo: #LoveWins. Ou seja, o amor prevalece e vence. Sempre.

As manifestações do novo estão por toda a parte e hão de imperar. O que temos de fazer é pensar com mais amor e respeito e calar sempre o ódio que ronda a nossa volta.

 

(Ernani de Paula, empresário, ex-prefeito de Anápolis)

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