O passageiro da história- III
Diário da Manhã
Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 00:37 | Atualizado há 8 anos
“Espírito privilegiado e dotado de grande sensibilidade, Carvalho Ramos encantava-se com a grandeza do firmamento, contemplando os astros que se movimentavam no espaço aberto no azul das alturas num tempo em que inexistiam obstáculos para olhar a imensidão do céu estrelado e o infinito, límpido e escancarado, parecia estar ali, ao alcance das mãos. Fotografando na imaginação essa paisagem maravilhosa do interior goiano do século XIX, narra, no final dom prólogo, depois de mencionar como exemplo a reverência que o grande astrônomo Newton devotava à simples menção do nome de Deus que ‘o espetáculo incomparável dos espaços infinitos, onde pairam milhares de astros, submetidos às leis harmônicas e eternas, fizera sentir ao notável astrônomo e apóstolo da ciência a pequenez do homem em um planeta atrasado, poeira miserável em face de tamanhas grandezas’.
“Esse livro, em verdade, é um grande poema épico de 253 páginas, dividido em três partes, onde são homenageados, em poemas líricos de rara beleza, os grandes vultos da humanidade, obedecendo a uma vertente cronológica que tem início nas origens da sabedoria universal. Nessa perspectiva histórica, a primeira parte se ocupa dos filósofos e artistas da Antiguidade, em versos simétricos, bem- construídos e de notável sensibilidade. Inaugura a luminosa coletânea dedicando ao grande Homero, poeta grego consagrado, autor de ‘Ilíada’ e de ‘Odisseia’. Os dois magníficos poemas de Homero, o primeiro cantando a conquista de Ílio, antiga designação de Troia, e o segundo, ‘Odisseia’, um poema de paz, de reconsrução social e familiar. Retrata a época posterior às guerras quando retornados, os heróis gregos navegantes, já em clima de tranqüilidade, relatam as formidáveis aventuras vividas nas peripécias bélicas e nas conquistas. Os dois poemas são considerados obras-primas da humanidade e, embora escritos presumivelmente entre os séculos VIII e IX a.C., iluminaram os séculos seguintes, servindo de modelo para Virgílio, na sua ‘Eneida’, que narra as conquistas romanas, e,posteriormente, para empolgar estudos em toda a Idade Média sobre Homero e suas obras. A erudição e sensibilidade do autor se acham estampadas nos primorosos versos dedicados ao genial poeta grego, e as estrofes de sua segunda parte demonstram o estudo dos poemas quando se referem ao período de paz e reconstrução cantado na ‘Odisseia’. O lirismo gongórico que marcou o estilo dos melhores poetas românticos brasileiros do século XIX, com destaque para Castro Alves e Gonçalves Dias, também merecidamente incluídos entre os grandes gênios homenageados pelo autor, atingiu sua expressão mais requintada em Goiás na poesia de Carvalho Ramos, rica de imagens e metáforas grandiosas. Embora presentes em tantos outros poemas de ‘Os Gênios’, destacam-se alguns versos, caracterizados pela beleza das imagens de grandeza e infinitude comuns aos românticos, com propósitos meramente ilustrativos, sem a pretensiosa e descabida intenção de selecionar os ‘melhores’. Ambição, de resto, se não impossível, mas ao menos incompatível com a natureza dessa obra.
Apesar desses excelentes qualificativos atribuídos por críticos e estudiosos de inegável autoridade, o grande poeta de ‘Os Gênios’ ficou relegado ao esquecimento. A ingratidão da memória cultural brasileira, nesse ponto é clamorosa. Obras literárias como as produzidas por Carvalho Ramos, deveriam ser estudadas nas escolas, preservadas e divulgadas pelas entidades culturais, por constituírem , quando menos, exemplos e fator de estímulo de grande valor para as novas gerações. Muito já se escreveu e muito precisa ser escrito sobre a ingratidão do Brasil com os seus vultos que se destacaram na cultura, especialmente na literatura. Verdadeiras jóias da literatura brasileira, os poemas de Carvalho Ramos são dedicados aos grandes vultos da humanidade, filósofos, profetas, cientistas, compositores, pintores, descobridores, estadistas, escritores universais como Cervantes, Camões e Shakespeare, abrangendo 90 poemas. Ao todo, compreendem uma longa viagem cultural e erudita pela trajetória da inteligência humana que tem início nos primórdios da filosofia greco-romana, passando pelos primeiros artistas, poetas e precursores da ciência moderna, e termina com os gênios e escritores do Século XX, incluindo os notáveis escritores e poetas românticos brasileiros: José de Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves. Denotando a firmeza de sua crença na doutrina espiritualista, o último poema do livro é dedicado a Allan Kardec, cultuado como o grande codificador do Espiritismo, cujas obras Carvalho Ramos foi um dos pioneiros na leitura e divulgação na sua época. O simples perpassar de olhos pelo fecundo panorama cultural que se descortina das páginas do livro, com incursões pela filosofia, política, história, literatura e música, mostra o quanto foi investigativo, estudioso e erudito o autor, que mergulhou nos feitos ou obras dos personagens de seus poemas, estudando-os a fundo, para retratar, com profundidade, os aspectos humanamente mais significativos de cada um deles. No mais longo poema de 14 estrofes e versos em décimas, dedicado a Moisés, o poeta atinge momentos de culminante e densa inspiração. Na evolução do poema, Moisés, já adulto, proclama a sua missão divina de falar em nome de um Deus que é fonte de amor e de esperança.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])